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O INSTITUTO DE CEGOS DA BAHIA (ICB) E AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE
INTEGRAÇÃO DE EDUCANDOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL EM ESCOLAS
REGULARES: ASSOCIAÇÃO ENTRE NARRATIVAS ORAIS E FONTES
DOCUMENTAIS
Robenilson Nascimento dos Santos
Universidade Federal da Bahia, Brasil
robenilson@gmail.com
RESUMO
O texto apresenta um recorte da pesquisa, cujo propósito está em sistematizar a memória da
Educação Especial no estado da Bahia, enfocando o trabalho desenvolvido pelas instituições
especializadas para o acesso à escola regular de educandos cegos e com baixa visão. Sintetiza-
se o trabalho precursor do Instituto de Cegos da Bahia (ICB) no tocante às ações que
culminaram com o início do processo de inserção de estudantes com deficiência visual nos
espaços considerados comuns de ensino, através do convívio com os demais alunos. A análise
fundamenta-se em fontes documentais associadas a narrativas orais destacando a potencialidade
dos relatos de testemunhas para sistematização dessa memória. Da discussão conclui-se,
apontando a relevância da pesquisa na relação estabelecida com os estudos concernentes ao
patrimônio histórico educativo e a contribuição para compreender o atual contexto da Educação
Especial.
Palavras-chave: Educação especial. Deficiência visual. Memória.
EL INSTITUTO DE CIEGOS DE BAHIA (ICB) Y LAS PRIMERAS INICIATIVAS
DE INTEGRACIÓN DE EDUCANDOS CON DISCAPACIDAD VISUAL EN
ESCUELAS REGULARES: ASSOCIACIÓN ENTRE NARRATIVAS ORALES Y
FUENTES DOCUMENTALES
RESUMEN
El texto presenta un recorte de la investigación cuyo propósito es sistematizar la memoria de la
Educación Especial en el estado de Bahía, enfocando el trabajo desarrollado por las
instituciones especializadas para el acceso a la escuela regular de educandos ciegos y con baja
visión. Se sintetiza el trabajo precursor del Instituto de Cegos de Bahía (ICB) en lo que se refiere
a las acciones que culminaron con el inicio del proceso de inserción de estudiantes con
discapacidad visual en los espacios considerados comunes de enseñanza, a través de la
convivencia con los demás alumnos. El análisis se fundamenta en fuentes documentales
asociadas a narrativas orales destacando la potencialidad de los relatos de testigos para
sistematización de esa memoria. De la discusión se concluyó, apuntando la relevancia de la
investigación en la relación establecida con los estudios concernientes al patrimonio histórico
educativo y la contribución para comprender el actual contexto de la Educación Especial.
Palabras clave: Educación especial. Deficiencia visual. La memoria.
THE INITIATIVE OF A SPECIAL EDUCATION INSTITUTION TO INTEGRATE
VISUAL DEFICIENCY STUDENTS IN COMMON SCHOOLS: ASSOCIATION
BETWEEN ORAL REPPORTS AND DOCUMENTS RESOURCES
ABSTRACT
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The text shows part of the research whose purpose is to systematize the memory of the Special
Education in the state of Bahia. The research focus is the work developed by the specialized
institutions for access of blind and low vision students to the regular school. The pioneering
work of the Instituto de Cegos da Bahia (ICB) is summarized in the actions that culminate in
the insertion process of visual deficiency students in the common school. The analysis is based
on documentary sources associated with oral narratives, highlighting the potentiality of witness
reports to systematize this memory. From the discussion, it was concluded that the pertinence
of relation with the studies concerning historical heritage and the contribution to understand the
current scenery of Special Education.
Keywords: Special education. Visual deficiency. Memory.
