ISSN 2447-746X
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O CURSO DE PEDAGOGIA NA FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E
LETRAS DA USP: NOTAS DE UMA EX-ALUNA
Luci Banks-Leite
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Brasil
lbanks@uol.com.br
PARA OS COLEGAS-FORMANDOS DO CURSO DE PEDAGOGIA - TURMA DE
1966
1
Quando retornei à atual Faculdade de Educação da USP, em 1997, depois de mais de
três décadas do término de minha licenciatura em Pedagogia e me dirigi à ampla escada do
bloco B que leva do térreo ao primeiro andar, não suspeitava que uma profusão de lembranças
me viria à mente. A cada degrau, eu vislumbrava, como em um rápido filme, cenas dos quatro
anos passados naquele edifício em que obtive minha primeira formação universitária. Sob
forma de impressões fugidias, ocorreram-me imagens e sons relacionados à vida acadêmica,
aos professores de várias disciplinas e aos colegas que eu encontrei, alguns dos quais se
tornaram amigos que me acompanham até o presente. Foi como voltar aos anos da juventude,
no início de 1963, quando ali estive, pela primeira vez, para prestar o vestibular que me abriu
as portas da Faculdade e onde passaria os anos seguintes. Consciente de não ser “nem
totalmente a mesma, nem totalmente uma outra”
2
dos idos tempos, fui tomada por forte emoção
que se expandiu ao avistar, no andar superior, meu prezado Professor Celso Beisiegel que
declinou o meu nome e acrescentou que, por um documento da Faculdade, tomara
conhecimento que eu lá estaria naquela data.
A FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DA USP - A SEÇÃO DE
PEDAGOGIA
Em poucas palavras, é difícil expressar o que representava o curso de Pedagogia na
USP, naqueles conturbados anos 1963 a 1966 da história de nosso país. A Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (FFCL-USP), criada em 1934, constituiu a “espinha dorsal” da
Universidade de São Paulo que, naquele momento, agregou outras unidades existentes como,
1
Agradeço a Maria Luiza França pelos comentários a uma primeira versão deste texto e pela maioria das fotos
publicadas. Agradeço igualmente a Elizabeth dos Santos Braga pelo convite para escrever este texto e pelas
conversas sobre a FEUSP e sua história.
2
Paul Verlaine- Mon rêve familier- Poèmes Saturniens.
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por exemplo, a Escola Politécnica, a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e o
Instituto de Educação origem era a chamada “Escola da Praça” por se situar na Praça da
República.
3
Em 1938, o Instituto de Educação tornou-se a seção de Pedagogia da Faculdade
de Filosofia e com o esfacelamento desta em 1970, passou a ser a Faculdade de Educação
(Beisiegel, 2003). Entrar na Pedagogia, na década de 1960, significava, portanto, ser aluna da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) que abrigava várias seções ou cursos como
bem atesta o convite de formatura da turma de 1966, a trigésima da FFCL, cujos estudantes
eram provenientes não apenas dos cursos de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, mas também
de Física, Matemática, Química, Psicologia, Ciências Biológicas, Pedagogia e Geologia
(Convite, em anexo).
Naquele momento, na Cidade Universitária área prevista para sediar a USP, poucos
anos após sua fundação alguns cursos como os de Física, Matemática, Química e Biologia já
se instalavam no campus, em prédios destinados à realização de pesquisas e ensino, com
laboratórios próprios. Outros edifícios foram surgindo ao longo dos anos 1960, como o da
História e Geografia, e os do Centro Residencial o CRUSP local no qual habitavam alguns
colegas e que foi um dos primeiros a contar com um restaurante universitário, muito simples,
no estilo “bandejão”. As aulas da graduação em Pedagogia realizavam-se, então, no prédio que
abrigava o Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE) Professor Querino Filho,
inaugurado em 1956, tendo Fernando de Azevedo como seu primeiro diretor. Naquela área,
havia dois blocos, como atualmente, mas estes eram interligados por uma passarela, no primeiro
andar, que transpunha os canteiros de plantas do térreo. No edifício de frente para a avenida,
funcionava a biblioteca da Faculdade, além dos dormitórios dos bolsistas do CRPE, sendo o
bloco B destinado ao ensino, com salas de aulas, as dos professores e outras reservadas à
direção. Embora tenha havido várias transformações desde então, o bloco B guardou sua
estrutura original.
