ISSN 2447-746X
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A IMPRENSA PERIÓDICA E A PANDEMIA DE 1918: AS NOTÍCIAS SOBRE O
COMPORTAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DURANTE A “GRIPE
ESPANHOLA”
André Condes Ferreira
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
andrecondes07@gmail.com
Andrezza Silva Cameski
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
a.cameski@gmail.com
RESUMO
Este artigo tem como foco a análise da imprensa periódica de São Paulo e do Rio de Janeiro
durante a pandemia da gripe de 1918, enquanto criam uma narrativa sobre a doença, mostrando
a rotina alterada do espaço urbano durante o evento e destacando o papel das escolas durante o
período de alastramento da moléstia. Em 1918, as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro,
foram tomadas pela “gripe espanhola” e, diante da doença de caráter pandêmico, os jornais e
as revistas da época noticiaram como a organização dos espaços públicos se alterou e dentre as
novas situações sociais houve o comprometimento do funcionamento da instrução pública. As
notícias falavam que as escolas foram fechadas, o ano letivo encerrou mais cedo e os
professores, que antes se dedicavam, inclusive, a transmitir conteúdos gerais e referentes à
higiene pessoal, agora passavam a atuar como enfermeiros e mordomos nos hospitais
provisórios em que as escolas se transformaram. Para este trabalho, foram utilizados Sontag
(1977), no estudo das formas de representação da doença e Barros (2023) para compreender as
características e estruturas que compõem os periódicos enquanto produzem notícias.
Palavras-chave: Influenza. Pandemia. Instrução pública. Impressos periódicos.
LA PRENSA PERIÓDICA Y LA PANDEMIA DE 1918: LAS NOTICIAS SOBRE EL
COMPORTAMIENTO DE LA INSTRUCCIÓN PÚBLICA DURANTE LA "GRIPE
ESPAÑOLA"
RESUMEN
Este artículo se centra en el análisis de la prensa periódica de São Paulo y Río de Janeiro durante
la pandemia de gripe de 1918, y la narrativa que estos crearon sobre la enfermedad, mostrando
la alteración de la rutina del espacio urbano durante el evento y destacando el papel de las
escuelas durante el período de propagación de la enfermedad. En 1918, las ciudades de São
Paulo y Río de Janeiro fueron azotadas por la "gripe española" y, ante la pandemia, los
periódicos y revistas de la época informaron de cómo había cambiado la organización de los
espacios públicos y, entre las nuevas situaciones sociales, se había visto comprometido el
funcionamiento de la instrucción pública. Las noticias informaban de que las escuelas estaban
cerradas, el curso escolar terminaba antes de tiempo y los profesores, que antes se dedicaban a
impartir contenidos generales y de higiene personal, ahora trabajaban como enfermeros y
mayordomos en los hospitales temporales en que se habían convertido las escuelas. Para este
trabajo, nos basamos en Sontag (1977) para estudiar las formas en que se representa la
enfermedad, y en Barros (2023) para comprender las características y estructuras que
conforman las publicaciones periódicas a la hora de producir noticias.
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Palabras clave: Influenza. Pandemia. Instrucción pública. Impresos periódicos.
THE PERIODICAL PRESS AND THE 1918 PANDEMIC: NEWS ON THE
BEHAVIOR OF PUBLIC EDUCATION DURING THE "SPANISH FLU"
ABSTRACT
This article focuses on the analysis of the periodical press of São Paulo and Rio de Janeiro
during the 1918 pandemic flue, as they create a narrative about the disease, showing the
changed routine of the urban space during the event and highlighting the role of schools during
the period of spread of the disease. In 1918, the cities of São Paulo and Rio de Janeiro were hit
by the "Spanish flu" and, in the face of the pandemic, the newspapers and magazines of the time
reported how the organization of public spaces had changed and, among the new social
situations, the functioning of public education had been compromised. The news reported that
schools were closed, the school year ended early and teachers, who had previously dedicated
themselves to imparting general content and personal hygiene, were now working as nurses and
butlers in the temporary hospitals that the schools had become. For this work, we used Sontag
(1977) to study the forms of representation of the disease and Barros (2023) to understand the
characteristics and structures that make up the periodicals while producing news.