L'INSTITUT DES AVEUGLES DE BAHIA (ICB) ET LES PREMIERES
INITIATIVES D'INTEGRATION D'ELEVES DEFICIENTS VISUELS DANS LES
ECOLES ORDINAIRES:ASSOCIATION ENTRE RECITS ORAUX ET SOURCES
DOCUMENTAIRES
RÉSUMÉ
Le texte présente un coupage de la recherche dont le but est de systematiser la mémoire de
l'éducation spéciale dans l'état de Bahia centrant le travail developpé par des institutions
spécialisées pour l'accès à l'ècole ordinaire des éléves aveugles et malvoyants. Il synthétise le
travail precusseur de l'Institut des Aveugles de Bahia (ICB) à l'égard des actions qui ont abouti
au début du processus d'insertion des étudiants malvoyants dans les espaces considerées comme
un enseignement commun, à travers le contact avec les autres étudiants. L'analyse est basée sur
des sources documentaires associés à des récits oraux soulignants le potentiel de rapports de
témoins pour systématiser cette mémoire. La discussion se termine en soulignant la pertinance
de la recherche et la rélation établi avec les études concernant le patrimoine éducatif historique
et la contribution à la compréhension du contexte actuel de l'éducation spéciale.
Mots clés: Education spéciale. Deficience visuelle. Mémoire.
INTRODUÇÃO
O paradigma de instituições totais de assistência educacional às pessoas com deficiência
visual assumido pelo Estado brasileiro na segunda metade do século XIX, com a criação do
Instituto Benjamin Constant (IBC) foi amplamente difundido a partir do início do século XX,
através de iniciativas particulares filantrópicas, predominou durante um longo período na
história educacional brasileira. Essa prática, desenvolvida em parte significativa do século XX,
sendo questionada a partir de fins dos anos de 1950, foi gradativamente repensada, tendo em
vista outros formatos de inserção educacional de pessoas cegas e com baixa visão. O Instituto
de Cegos da Bahia (ICB), objeto desse estudo, em meados dos anos 1990 aboliu o modelo de
internato, reestruturando suas ações educativas de maneira a adequar-se aos princípios
propostos pelo ideário de educação inclusiva.
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Assume-se nesse trabalho o entendimento da memória da educação em uma perspectiva
contextualizada, crítica e problematizadora dos fenômenos educacionais. A importância de sua
preservação e sistematização reside não apenas em analisar e interpretar o passado educacional,
mas principalmente como possibilidade de compreensão do presente, um olhar crítico sobre as
experiências vivenciadas e, por conseguinte um redirecionamento nas ações, podendo apontar
para a formulação de políticas públicas. Quadro de referência no qual também se insere a
memória da Educação Especial.
Esse estudo integra uma pesquisa com a intenção de sistematizar a história da Educação
de pessoas cegas e com baixa visão no Estado da Bahia, ressaltando a importância das
instituições especializadas como lugar de memória, lócus de pesquisa, cognição e patrimônio
educativo. O enfoque é no pioneirismo e na contribuição do Instituto de Cegos da Bahia (ICB)
para o acesso às escolas regulares de crianças cegas e com baixa visão e a relação desse trabalho
com as primeiras iniciativas do poder público para este fim.
Narrativas orais associadas às fontes documentais orientaram teórica e
metodologicamente o trabalho. Foram entrevistadas duas professoras ligadas à Secretaria de
Educação do Estado da Bahia, entre as décadas de 1960 e 1990, responsáveis pela implantação
de serviços de apoio para deficientes visuais em escolas regulares em articulação com o ICB.
Quanto às fontes documentais, as referências foram: o livro O Cego em face da medicina, do
Direito e da Pedagogia (1933), de autoria do Doutor Alberto de Assis fundador do ICB e os
anais do primeiro e segundo Congressos Brasileiros de Educação de Deficientes Visuais
ocorridos em 1964 e 1968, respectivamente.
A análise concentra-se no período compreendido entre 1960 e 1964, quando se
evidenciaram as primeiras medidas concretas para integração de estudantes deficientes visuais
em escolas regulares no Estado da Bahia, através das ações empreendidas pelo ICB. Faz-se
referência a alguns acontecimentos ocorridos a partir de 1933 que culminaram com o processo
de ensino integrado para alunos cegos e com baixa visão, quais sejam: A Campanha Pró-Cego,
a fundação e consolidação institucional do ICB e sua articulação com o poder público.
Inicialmente, precedendo o núcleo do estudo discorre-se, panoramicamente, sobre o
legado das instituições especializadas na integração escolar de educandos com deficiência
visual relacionando com o significado e relevância das narrativas orais para a compreensão
desta memória.