Chegar à Cidade Universitária, na zona oeste da cidade, era uma árdua tarefa para quem
residia em bairros distantes ou mesmo no centro da capital. A menos que se dispusesse de
veículo próprio, era necessário contar com escassas linhas de ônibus. Mesmo internamente, era
difícil o deslocamento de um prédio a outro, apesar de existirem ônibus circulares gratuitos,
inclusive com uma linha que efetuava um trajeto do Largo de Pinheiros ao campus, passando
3
Neste emblemático prédio Caetano de Campos, inaugurado em 1894 e tombado pelo Patrimônio Histórico, na
década de 1970, funcionou a primeira escola Normal de S. Paulo voltada à formação de professoras do ensino
primário e é, atualmente, a sede da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
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pelos vários prédios, mas em horários fixos e reduzidos. Quando ocorriam fortes chuvas, o
problema se agravava, sendo necessário, muitas vezes, a travessia de trechos enlameados para
se entrar nos edifícios. A paisagem geral era bastante inóspita, sem as centenas de árvores que
foram pouco a pouco plantadas e que transformaram várias áreas da Cidade Universitária em
agradáveis jardins.
IMAGEM 1 - Prédio frontal da Pedagogia na década de 1960
Fonte: acervo pessoal
IMAGEM 2 - Em frente ao CRUSP - 1963-64
Fonte: acervo pessoal
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IMAGEM 3 - Alunas da Pedagogia e colega da Poli
Fonte: acervo pessoal
IMAGEM 4 - Jardim entre os prédios
Fonte: acervo pessoal
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IMAGEM 5 - Arredores do prédio principal da Pedagogia CRPE
Fonte: acervo pessoal
IMAGEM 6 - O pequeno lago entre os prédios
Fonte: acervo pessoal
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IMAGEM 7 - Ônibus circular
Fonte: acervo pessoal
IMAGEM 8 - Passarela Externa
Fonte: acervo pessoal
O CURSO DE PEDAGOGIA PROPRIAMENTE DITO: O VESTIBULAR E O
ENSINO
Na época em que os exames unificados do vestibular eram inexistentes, a entrada na USP
ou em outras Universidades públicas ou privadas exigia persistentes esforços. A competição
era extremamente acirrada, não porque havia poucas vagas em um número reduzido de
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instituições de ensino superior, mas também porque cada universidade decidia e elaborava seus
exames de seleção, a partir de critérios próprios. Para entrar na Pedagogia da USP, era
necessário passar por exames escritos e orais de Psicologia, História Geral, Português e uma
língua estrangeira à escolha do candidato geralmente inglês ou francês. As questões das
provas escritas exigiam respostas em forma dissertativa e não era permitido o uso de
dicionários. nos exames de língua estrangeira. Deve-se lembrar que, como havia poucas
traduções de publicações em outras línguas, desde o início da Faculdade recebíamos listas de
referências bibliográficas de originais em espanhol, francês e inglês, o que tornava necessário
um conhecimento, ao menos instrumental, de uma dessas línguas. Enquanto eu cursava o
terceiro ano colegial, pude frequentar um excelente cursinho o do Grêmio da Faculdade que
contava com professores jovens e dinâmicos, recém-formados ou em fase final de seus cursos.
Esse local, próximo à Rua Maria Antônia, consistia em uma antessala da Faculdade de Filosofia
na qual se vivenciava uma atmosfera animada por debates sobre temas candentes que, com
frequência, se estendiam pelos finais de semana.