Keywords: Influenza. Pandemic. Public education. Printed periodicals.
LA PRESSE PÉRIODIQUE ET LA PANDÉMIE DE 1918: NOUVELLES SUR LE
COMPORTEMENT DE L'ÉDUCATION PUBLIQUE PENDANT LA "GRIPPE
ESPAGNOLE"
RÉSUMÉ
Cet article se concentre sur l'analyse de la presse périodique de São Paulo et de Rio de Janeiro
pendant la pandémie de la grippe de 1918, car elle crée un récit sur la maladie, montrant la
routine modifiée de l'espace urbain pendant l'événement et soulignant le rôle des écoles pendant
la période de propagation de la maladie. En 1918, les villes de São Paulo et de Rio de Janeiro
ont été frappées par la "grippe espagnole" et, face à la pandémie, les journaux et les magazines
de l'époque ont rapporté comment l'organisation des espaces publics avait changé et, parmi les
nouvelles situations sociales, le fonctionnement de l'éducation publique avait été compromis.
Les nouvelles rapportaient que les écoles étaient fermées, que l'année scolaire se terminait plus
t que prévu et que les enseignants, qui s'étaient auparavant consacrés à la transmission de
connaissances générales et à l'hygiène personnelle, travaillaient désormais comme infirmiers et
maîtres d'hôtel dans les hôpitaux temporaires qu'étaient devenues les écoles. Pour ce travail,
nous nous sommes appuyés sur Sontag (1977) pour étudier les formes de représentation de la
maladie et sur Barros (2023) pour comprendre les caractéristiques et les structures qui
composent les périodiques dans leur production d'informations.
Mots-clés: Grippe. Pandémie. Éducation publique. Périodiques imprimés.
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INTRODUÇÃO
Setembro de 1918. Mesmo em meio aos fatos da então Grande Guerra, os jornais e as
revistas de São Paulo e do Rio de Janeiro começavam a noticiar o surgimento de uma nova
doença. Ela recebeu o nome de “gripe espanhola”, mesmo não tendo qualquer relação com este
país. Não que a gripe não tenha nada a ver com a Espanha. Havia gripe na Espanha, o que não
foi negado, mas ela não começou lá. Por outro lado, os Aliados negaram o fato, para não
desestimular ainda mais os combatentes da Primeira Grande Guerra. Por isso, ela foi
incorretamente chamada de "gripe espanhola". O único dado sabido é que ela possuía
características que se assemelhavam aos sintomas da influenza. Contudo a moléstia se espalhou
com rapidez e, em questão de dias, alterou a rotina das cidades brasileiras.
Para conter esta disseminação, medidas profiláticas foram transmitidas à população e
orientavam a evitar a circulação pelas ruas e as aglomerações. Desta forma, dentre as várias
modificações impostas pela doença na rotina urbana, as escolas foram locais afetados por essa
nova realidade.
O presente artigo tem por objetivo analisar como a imprensa periódica noticiou os
impactos que a pandemia de influenza de 1918 trouxe à instrução pública de São Paulo e do
Rio de Janeiro, diante da crise sanitária causada pela “espanhola”. As notícias publicadas pelos
jornais da época nos mostram um panorama no qual é possível observar como as escolas
públicas e privadas tiveram que se adaptar ao avanço descontrolado da doença. O ano letivo
precisou ser encerrado mais cedo e os espaços escolares, uma vez fechados, adaptaram-se como
hospitais provisórios que passaram a receber estudantes adoentados e a contar com o trabalho
voluntário dos professores.
Considera-se que os jornais vão apresentando, cada um ao seu modo, seguindo linhas
editoriais e de interesse político e público, o que acontece com as duas cidades diante de uma
nova moléstia. A doença foi sendo compreendida aos poucos e, ao mesmo tempo causou,
diferentes níveis de transtornos e debates, criando uma paisagem sobre o que foi a pandemia
em diferentes classes sociais e, consequentemente, fazendo uma extensa narrativa de como se
constrói a história de uma grande mazela, enquanto ela acontece e mata muitas pessoas.