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A POTENCIALIDADE E IMPORTÂNCIA DAS NARRATIVAS ORAIS NA
COMPREENSÃO E SISTEMATIZAÇÃO DA MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL
No Brasil, a inclusão das pessoas com deficiência em todos os níveis e modalidades
de ensino é um dos temas mais debatidos em Educação nas duas últimas décadas. É abordado
com frequência nos diversos espaços midiáticos, figurando em pautas de seminários, simpósios,
congressos, entre outros eventos. A questão é constantemente problematizada como objeto de
estudo de trabalhos acadêmicos. Mesmo os intelectuais de grande experiência e notoriedade na
área, decerto, teriam dificuldade em se manter atualizados diante de tão volumosa produção
(dissertações, teses, livros, artigos) anualmente evidenciada no país acerca da temática. Isso
sem incluir leis, decretos, diretrizes, notas técnicas e outros documentos orientadores, que são
frequentemente publicados pelo Governo Federal.
Conforme Jannuzzi (2006), o acesso à escolarização de crianças com deficiência no
Brasil foi contemplado no ideário de importantes acontecimentos históricos motivados por
princípios liberais, ocorridos entre o final do século XVIII e início do XIX. Por exemplo, a
Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Pernambucana (1817),
alcançando maior expressão com o processo da independência. Todavia, as primeiras medidas
que constituirão o início da Educação Especial decorrentes de iniciativas públicas partiram do
Imperador Dom Pedro II, com a criação, em 1854, do Imperial Instituto dos Meninos Cegos,
posteriormente denominado Instituto Benjamin Constant (IBC) e três anos mais tarde, em
setembro de 1857, do Imperial Instituto dos Surdos e Mudos, atual Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES) (BUENO,1993; MAZZOTTA, 2005; JANNUZZI, 2006).
Com a criação do Instituto Benjamin Constant, o atendimento educacional às pessoas
com deficiência visual será desenvolvido no Brasil, quase que exclusivamente por instituições
particulares de caráter filantrópico. Segundo Mazzota (2006), ações do Governo Federal depois
da criação do IBC serão evidenciadas no final da década de 50 do século XX.
Após a Proclamação da República, a educação de pessoas com deficiência visual no
Brasil, desenvolveu-se lentamente acompanhando as tendências da educação em geral
oferecidas às camadas populares, limitando-se o Poder Público, tanto no nível federal, quanto
no estadual, a contribuir com subvenções para as instituições filantrópicas particulares que
concretamente se dedicavam à assistência educacional dessa parcela da população. Foram essas
organizações que, a partir dos anos 1950, envidaram os primeiros esforços para inserção de
educandos cegos e com baixa visão em escolas regulares.
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As primeiras experiências de inserção de alunos com deficiência visual em escolas
regulares tiveram origem no âmbito das instituições especializadas no Estado de São Paulo.
Quanto à presença desses educandos na classe “comum”, relata Mazzotta:
[...] em 1946, por portaria ministerial nº 385, de 08 de junho, o curso ginasial
mantido pelo Instituto Benjamin Constant foi equiparado ao ginásio de ensino
comum. Diante disto, três alunos cegos que o concluíram em 1949 puderam
ingressar, em 1950, em colégio comum, dando início ao ensino integrado
para cegos. (MAZZOTTA, 2005, p. 33).
Sobre a formação de professores especialistas na educação de crianças cegas e com
baixa visão, afirma Mazini:
[...] Oficializar a experiência da educação de cegos com a instalação em 1947
(cf. Nowil 2002), do primeiro curso na América Latina de Formação de
Professores de Educação de Cegos, dentro de uma escola pública - Escola
Caetano de Campos e que se transformou num curso regular. Foi o início das
especializações que depois foram criadas com base neste primeiro trabalho
simples, realizado com interesse, entusiasmo, vontade e criatividade.
(MASINI, 2013, p. 43).