Os objetivos do curso de Pedagogia daquela época eram bem distintos dos atuais;
destinava-se, como os demais cursos da FFCL, a preparar professores para o ensino secundário
o atual fundamental II e ensino médio , mas principalmente formar pessoal que se dedicaria
às áreas de orientação educacional e/ou pedagógica e à administração escolar. Assim sendo, ao
lado de estudantes que, como eu, eram recém-egressos do ensino médio ou colegial, uma boa
parte da turma era constituída por professores experientes, muitos dos quais concursados e
em pleno exercício de seus cargos em escolas públicas; alguns eram comissionados, ou seja,
dispensados do exercício de suas atividades para cursarem Pedagogia. Essa diversidade de
pessoas, entre as quais as provenientes de cidades do interior do Estado de São Paulo, contribuía
muito para o enriquecimento das discussões e para o adensamento do conteúdo das
aprendizagens. Além de ministrar aulas magnas, os professores promoviam a organização de
grupos para a preparação de seminários e trabalhos escritos, o que acarretava uma boa interação
e conhecimento entre os estudantes. Tais grupos, alguns fluidos variando ao sabor das
circunstâncias e de interesses pontuais, outros mais estáveis, encontravam-se dentro e fora do
circuito de nossa seção nos corredores e nos poucos restaurantes, nas bibliotecas, nos
transportes coletivos e mesmo na residência dos colegas - dando continuidade aos estudos e
debates desencadeados pelos professores em sala de aula ou a questões de nosso próprio
interesse.
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O curso era organizado em 4 anos para o diurno e 5 anos para o noturno, com 30 vagas
para cada turno. O primeiro ano era introdutório com disciplinas ministradas a todos os alunos
ingressantes. A partir do segundo ano, era necessário escolher uma das quatro áreas: Filosofia
e História da Educação, Administração Escolar, Orientação Educacional e Pesquisa em
Educação. Algumas disciplinas eram comuns, como as da Licenciatura Didática, Prática de
Ensino - e as demais eram exclusivas de cada área. Minha escolha, como a da maior parte da
turma, foi a de Orientação Educacional por ser a que abria maiores possibilidades de trabalhos
em escolas, uma vez que se aventava a possibilidade de haver um primeiro concurso nesse
campo.
IMAGEM 9 - Os corredores e a sala de aula
Fonte: acervo pessoal
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IMAGEM 10 - José Diamantino Costa foi um dos ótimos companheiros em nossa
turma predominantemente feminina
Fonte: acervo pessoal
Desses anos passados na Cidade Universitária 1963 a 1966 guardo boas
lembranças de professores de rias disciplinas, em particular os da área de Filosofia e
História da Educação, Sociologia, Didática e Orientação Educacional. O fato de estarmos
na FFCL possibilitava um bom trânsito de uma à outra seção; nossos professores de Sociologia
da Educação Marialice Foracchi, Luís Pereira e Douglas Teixeira Monteiro vinham das
Ciências Sociais e estavam associados ao Professor Florestan Fernandes, catedrático na
época. Para cursar a disciplina de Biologia, nos deslocávamos para os prédios dessa seção que
funcionavam no mesmo local atual. assistíamos aulas em laboratórios, e até pudemos
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realizar alguns pequenos experimentos em Genética com drosófilas, sob a cuidadosa direção do
Professor Oswaldo Frota-Pessoa, um dos pioneiros da área de Genética no Brasil e grande
divulgador científico.
Em Filosofia e História da Educação costumava-se ler os clássicos os gregos e os
da era Moderna como Descartes, Hume, Kant, sob a sábia orientação do Professor Roque
Spencer Maciel de Barros e demais professores dessa área; em um semestre, lemos e discutimos
integralmente o Emílio de Rousseau, além de outros textos desse importante iluminista. Em
Psicologia, a forte tradição behaviorista predominava e estudava-se, sobretudo, a
perspectiva de Skinner; eu, interessada no desenvolvimento humano, dediquei muito
tempo à leitura de pesquisas experimentais sobre aprendizagem realizadas com animais,
dentro dos esquemas S-R. Nada ou pouco se falava da caixa preta que era o centro de
minhas indagações. Em Didática liam-se trechos da Didática Magna de Comenius e de
representantes da chamada Escola Nova Pestalozzi, Dewey, Claparède além dos brasileiros
Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Nessa disciplina, graças à Professora
Maria Amélia Americano Domingues de Castro, discutimos um livro, naquela época acessível
apenas em espanhol, do autor suíço Hans Aebli que havia proposto uma Didática Psicológica.