No caso, é pertinente compreender o papel das escolas nesse contexto, tendo em vista
que a sua rotina também passou por transtornos e o seu espaço foi utilizado para fins que, de
certo modo, estão relacionados à escolarização, como aparelho do estado para fins de
disseminação de higiene. O artigo propõe apresentar como as escolas são apresentadas pelos
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impressos, enquanto corria uma doença que se reconheceu como uma “pandemia” nos
próprios debates científicos elaborados durante o percurso da doença pelo espaço urbano.
Este artigo é um recorte de uma tese de doutorado que coletou informações em jornais
e revistas publicados em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre o segundo semestre de 1918 e o
primeiro semestre de 1919, material este disponibilizado pela Hemeroteca Digital Brasileira e
no repositório particular do periódico O Estado de S.Paulo (OESP). Esses documentos foram
organizados em um banco de dados e analisados a partir de descritores criados de acordo com
os temas desenvolvidos pelas notícias. O acesso à documentação se deu por meio de
repositórios digitais, uma vez que a pesquisa transcorreu durante a pandemia de covid-19,
momento em que os arquivos públicos se encontravam fechados como medida de contenção ao
novo coronavírus: foi o caso de um estudo sobre uma pandemia vivenciando outra.
O volume documental compreendeu o total de 433 notícias publicadas em 28 periódicos.
Deste montante, foram selecionadas as notícias que desenvolveram o assunto de como a
instrução pública se comportou naquele período a partir de descritores temáticos específicos,
sendo alguns deles: “fechamento das escolas”; hospitais provisórios”; “inspeção médica
escolar”; “encerramento do ano letivo”; “adiamento de exame”, entre outras. O entendimento
sobre os impressos foi amparado por Barros (2023, p.101), que pontuou os jornais serem uma
“polifonia de textos”, ou seja, um trabalho coletivo que reúne muitas vozes. Para tanto, o autor
destaca que o texto jornalístico se estabelece como um gênero cujo padrão de elaboração é
próprio, no sentido de que está sendo direcionado a um público leitor específico e, em grande
medida, de classes sociais diferentes. Destaca-se que foram considerados impressos os jornais
e as revistas de variedades com suas periodicidades que poderiam ser diárias, quinzenais,
semanais ou mensais.
Para uma melhor visualização e entendimento do corpo documental que passamos a
analisar neste artigo, segue uma tabela que apresenta o nome do impresso, o estado de sua
produção e circulação, quantos exemplares dele foram selecionados e, de cada edição, quantas
foram as notícias selecionadas como documento para nosso banco de dados.
TABELA 1 Os jornais e as revistas durante a pandemia de 1918: dados e informações
Impresso
Estado
Quantidade de
exemplares/edição
Quantidade de
notícias/documentos sobre a
gripe no recorte temporal
utilizado nesta pesquisa
O Estado de S. Paulo
SP
160
160
Correio Paulistano
SP
56
56
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O Combate (SP)
SP
46
46
Fon-fon
RJ
3
28
Correio da Manhã
RJ
23
23
Gazeta do Povo
SP
23
23
A Vida Moderna
SP
2
15
Gazeta de Notícias
RJ
7
11
O Paiz
RJ
23
9
A Noite
RJ
8
8
O Brazil Médico
RJ
5
8
A Rua Semmanario
Illustrado
RJ
3
7
O Imparcial: diário
ilustrado do Rio de
Janeiro
RJ
6
7
Jornal do Commercio
RJ
5
6
Jornal do Brasil
RJ
5
5
O Malho
RJ
5
5
A Época
RJ
3
3
A União
RJ
2
2
A Política: O
Momento_Revista
Combativa Ilustrada
RJ
1
2
Chronica Subversiva
RJ
1
1
D. Quixote
RJ
1
1
O Furão: Semanario
humorístico da bohemia
nocturna
SP
1
1
O Tico-tico: Jornal das
crianças
RJ
1
1
Oráculo
RJ
1
1
A Cigarra
SP
2
1
Para todos
RJ
1
1
Revista Feminina
SP
1
1
Eu sei tudo: magazine
mensal ilustrado
RJ
1
1
Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira. Biblioteca Nacional. Organização do autor.