É evidente o papel protagonista das instituições especializadas, na estruturação da
educação de deficientes visuais no Brasil, influenciando a vida de milhares de brasileiras e
brasileiros cegos, mulheres e homens que conseguiram galgar sucesso. Protagonismo que se
fez notar não apenas no campo do ensino, mas também na produção de conhecimento e através
da provocação do poder público, com vistas à conquista de direitos para as cidadãs e cidadãos
com deficiência visual. Protagonismo demonstrado com a expressiva participação de
professoras e professores no 1º e Congressos Brasileiros de Educação de Deficientes Visuais,
ocorridos em 1964 e 1968, respectivamente. Educadoras e educadores ligados às instituições
especializadas, imbuídos na partilha de experiências, divulgação de pesquisas e dos avanços
das práticas pedagógicas no campo tiflológico.
Dos textos resultantes das apresentações e debates das sessões plenárias e grupos de
trabalho constantes nos anais dos congressos, depreende-se uma consistente atuação das
instituições especializadas na educação de crianças, adolescentes e adultos cegos em todo
território nacional. Observa-se, além de reflexões de cunho histórico, sociológico e psicológico,
abordagens acerca das experiências em curso no país concernentes à alfabetização pelo Código
Braille, iniciativas para integração de deficientes visuais em escolas regulares, dentre outros
aspectos. É pertinente ressaltar a estreita relação de tais discussões com os debates e estudos do
atual contexto.
Não fosse o trabalho das instituições especializadas não haveria cegos hodiernamente
destacando-se, acessando os espaços educacionais, principalmente o ambiente acadêmico,
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constituindo-se como intelectuais e pesquisadores de notório respeito. Direta ou indiretamente,
as instituições especializadas exerceram e exercem influência na elaboração de políticas
públicas, formação de educadores e difusão de saberes que, de um modo ou de outro, impactam
na vida dos indivíduos, no decurso da formação educacional, independentemente do lugar no
qual estejam situados.
Preservar e difundir a memória da Educação Especial no Brasil requer, como ponto de
partida, o reconhecimento da importância das Instituições Especializadas, isto é, o legado como
patrimônio educativo dessas organizações constituindo-se como primeiro lócus de ensino
sistemático para alunos cegos e espaço de produção de conhecimento, ainda hoje exercendo o
papel fundamental no processo de escolarização desses educandos. Nesse sentido, deve-se
atentar para dois aspectos. Em primeiro lugar, diz respeito à materialidade da cultura constituída
por estas escolas, direcionando o questionamento de modo especifico para o acervo
documental: atas de reuniões dos conselhos, fichas de matrículas, registros administrativos,
livros adquiridos pela biblioteca, materiais didáticos utilizados pelos professores, relatório de
atividades, além de objetos incluindo o mobiliário e outros de natureza pedagógica, ou não,
constituídos pelas práticas dos sujeitos no cotidiano da instituição. Processo que demanda
inicialmente o esforço por parte dos gestores desses estabelecimentos, no que tange à
preservação de todos os vestígios escritos e iconográficos associados à memória da escola. Uma
tarefa que exige adentrar nos porões, abrir caixas, escarafunchar prateleiras de depósitos, locais
onde, geralmente, o relegados vestígios da memória educacional no Brasil. Um desafio
apontado por Souza (2013, p. 205):
Vale a pena notar que os estudos sobre cultura escolar na busca incansável por
vestígios das práticas foram significativamente importantes no
direcionamento dos pesquisadores para a consulta aos arquivos escolares,
quase sempre encontrados em estado lamentável de organização e
conservação. Amontoados em porões, debaixo de escadas, em salas apertadas,
distribuídos ao acaso em armários e caixas, descuidados e sem interesse,
documentos quase sempre administrativos, além de coleções de instrumentos
científicos, livros didáticos, móveis antigos, troféus, medalhas entre outros
objetos, sobrevivem a intempéries, goteiras, condições de insalubridade, falta
de identificação, organização e armazenamento adequado na maioria das
escolas. Os relatos dos investigadores são abundantes e se multiplicam em
relação a diversas localidades e regiões do País.
Em segundo lugar, refere-se a relações tecidas por professores, alunos, pais,
funcionários, construtores da história, que além de testemunharem fatos, os relatam e os
interpretam. No Estado da Bahia por exemplo, um número significativo de pessoas que
vivenciaram períodos e contextos deveras relevantes da educação especial possuindo profundo
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conhecimento dessa história. Utilizar narrativas orais seja como perspectiva teórica, seja como
método ou técnica investigativa, identifica-se com a história viva, contemporânea, isto é, do
tempo presente, o que ainda justifica o emprego de entrevistas na compreensão da memória da
Educação Especial.