Aebli procurou elaborar uma aplicação de ideias da Psicologia de Jean Piaget autor ainda
pouco conhecido no âmbito universitário brasileiro ao campo didático; nesse contexto,
tivemos aulas com o Professor Angel Márquez, argentino convidado a lecionar na USP e
enveredamos por um caminho novo e bastante atraente.
Um pouco do que eu almejava conhecer em Psicologia foi, de certa forma,
apresentado nas disciplinas de Orientação Educacional, graças ao trabalho das
professoras Maria Amélia de Azevedo, Silvia Leser e, em particular, Maria José Garcia
Werebe. D. Mariinha, como era carinhosamente chamada por pessoas pximas, depois
de formada na Pedagogia da USP, recebera bolsa para estudar no Laboratório de
Psicobiologia, fundado por Wallon, em Paris. Ao retornar, passou em concurso de Livre
Docente na FFCL e se dedicou à implementação da área de Orientação Educacional no
curso de Pedagogia, bem como à instalação de um setor de O.E. no Colégio de Aplicação
da Faculdade, fundado em 1957. Grande defensora da escola pública, autora de um livro
que teve várias edições Grandezas e Misérias do ensino no Brasil (1963) , ela e suas
colaboradoras mais próximas divulgavam publicações de autores franceses como Zazzo,
um discípulo de Wallon, diretor da revista Enfance, periódico sempre presente nas
referências dos cursos. Além disso, dirigiam discussões de livros variados como os da
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experiência pedagógica de Makarenko que deu origem a um filme a que assistimos, em
sessão fechada, em cinema do centro da cidade e de autores importantes da literatura da
época como Sartre, Simone de Beauvoir, Camus e Mary McCarthy, autora de O grupo,
um livro de bastante sucesso. Também nos estimulavam a frequentar bons cinemas e
apresentações teatrais cujos temas eram, às vezes, discutidos nos seminários dos grupos.
IMAGEM 11 - Colação de grau no
Teatro Municipal janeiro de 1967
Na mesa é possível distinguir
Florestan Fernandes e
Mario Schemberg, Patrono da turma
Fonte: acervo pessoal
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IMAGEM 12 - Maria Luiza França e eu mesma (esq.) no dia da colação de grau
Fonte: acervo pessoal
IMAGEM 13 - Em primeiro plano, grupo de formandas da Pedagogia no Teatro Municipal
Fonte: acervo pessoal
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IMAGEM 14 - Formandos da Pedagogia ao lado do paraninfo Otto Maria Carpeaux
Fonte: acervo pessoal
Depois do Bacharelado e da Licenciatura em Pedagogia, cuja colação de grau se deu
em cerimônia solene no Teatro Municipal, cursei a Especialização em O.E. no ano seguinte,
1967, para complementar as disciplinas teóricas dessa área e realizar duzentas horas de estágio
no Colégio de Aplicação, localizado na Rua Gabriel dos Santos, bairro de Santa Cecília. Nesse
estágio, havia um trabalho bastante engajado na prática, com o acompanhamento das diferentes
atividades das orientadoras educacionais, inclusive dos grupos de discussão sobre sexualidade
ou Educação Sexual, um tema delicado que exigia o consentimento dos pais dos alunos
adolescentes para ser frequentado. A participação ativa dos estagiários se relacionava,
principalmente, à Orientação Profissional que consistia em acompanhamento entrevistas,
testes, questionários de alunos do final do ensino secundário em vias de escolher suas futuras
profissões. Éramos supervisionados pelas experientes profissionais do Colégio, algumas das
quais haviam realizado estágios de aperfeiçoamento na França; era o caso de minha orientadora-
supervisora Dirce de Barros que havia retornado de Paris, naquele ano.
