18ª Edição - 2024

Reapropriar e Reescrever

Vista a partir da sua potencialidade para pensar o presente, a História da Arte se desvela  como uma coexistência de tempos. É constituída de fragmentos e vestígios, como imagens e gestos do passado que atravessam por brechas e irrompem, no agora, com novos sentidos. Em suas diferentes temporalidades, os historiadores e os artistas se apropriam dessas imagens para a construção de novas narrativas, ao passo que são atravessados pelos seus próprios gestos de (re)apropriação.

É a partir do século XX que significativa atenção se volta às práticas de reapropriação como instrumentos de subversão das histórias oficiais. Reusos tornaram-se uma ferramenta de destaque desde as vanguardas históricas. Os papiers collés cubistas rompiam o isolamento do plano pictórico, e o collage surrealista fazia da reconfiguração de imagens uma porta para o indizível. O ready-made dadaísta, por sua vez, lograva subverter de uma só vez o lugar social dos objetos e as convenções sociais da arte. Esses aprendizados foram recobrados pelas novas vanguardas do pós-guerra, das maneiras mais diversas. Arte pop, novo realismo, arte conceitual, todas essas variantes apresentaram suas releituras do ready-made. Em uma chave mais abertamente politizada, o  détournement situacionista, propunha o “desvios” de "elementos estéticos pré-fabricados" para contestar as ideias de propriedade intelectual  e o fetichismo da cultura. Com isso, abriam caminho para que essas ferramentas de ressignificação deixassem o campo estrito da arte de vanguarda e se tornassem instrumentos estético-políticos dos movimentos sociais renovados pela contracultura - como nos movimentos feministas e LGBTQIA+, os filmes de arquivo, ou found footage, com a montagem fílmica sendo usada para corromper e promover rupturas em imagens patriarcais e heteronormativas, dando voz a narrativas marginalizadas.

No agora, as rupturas se fazem necessárias no campo das narrativas historiográficas oficiais que moldaram uma única História da Arte. À luz dos estudos decoloniais, ao pensar-se em apropriações, questiona-se as práticas coloniais exercidas pela branquitude no ontem e no hoje. Nas souvenir arts, o sequestro de materiais e objetos dos “novos mundos” como peças colecionáveis materializavam a experiência do exótico, principalmente na Europa dos séculos XVII, XVIII e XIX. Neste contexto, a concepção da Arte encontrou-se impregnada por padrões de dominação e exotização, com concepções eurocêntricas de ordem e classificação - como visto nos Wunderkammern, ou gabinetes de curiosidades, coleções aristocráticas de objetos considerados “exóticos” que contribuiam para a legitimação e reforço de poderes coloniais. Esses e outros roubos culturais impostos pelo imperialismo nas populações negras e indígenas reverberam em como se contesta e em como se procura inverter os sentidos em volta da ideia de “apropriação”, ou ainda, de “ressignificação” no tempo presente.

Num esforço para reescrever o curso da história da arte, os artistas recorrem à reapropriação de discursos, imagens, arquivos, materiais e práticas como meio de reestruturar a memória e a identidade de grupos frequentemente excluídos de narrativas convencionais.  Nas obras de Rosana Paulino e Denilson Baniwa, a potencialidade do reuso das imagens aparece no deslizamento de seus significados, a partir da transformação de arquivos coloniais. Com Daiara Tukano, a apropriação das técnicas não-indígenas (TNI) destaca-se como possibilidade de decolonização artística, em um movimento de recodificação da prática como discurso e de reantropofagia. Na obra “Carta ao Velho Mundo” (2018/2019) de Jaider Esbell, com a superposição de mensagens políticas sobre obras clássicas no livro “Galleria Della Pittura Universal”, a apropriação do cânone é um lembrete: o velho mundo está morrendo, levando consigo suas formas dominantes de representação. Nestes gestos, os artistas invertem o sentido colonial das práticas de apropriação que foram e são utilizadas pela branquitude e reinventam suas próprias formas de (re)apropriação a partir da sua potencialidade de reescrita.

Impulsionados por estas e tantas outras questões, os discentes da Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) convidam para o XVIII Encontro de História da Arte (EHA), que este ano será um espaço de reflexão sobre as múltiplas formas de romper, desviar, ressignificar, e reescrever a História da Arte.  Com o tema “Reapropriar e Reescrever”, a edição trará mesas, conferências e apresentações de trabalhos que se relacionam às interfaces e potencialidades crítico-epistêmicas da Arte enquanto instrumento de subversão, renovação e reinvenção constante.