No caso específico da preservação da memória da Educação Especial, é relevante a
contribuição da história oral como enfoque metodológico e técnica de pesquisa, tendo em vista
a perspectiva epistemológica que assume como possibilidade investigativa diferentemente das
versões apresentadas pela historiografia tradicional, fundamentada tão somente na
documentação escrita, pouco valorizando as experiências dos sujeitos, sobretudo aquelas
vivenciadas pelos grupos minoritários, como, por exemplo, as pessoas com deficiência visual,
as quais, ao longo da história, têm suas vozes silenciadas, suas existências desconhecidas e suas
trajetórias omitidas, inclusive a educacional que sequer figura nas abordagens dos autores
clássicos da História da Educação. No estado da Bahia, por exemplo, o tema sequer é
mencionado nas obras publicadas nessa área, somente abordada em pesquisas realizadas por
autores especialistas neste campo de estudo com o fim de contextualizar o objeto.
O debate em torno da inserção social das pessoas com deficiência, notadamente no que
tange à educação, ganha maior visibilidade no Brasil a partir dos anos 1970, quando se observa
tanto por parte de estudiosos, como pelo incipiente movimento social desse segmento, críticas
ao atendimento realizado nas instituições especializadas cuja base era o regime de internato. O
fulcro de tais críticas residia no entendimento que esse modelo educativo possuía caráter
segregacionista. Entretanto, não se pode desconsiderar o contributo histórico dessas
organizações, isto é, o legado através do acúmulo por elas adquirido e preservado, bem como
dos saberes transmitidos para as sucessivas gerações.
O TRABALHO PRECURSOR DO ICB NA EDUCAÇÃO E ACESSO À ESCOLA
REGULAR DE DEFICIENTES VISUAIS NO ESTADO DA BAHIA
Conforme se observa em Assis (1933), no Estado da Bahia, as primeiras medidas
relativas à assistência às pessoas com deficiência visual, dentre as quais a educacional, partiram
da Liga dos Institutos de Ensino Particular da Bahia. As ações desenvolvidas tiveram início
através da Campanha Pró-Cego, liderada pelo diretor do Instituto Bahiano de Ensino, professor
Alberto de Assis, que tinha como colaboradores mais próximos Dr. Peter Backer e o professor
J. J. Nascimento Junqueira. A Campanha Pró-Cego foi concebida após o retorno do professor
Alberto de Assis da viagem em que visitou algumas instituições localizadas nos estados do Rio
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de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e do Distrito Federal, onde se desenvolviam experiências
exitosas relativas à educação de cegos. O objetivo era criar uma instituição que se dedicasse à
educação das crianças desprovidas do sentido da visão. A campanha foi amplamente divulgada
pela imprensa baiana da época, veiculada em importantes jornais, que concederam espaços em
suas pautas ao professor Alberto de Assis, Dr. Peter Backer e o professor J. J. Nascimento
Junqueira, para apresentarem à sociedade baiana os propósitos da iniciativa.
Uma série de conferências proferidas pelo professor Alberto de Assis, a partir de julho
de 1933, versando sobre a instrução e a capacidade dos cegos e acerca da experiência
vivenciada, durante sua viagem anteriormente aludida, constituiu o marco oficial do início da
campanha que, já em 1934, se encontrava em pleno desenvolvimento.
Assis (1933), ao apresentar o processo de articulação nacional por ele liderado através
do contato com especialistas no campo tiflológico e gestores de instituições, o que mais tarde
culminaria na fundação do ICB , expõe algumas correspondências remetidas e recebidas que
demonstram a perspectiva eminentemente educacional que assumiria o educandário a ser
criado, conforme se observa nos trechos1 que se seguem:
Rio de Janeiro, 18 de Julho de 1933.
Meu prezado amigo
Dr. Alberto de Assis
Atencioso saudar
Recebi sua amável missiva no dia dez do corrente. Respondo com algum
atrazo em razão de ter buscado escolher uma professora á altura da missão.
[...]
Quanto ao material mencionado em sua carta, isto é: máquinas Braille, livros
em Braille, chapas de calculo, mapas, etc., o Instituto não tem disponível.