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De posse dos diplomas de Licenciatura e de Especialização em Orientação
Educacional, eu e colegas nos apresentamos, em 1969, para o primeiro concurso de O. E. no
Estado de São Paulo, fato tornado possível graças ao grande empenho de nossa cara Professora
Maria José Garcia Werebe. Passamos a exercer nossas atividades em escolas públicas,
ocupando cargos estáveis no ano seguinte. O que não se imaginava era que tal concurso seria
também o último, uma vez que, desde então, nenhum outro teve lugar em nosso Estado.
A FFCL DA RUA MARIA ANTONIA
Seria impossível não lembrar que, ao lado desses cursos em funcionamento na Cidade
Universitária, grande parte dos estudantes da FFCL ainda permanecia no centro da cidade,
particularmente, na sede principal na Rua Maria Antonia no bairro de Vila Buarque. Os cursos
de Letras e Ciências Sociais, além da Filosofia e Psicologia funcionavam nesse edifício, que
também alojava a parte administrativa da Faculdade e a sede do Grêmio em sala do subsolo
onde ocorriam as assembleias, sempre apinhadas de estudantes e que se prolongavam, com
frequência, até altas horas da noite. Ao lado desse prédio principal, onde hoje funciona o Centro
Universitário Maria Antonia, havia outros como o da Faculdade de Ciências Econômicas e
Administrativas (FCEA), atual FEA, na Rua Dr. Vila Nova que se comunicava com a sede da
FFCL por um pátio interno e contava com excelente biblioteca da qual eu era sócia.
IMAGEM 15 - Carteira da biblioteca
Fonte: acervo pessoal
Bem próximo destes, funcionava a FAU- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na
Vila Penteado, Rua Maranhão com um belo hall no qual se apresentavam solistas e pequenos
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grupos de música de Câmara; Chico Buarque estudou e andava por aquelas ruas, um jovem
compositor ainda pouco conhecido que se tornaria famoso depois de obter o prêmio máximo
no festival de música (TV Record) de 1966, por sua composição “A Banda”. Também nas
proximidades, situava-se a recém-criada Faculdade de Medicina da Santa Casa e um setor
importante da PUC, o Sedes Sapientiae, na Rua Marquês de Paranaguá, em cujo auditório assisti
a uma conferência de Paulo Freire, logo após passar no vestibular
4
. Na própria Maria Antonia,
havia os prédios do Instituto Mackenzie onde funcionavam os cursos universitários bem em
frente aos da FFCL. As tensões existentes entre os estudantes desses dois “campos”, sobretudo
depois do golpe de 1964, culminaram com um sério confronto, em outubro de 1968, conhecido
como a “Batalha da Maria Antonia” que acarretou graves danos ao prédio da FFCL e levou à
transferência afoita dos cursos restantes da Faculdade para prédios improvisados na Cidade
Universitária.
De qualquer forma, pela Maria Antonia, e em outras ruas do entorno, transitava um
grande contingente de estudantes universitários. Ao se caminhar em direção ao centro,
percorriam-se vias que abrigavam importantes teatros o de Arena, o teatro Itália e o Cultura
Artística e cinemas de arte” como o Bijou, na Praça Roosevelt. Frequentava-se,
assiduamente, a Biblioteca Mario de Andrade, uma referência fundamental para todos os
estudantes do ensino médio e superior naquela época, ao lado do recém-inaugurado cine
Metrópolis, na galeria de mesmo nome, na Avenida São Luís. Em mais alguns passos, chegava-
se ao Teatro Municipal e às Ruas Barão de Itapetininga, 7 de Abril e 24 de maio, permeadas de
cinemas, bares, pequenos restaurantes e leiterias que constituíam pontos de encontros nos quais
ocorriam discussões acaloradas de grupos de universitários, inclusive os da Faculdade de
Direito, instituição tradicionalmente instalada no Largo São Francisco
5
.
Os eventos de 1968, com o fechamento do prédio da Maria Antonia, seguido do ato
Constitucional n. 5, representou o ápice de um período de lutas políticas em defesa da escola
pública, de um clamor por reformas do ensino, inclusive universitário e contra a situação de
repressão e perda de direitos garantidos pela Constituição advindos do golpe de 1964.