Os dados acima nos mostram um aspecto interessante: dos 28 impressos analisados, 20
foram publicados e circularam pela capital federal à época, Rio de Janeiro; 8 dos periódicos
analisados são do estado de São Paulo. A partir deste recorte, pode-se vislumbrar que o presente
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trabalho teria um enfoque muito mais voltado para as notícias do Rio de Janeiro do que de São
Paulo, contudo não foi isto que ocorreu.
Mesmo que em menor quantidade no montante de impressos (8 periódicos),
constatamos que os jornais paulistanos OESP, Correio Paulistano e O Combate (SP) foram os
que mais apresentaram notícias contendo o descritor de pesquisa utilizado “grippe hespanhola”.
Considerando apenas estes três jornais, contabilizaram-se 262 registros no banco de dados, de
um total de 291 documentos referentes à São Paulo. Desta forma, verifica-se que, mesmo em
maior número de impressos na composição do banco de dados, as publicações do estado do Rio
de Janeiro não alcançaram o mesmo volume de notícias com o descritor grippe hespanhola”,
utilizado na pesquisa.
Este volume de documentos nos remete, à verificação das produções acadêmicas
produzidas sobre a “gripe espanhola”. Constatamos que não teses ou dissertações dedicadas,
exclusivamente, em entender o comportamento da instrução pública durante a pandemia de
influenza e não existem produções acadêmicas devotadas à compreensão de como a imprensa
periódica daquela época desenvolveu a cobertura jornalística sobre o avanço da “gripe
espanhola”. Nos trabalhos acadêmicos sobre a pandemia de 1918, a imprensa foi utilizada
principalmente como fonte, sem dedicação à periodicidade de notícias e à diagramação na
materialidade dos impressos. Santos (2021), em um artigo, apresentou uma pesquisa
documental, discorrendo sobre os impactos da disseminação da gripe espanhola e as mudanças
institucionais ocorridas também nas escolas da cidade do Rio de Janeiro em 1918. O
pesquisador utiliza edições do jornal Correio da Manhã fundamentado por pesquisas sobre a
epidemia e em bibliografia da História da Educação, cujo campo teórico-metodológico é
relacionado à História de Instituições Escolares.
Este tipo de enfoque pode ser visto nas produções de Bertolli Filho (2009), Porto (2016),
Brum (2021) e Farias (2008): eles se utilizaram dos periódicos também como objetos de estudo.
Em seus trabalhos, esses autores deram maior ênfase à cobertura jornalística que determinados
jornais e revistas realizaram sobre a “gripe espanhola”, de acordo com a cidade ou estado
brasileiro analisado pelo pesquisador. Entretanto, estudo que contemplasse a proposta de se
entender como a imprensa periódica da época narrou os acontecimentos da pandemia de 1918
ainda era inédito.
Dessa forma, o presente artigo é relevante, pois traz como enfoque temático a análise e
a observação dos acontecimentos que afetaram a instrução pública de São Paulo e do Rio de
Janeiro durante a pandemia de 1918, considerando como objeto de estudo a imprensa periódica
destas duas localidades. Ou seja, além de delimitar os impressos como objetos de estudo,
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desenvolveu um assunto que não foi tão bem explorado nas pesquisas sobre a “gripe
espanhola”: o que ocorreu com as escolas durante a pandemia de influenza.
Na realização deste trabalho, a pesquisa revelou que, dentre os periódicos, o jornal
Correio Paulistano dedicou-se mais aos assuntos relacionados às escolas: das 55 notícias
selecionadas deste jornal, 32 versaram sobre os impactos da “espanhola” na rotina escolar de
São Paulo. Foi lançado em 1854 por Joaquim Roberto de Azevedo Marques, segundo as
informações do sítio eletrônico do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP)
1
. Sodré
(1999, p. 225) apontou que, acompanhando a fundação do Partido Republicano Paulista (PRP),
em 1872, o impresso tornou-se porta-voz deste partido político. Comprado por Leôncio de
Carvalho, em junho de 1874, por se apresentar como órgão oficial do PRP, adotou uma linha
reformista. O autor destacou que, nos primeiros números do período, os posicionamentos
políticos do impresso foram expostos: abolicionista e ferrenho opositor aos liberais no poder,
mesmo tendo seguido uma linha monarquista. O texto de apresentação do jornal feito pelo
APESP mostra que, ao longo de sua trajetória, o jornal defendeu várias linhas de princípio: foi
liberal, independente, conservador e republicando
2
. Em 1918, o próprio OESP chamou, em
reportagem, o Correio Paulistano de “folha essencialmente governista”
3
.