Entretanto, a casa “O Bronzeiro”, á Rua Senhor dos Passos 175, o possúe,
vendendo em ótimas condições.
Quanto aos livros poderei fornecer alguns.
Sem mais, á sua inteira disposição, me ponho afim de servi-lo no que fôr
preciso e me subscrevo com especial estima, consideração e apreço.
Amo., Admor., Ato. Obro.
Sady Cardoso de Queiroz. (ASSIS, 1933, p. 213-214).
Illmo. Snr. Dr. Alberto de Assis.
Saudações
[...]
Sei da escolha da Snha. Helena Rizzo pelo diretor proposta como professora
de uma classe primaria e approvo-a com enthusiasmo, de vez que é esta uma
das melhores alumnas que já tive, ainda sem collocação. Penso, porém, que a
par da paciência feminina para guiar os primeiros passos da creança, faz-se
necessário a energia masculina de um não vidente, que pudesse ir á Bahia para
1 As correspondências são citadas em conformidade com a obra original impressa em 1933, preservando-se a grafia
empregada.
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fazer publicas demonstrações de capacidade, dando um attestado vivo do
quanto póde um individuo sem vista convenientemente educado. Estas
demonstrações seriam conferencias acompanhadas de leitura e escripta no
systema Braille, dactylographia commum e no proprio Braille, seriam
explicações de como póde um cego ensinar mesmo aos que vêem, seriam
palestras em salões frequentados pela elite bahiana, onde o cego compareceria
para demonstrar a que ponto poude chegar a sua cultura, seriam visitas ás
famílias de creanças cegas para convencê-las com o proprio exemplo, para
mostrar-lhes o que póde vir a ser o seu menor sem vista si receber uma
educação apropriada, seriam mesmo excursões ás principaes cidades do
Estado, onde se faria a mesma cousa. Para uma acção tão complexa, uma
energia masculina. A descrença, a duvida, a ignorancia do Publico sobre a
capacidade dos cegos precisam ser estirpadas pela acção e pelo exemplo; não
bastam artigos de jornal e palestras pelo radio. Tudo isso tenho feito aqui.
Todavia, sei de famílias de cegos, aqui mesmo dentro da capital, algumas até
bem cultas, as quaes até se recusam mandar seus meninos cegos para o nosso
Instituto.
José Veiga.
Professor cego de Francês
e Inglês do Instituto
Benjamin Constant
20 Julho 1933. (ASSIS, 1933, p. 217-218).
O êxito da campanha mobilizou influentes segmentos da sociedade baiana, bem como
de outras localidades do país, sensibilizando empresários, entidades de classe e autoridades
políticas, viabilizando o início das atividades do ICB, antes do ato oficial de sua inauguração.
A solenidade de inauguração do ICB ocorreu em 30 de maio de 1937. Compareceram à
cerimônia: o Arcebispo Primaz do Brasil, D. Augusto Álvaro da Silva, o Governador do Estado
da Bahia, Dr. Juracy Magalhães, o Secretário de Educação, professor Dr. Anísio Teixeira, José
Spínola Veiga, professor do Instituto Benjamin Constant que auxiliou no processo de
organização do ICB, dentre outras autoridades. No decurso deste ato, foram lidos telegramas
enviados de diversas partes do país contendo votos de sucesso e congratulando-se com a obra
ora iniciada. Finalizando a sessão, o Prof. Alberto de Assis foi empossado presidente do ICB.
A despeito do caráter preliminar desse trabalho, julgamos que os dados até aqui
apresentados são suficientes para contextualizar historicamente o processo de constituição e
consolidação institucional do ICB, que embora a partir da sua inauguração, os esforços
envidados concentraram-se na formação profissional, paulatinamente, em consonância com as
transformações do contexto educacional brasileiro e especificamente da Educação Especial, foi
assumindo um caráter educativo, criando as bases para, na década de 1960, de forma pioneira,
realizar as primeiras experiências de inserção de deficientes visuais em escolas regulares na
Bahia.