Manifestações reprimidas pela Polícia aconteceram nessas ruas e muitos eventos de importância
para a cultura e política paulistana se irradiaram dali para todo o país.
4
Valendo-se do método de Freire, alguns grupos de alunos da FFCL se organizaram, naquele momento, para
trabalhar em alfabetização de adultos, na periferia de São Paulo e em cidades do litoral do Estado.
5
Com a amiga-colega da Pedagogia, Silvanira Barroso de Sousa, em 1966, iniciei minha participação no Madrigal
das Arcadas, um grupo de canto coral composto, majoritariamente, por estudantes dessa Faculdade. As
apresentações mais importantes do Madrigal se deram no Teatro Municipal de S. Paulo e no 1. Festival de Inverno
de Campos do Jordão, em 1970.
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Para quem estudava na longínqua Cidade Universitária era por vezes bem difícil
participar dessas atividades, mas o clima de contestação era vivido, de forma mais ou menos
intensa, por toda a FFCL. Pude conhecer mais de perto essa atmosfera efervescente por residir
em bairro próximo à Vila Buarque e caminhar, com frequência, pela Maria Antonia e
adjacências.
Em suma, por todo o clima inovador da cultura da época, pelas lutas sociais e políticas
daquele momento, cursar Pedagogia na FFCL representava muito mais do que adquirir novos
conhecimentos e ter uma formação sólida e abrangente, sem dúvida, essencial para o exercício
da vida profissional. Constituía também a capacidade de estabelecer contato com um novo
universo, conviver e respeitar pessoas marcadas por experiências sociais e culturais distintas.
Imersos em um meio propício ao despertar de novas ideias e desejos, conheci a competição,
sim afinal quem não queria se destacar face aos professores que admirávamos? mas também
a cooperação e a solidariedade entre colegas, o despertar de amizades e de relações mais
duradouras, o prazer de descobertas inesperadas, o avivamento de uma curiosidade sem limites,
certa tolerância face aos que defendiam ideias diferentes. Enfim, a variedade de vivências
possibilitava a produção de um amplo repertório pessoal e coletivo no qual a literatura e a arte
também se faziam presentes na formação do futuro professor e proporcionavam, assim, meios
para transcender o hic et nunc e até mesmo superar circunstâncias difíceis que estávamos
destinados a viver.
Sabe-se o quanto o trabalho da memória transforma o realmente vivido, à medida em
que o tempo passa. “Nas lembranças tudo é agradável, mesmo as tribulações”, como bem afirma
Borges. Entretanto, pessoalmente, pude apreciar e valorizar o que havia adquirido naqueles
anos dentro e fora da sala de aula algum tempo depois, ao iniciar uma segunda graduação
em Psicologia, em Genebra-Suíça, tendo como primeira moradia um pequeno quarto na Rue du
Contrat Social, no bairro de Saint Jean, local de nascimento e vida de J. J. Rousseau. Em contato
com novos professores e colegas, em uma sociedade muito distinta da nossa, percebi, pouco a
pouco, o quanto o período de formação na Pedagogia havia me preparado para novos desafios.
Tornei-me cada vez mais grata a tudo o que contribuiu para minha constituição naqueles anos
de vida na USP.
REFERÊNCIAS
AEBLI, Hans. Didactique psychologique, Neuchâtel: Delachaux & Niestlé, 1951.
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BEISIEGEL, Celso. Origens das orientações da pesquisa educacional na Faculdade de
Educação da USP. Educação e Pesquisa (USP), São Paulo, vl. 29, n.2., 2004, p. 357-364.
BORGES, Jorge Luis. Epilogue. In: Le goût de Genève. Paris: Mercure de France, 2006, p.109.
PROFESSORA MARIA JOSÉ GARCIA WEREBE in Memoriam. Cadernos de Pesquisa, v.
37, n. 131, 2007, p. 273-280.
WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do ensino no Brasil (1963). São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963.
Recebido em: 28 de novembro de 2021
Aceito em: 23 de dezembro de 2021
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ANEXO CONVITE DE FORMATURA
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