sobre OESP, conforme informações disponíveis no sítio eletrônico do próprio jornal
4
,
nasceu sob o nome A Província de São Paulo, em 1875, sendo, portanto, a publicação ainda
existente mais antiga da cidade. Fundado por um grupo de republicanos, liderados por Manoel
Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense, o jornal pretendia criar um diário de notícias
para combater a monarquia e a escravidão. Dez anos depois, em 1885, “um talentoso jornalista
campineiro é trazido por Alberto Salles, Julio de Mesquita, então com 23 anos”
5
, cuja carreira
apresentou uma trajetória ascendente na qual, em 1888, o fizera gerente deste impresso e, em
1902, tornou-se seu único proprietário.
Capelato e Prado (1980, p. 21) nos contam que seu filho, Julio de Mesquita Filho, seguiu
a linha liberal adotada pelo pai até sua morte, tornando-se característica do jornal fazer oposição
à candidatura de políticos que não atendiam aos seus interesses. Era a união, conforme definido
1
Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria_imprensa/edicao_05/secao_correio_paulista
no.php. Acesso em: 29 abr. 1918.
2
Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria_imprensa/edicao_05/secao_correio_paulista
no.php. Acesso em: 29 abr. 2023.
3
O Estado de S.Paulo, 11.12.1918, p. 3. Esta expressão voltará a ser citada no próximo item do presente Capítulo
deste trabalho.
4
Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/historia-do-grupo/decada_1870.shtm. Acesso em: 29 abr. 2023.
5
Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/historia-do-grupo/decada_1880.shtm. Acesso em: 29 abr. 2023.
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pelas autoras, de adaptar as teorias liberais aos interesses que a família Mesquita possuía
(CAPELATO; PRADO, 1980, p. 99).
Se os jornais OESP e Correio Paulistano se voltavam à elite paulistana, defendendo os
interesses e a manutenção de seus poderes, O Combate (SP): Independência, Verdade, Justiça
6
se distinguia por ser um jornal operário de São Paulo e considerado anarquista, segundo Bertolli
Filho (2009, p. 18). Decca (1984, p. 93) classificou-o como revolucionário e propositivo, com
espaço exclusivo aos escritos da classe trabalhadora.
Durante a pandemia de influenza, o periódico estava no quarto ano de circulação e sua
redação ficava na Rua 15 de Novembro, em São Paulo. Foi o jornal com estrutura de
apresentação das notícias sobre a “espanhola” mais diversificada, principalmente em suas
primeiras páginas, ao contrário do que aconteceu nos demais impressos paulistanos analisados.
Além de sua linha editorial distinta, este jornal também apresentou uma abordagem gráfica
diferenciada para as manchetes e os títulos das reportagens a respeito da pandemia.
Em adição ao destaque para esta fonte, ressalta-se a análise de outra: o Anuário de
Ensino do Estado de São Paulo. Por meio dele, pode-se compreender a organização curricular
das escolas naquele momento histórico. Sua utilização se fez relevante para a observação de
que, antes mesmo do surgimento das orientações e dos cuidados para se evitar a contaminação
pela influenza, a atenção para com o corpo e a importância da higiene pessoal estavam
presentes como conteúdos ensinados pelas escolas.
O presente artigo se encontra dividido em quatro partes. Na primeira, abordamos os
elementos que estruturam a imprensa periódica e mostramos como foi feita a cobertura da
pandemia de 1918. Na sequência, apresenta-se como os assuntos sobre a higiene estavam
presentes nos ensinamentos escolares antes de a “gripe espanhola” surgir. No terceiro momento,
mostramos as transformações surgidas na rotina das cidades para, na última parte, apresentar
como os espaços escolares foram modificados para ajudar no atendimento do volume de
infectados.
