Propriedade intelectual “com características chinesas”

A economia política dos planos de inovação da China contemporânea

Autores

  • Vitor Henrique Pinto Ido Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP)

Palavras-chave:

China, Propriedade intelectual, Políticas de inovação, Economia política, Antropologia jurídica

Resumo

Em 40 anos, a China desenvolveu um robusto sistema jurídico-institucional de proteção à propriedade intelectual, um processo em paralelo com o crescimento econômico que a alçou à condição da segunda maior economia do mundo e líder em inovação, sob certas métricas, em vários setores. O governo central chinês, amparado por juízes da Suprema Corte Popular da China, acadêmicos e juristas no país, passaram a usar a expressão “propriedade intelectual com características chinesas”, uma clara referência à política oficial do “socialismo com características chinesas”. Levando a expressão à sério, ela pode ser tida como um discurso com implicações tanto jurídicas (aceitação e harmonização com o direito internacional, mas mantendo supostamente uma gama de elementos endógenos únicos) quanto de construção de certas materialidades no país (documentos, banners antipirataria, prédios de tribunais, etc.). Ademais, pode ser tomada como metonímia de processos mais amplos na economia política do país, em particular uma noção que associa a proteção de propriedade intelectual a ideias de “modernidade”, “desenvolvimento” e “estado de direito” (rule of law). Nesse sentido, a adoção de regras extremamente protetivas e rígidas quanto à proteção da propriedade intelectual na China pode ser interpretada como uma associação, ainda que imperfeita, com uma concepção do que um país “moderno” e “desenvolvido” deveria reconhecer. A atual guerra comercial entre EUA e China, na qual a retórica do “roubo de propriedade intelectual norteamericana” assume um papel central, evidencia exatamente a intersecção destes processos: a China é criticada por supostamente não proteger o suficiente a propriedade intelectual (incluindo segredos industriais norteamericanos), ainda que suas reformas legislativas e políticas dos últimos anos sinalizem para a adoção de patamares de proteção de direitos intelectuais tão elevados ou mais altos do que os encontrados nos EUA, União Europeia e Japão. Uma das consequências pode ser apontada nas crescentes barreiras a medicamentos genéricos na China, nas inúmeras disputas jurídicas por marcas registradas de má-fé, e na criação de tribunais especializados que podem ter um viés pró-investidor na maior parte dos casos. O artigo, resumo de uma tese de doutorado em curso, adota uma perspectiva analítica inspirada no trabalho de Marilyn Strathern, uma antropóloga não-sinóloga, para explorar maneiras pelas quais seria possível imaginar dois processos principais: (i) as implicações socio-técnicas e jurídicas da noção de “propriedade intelectual com características chinesas” e (ii) se tais noções de propriedade intelectual, antes tidas como quase incompatíveis com a China (ver o clássico livro de Alford, 1995), levam agora à criação de uma nova socialidade “moderna” e “neoliberal”.

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Referências

ALFORD, William. To Steal a Book is an Elegant Offense: Intellectual Property in Chinese Civilization. Stanford: Stanford University Press, 1995.
PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Counterfeit Itineraries in the Global South: The human consequences of piracy in China and Brazil. Routledge, 2017.
STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico e outros ensaios. Coordenação editorial: Florencia Ferrari. Tradução: Iracema Dullei, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
WU, Mark. The 'China, Inc.' Challenge to Global Trade Governance (May 13, 2016). Harvard International Law Journal, Vol. 57, 1001-1063 (2016), Harvard Public Law Working Paper No. 16-35, https://harvardilj.org/wp-content/uploads/sites/15/HLI210_crop.pdf
YU, Peter. China's Innovative Turn and the Changing Pharmaceutical Landscape, 51 U. Pac. L. Rev. 593 (2020).

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Publicado

2021-11-09

Como Citar

PINTO IDO, Vitor Henrique. Propriedade intelectual “com características chinesas”: A economia política dos planos de inovação da China contemporânea. Seminário Pesquisar China Contemporânea, Campinas, SP, n. 4, p. 36, 2021. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/eventos/index.php/chinabrasil/article/view/3498. Acesso em: 25 abr. 2024.