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As primeiras experiências do ICB na integração de educandos cegos e com baixa visão
em escolas regulares deu-se por volta de fins dos anos de 1950, estando diretamente associada
ao contexto educacional geral vivenciado no país, à época em que se observava a abertura da
escola pública aos segmentos pertencentes às camadas pobres e às mudanças específicas no
campo da Educação Especial quando o Governo Brasileiro, pela primeira vez, desde a criação
do Instituto Benjamin Constant, assume a educação de pessoas com deficiência visual, enquanto
política nacional de educação. As medidas tomadas foram a instituição de campanhas de
abrangência nacional objetivando a ampliação dos serviços de atendimento educacional
especializado. Em 17 de setembro de 1958, foi criada a Campanha Nacional de Educação e
Reabilitação de Deficientes da Visão. Cumpre salientar que, em 1961, foi promulgada a Lei n.º
4.024, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que mencionou a educação de pessoas com
deficiência nos artigos 88 e 89.
Sob a influência do contexto acima mencionado, mormente da Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, em 1959, o ICB, efetivamente, assume o
desafio de realizar a primeira experiência de matricular pessoas cegas em escolas “comuns”,
embora sem acompanhamento de um professor especialista.
Através de contatos estabelecidos pela direção do ICB, duas professoras ligadas à
Instituição participaram de um curso de especialização na educação de deficientes visuais, em
São Paulo, promovido pelo Instituto Caetano de Campos, em 1960, iniciando o apoio a
deficientes visuais matriculados nas escolas em 1961, conforme se observa no relato: “fomos
convidadas para fazer o curso em São Paulo e fizemos em 1960. Em 1961, então começamos o
trabalho de integração de deficientes visuais em escolas comuns” (professora especialista).
Ao retornarem do curso e se apresentarem ao Secretário de Educação do Estado, foi
proposto às professoras a realização do trabalho de integração escolar de deficientes visuais
através do ICB. Assim, implantou-se, em 1961, a primeira sala de recursos na Escola Marquês
de Abrantes e, ainda naquele ano, sendo oferecido apoio aos alunos matriculados na Escola
Azevedo Fernandes e no Instituto Central de Educação Isaías Alves (ICEIA) por meio do
serviço itinerante.
Após a implantação do serviço, as atividades de apoio ficaram restritas às escolas
Marquês de Abrantes, ICEIA e Azevedo Fernandes. Em 1967, foi realizado pela Secretaria de
Educação o primeiro curso objetivando formar professores para o atendimento educacional aos
educandos com deficiência visual, capacitando uma média de vinte profissionais, iniciativa que
possibilitou a ampliação da oferta do serviço para outras unidades escolares, o que facilitou o
acesso de alunos cegos e com baixa visão.
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Em decorrência de medidas inicialmente oriundas da direção do ICB, o poder público
na Bahia, gradativamente, promoveu ações no sentido de integrar pessoas cegas em escolas
“comuns”, primeiro no âmbito do governo do Estado e, posteriormente, na capital Salvador,
sendo aos poucos incorporadas por outros municípios.
A partir de 1961, a dinâmica adotada pelo ICB para integração educacional dos
estudantes consistia em: encaminhamento dos alunos internos para a escola regular, onde
frequentavam os cursos primário e ginasial, tendo acesso ao currículo da base comum nacional
e, no turno oposto, eram realizadas atividades específicas (Braille, soroban, atividade da vida
diária, escrita cursiva, terapia ocupacional, fisioterapia, atendimento psicológico, dentre
outras). Ao completar dezoito anos ou concluir o ensino fundamental, os alunos deficientes
visuais eram automaticamente desligados do ICB, passando a conviver integralmente no seio
de suas famílias quando, de modo geral, para prosseguir os estudos, solicitavam o apoio do
Grupo de Voluntários Copistas, Ledores para Cegos (GVCLC)2.
Durante o citado I Congresso Brasileiro de Educação de Deficientes Visuais,
realizado em 1964, a professora Josefa Calazans, ao apresentar a comunicação “Programa
Educacional para Atender as Necessidades dos Deficientes Visuais”, discorreu acerca do
trabalho desenvolvido pelo ICB, ratificando, em larga medida, a análise acima ao afirmar3:
O Instituto de Cegos da Bahia, embora tenha sido, por muito tempo, uma
espécie de “asilo para cegos”, vem passando por transformações radicais nos
últimos tempos.
Tendo iniciado em 1961 seu nôvo período de atividade educacional, contando
com apenas duas professôras especializadas em São Paulo, está, atualmente,
com um corpo de 14 professôres, sendo 10 especializadas, uma assistente
social e uma psicóloga, ambas tendo feito estágio na Fundação para o Livro
do Cego no Brasil. Mantém classes Braille no Instituto de Educação “Isaías
Alves” (Curso Ginasial, Colegial e Pedagógico) e na Escola Marquês de
Abrantes (Curso Primário), atendendo a 23 alunos com resultados os mais
satisfatórios. (ANAIS..., 1964, p. 47).
Para compreender e sistematizar a memória da educação especial, independentemente
qual seja o contexto, requer necessariamente uma imersão no legado produzido e difundido
pelas instituições especializadas, o que constitui fundamentos para refletir o debate atual sobre
a educação inclusiva. Reconhecer este contributo é o desafio posto para os estudiosos da história
da educação, principalmente aqueles que se dedicam a pesquisas sobre o patrimônio histórico
educativo.
2 O GVCLC presta auxílio educacional a estudantes cegos e com baixa visão, através de leituras em voz alta
realizadas por voluntários ledores; produção e distribuição de materiais adaptados (gravação em áudio de livros e
apostilas, transcrição para o sistema Braille, impressão em fonte ampliada e digitalização de textos e livros).
3 Preservou-se na citação a grafia da Língua Portuguesa utilizada pela autora, vigente à época.
ISSN 2447-746X
Ridphe_R
DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.9773
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, e021028, 2021.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao investigar e sistematizar a memória da educação de deficientes visuais no estado da
Bahia, tendo como referência o trabalho desenvolvido pelas instituições especializadas,
intenciona-se apresentar uma contribuição para que se possa melhor compreender o atual
contexto.
A despeito da apresentação preliminar e sucinta da análise que constitui o objeto de uma
pesquisa em fase de desenvolvimento, acreditamos que, através do encadeamento das ideias
expostas, ter demonstrado o elemento fulcral que norteou a visada reflexiva de nossa
investigação, qual seja, o trabalho do ICB representou o principal alicerce para estruturação e
desenvolvimento de ações para integração educacional de pessoas cegas e com baixa visão em
escolas regulares no estado da Bahia.
Divulgar os resultados parciais desse estudo mostra-se relevante devido a três aspectos:
primeiro por se tratar de um enfoque pouco visibilizado nas pesquisas em História da Educação,
segundo pela fundamentação teórico-metodológica, ao recorrer às fontes orais valorizando
experiências, memórias vivas, vozes de quem protagonizou a história. Por fim, o caráter da
abordagem que estabelece relações com o emergente campo de estudo do patrimônio histórico
educativo, o que decerto, sinalizará para pesquisadores e pesquisadoras da Ibero-americanos
sobre a importância de trabalhos com este viés.
REFERÊNCIAS
ANAIS do I Congresso Brasileiro de Educação de Deficientes Visuais. São Paulo: Associação
Paulista de Medicina, 1964.
ANAIS do II Congresso Brasileiro de Educação de Deficientes Visuais. Brasília: Ministério
de Minas e Energia, 1968.
ASSIS, Alberto de. O Cego em face da Medicina, do Direito e da Pedagogia. Salvador:
Escola de Aprendizes Artífices da Bahia, 1933.
BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira: integração/segregação do
aluno diferente. o Paulo: Educ, 1993.
JANNUZZI, Gilberta S. de Martino. A Educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao
início do século XXI. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2006.
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Ridphe_R
DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.9773
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-13, e021028, 2021.
MASINI, Elcie. O perceber de quem está na escola sem dispor da visão. São Paulo:
Cortez, 2013.
MAZZOTTA, Marcos José Silveira. Educação Especial no Brasil: História e políticas
públicas. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
SOUZA, Rosa Fátima de. Preservação do Patrimônio Histórico Escolar no Brasil: notas para
um debate. Revista Linhas, Florianópolis, v. 14, n. 26, p. 199-221, jan./jun. 2013.
Recebido em: 03 de outubro de 2019
Aceito em: 09 de maio de 2021