AS CARACTERÍSTICAS DA IMPRENSA PERIÓDICAS E AS DIFERENTES
FORMAS DE NARRAR UMA DOENÇA
6
Mesmo sendo um jornal que contabilizou significativa documentação no banco de dados que ampara esta
pesquisa, não encontramos referências bibliográficas e documentais expressivas para a compreensão de como este
periódico surgiu e de quais linhas e princípios editoriais o acompanham. Cita-se apenas Decca (1984).
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Pode-se pensar que o surgimento de uma nova doença seja um fato que, da maneira mais
rápida possível, tem o potencial de pautar as manchetes dos principais jornais e revistas de uma
cidade. Foi o que vimos com a pandemia de covid-19. Mas, em 1918, os tempos eram outros e
não foi bem o que aconteceu com a chamada “gripe espanhola”.
A compreensão sobre seu surgimento é um mistério que ainda persiste. No segundo
semestre de 1918, as manchetes e as principais notícias que circulavam diziam respeito às
batalhas finais da Grande Guerra. A entrada de um novo assunto pelos impressos se deu aos
poucos. As primeiras notícias sobre a nova doença foram, praticamente, ignoradas.
Uma das controvérsias sobre o significado da “gripe espanhola” diz respeito ao nome
que ela recebeu. Schwarcz e Starling (2020) sintetizaram a explicação que se tornou comum e
foi apresentada, inclusive, pela documentação. A Espanha, por ser o país que primeiro divulgou
e noticiou a nova doença, recebeu a marca de tê-la originado, comprovação jamais efetivada.
Fato é que a imprensa brasileira, principalmente os jornais de São Paulo e do Rio de
Janeiro, passaram a adotar este nome em suas matérias jornalísticas. A dinâmica de se querer
encontrar possíveis culpados e autores para o surgimento de uma nova mazela sempre foi
comum na história das doenças, sejam eles países ou pessoas. Não foi diferente na pandemia
de influenza e, no caso, a Espanha se internacionalizou como a protagonista para o surgimento
de um malefício pelo qual não fora responsável, se é que algum foi: “Designar uma doença com
o nome do inimigo ou do estrangeiro é algo que se repete pelo menos desde a Idade Média,
apesar de constituir um modo covarde de aponto o outro como culpado pelo mal e acusá-lo de
semear o contágio” (SCHWARCZ; STARLING, 2020, p. 14).
Assim, o que se constatou na história da pandemia de 1918 foram as tentativas de
fornecer uma explicação plausível para o surgimento da manifestação de uma moléstia que
era conhecida, a influenza, mas que assumia características distintas de suas outras
manifestações conhecidas. A diferença que se observou, no caso de 1918, era o
desconhecimento dos motivos responsáveis por aquela manifestação se apresentar tão
contagiosa e provocar tantas mortes. A virulência daquela forma de gripe foi uma situação
surpresa que abalou o mundo justamente no momento em que a Grande Guerra se encerrava.
A partir da leitura das notícias dos jornais e das revistas daquela época, ao se pensar
sobre o entendimento a respeito da influenza, observa-se que as concepções das medidas
profiláticas a serem adotadas, assim como a própria terminologia “pandemia”, vão sendo
construídas ao longo da sucessão dos eventos que marcaram os anos de 1918 e 1919. De igual
maneira, a ideia de “vírus” como sendo o agente causador da doença, embora houvesse
estudos sobre isso, não era amplamente divulgado e conhecido. Diante deste contexto,
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observamos como a imprensa foi responsável por estabelecer as condições materiais de
divulgação das informações anunciadas sobre o surto de um novo tipo de gripe enfrentado pelo
mundo.
Para compreender como este processo aconteceu, faz-se importante entender as
características que estruturam os impressos. A primeira delas diz respeito à circulação, que pode
ser diária, semanal, quinzenal ou mensal como o anunciado. Ou seja, trata-se de uma
imprensa periódica, na qual suas edições são marcadas e formatadas de acordo com o período
de circulação assumido. Por exemplo, a estrutura de um jornal diário tem propriedades bem
distintas da estrutura de uma revista de variedades, a qual pode ter uma tiragem quinzenal ou
mensal.
No entanto existem outros elementos fundamentais nos impressos para análise de seu
processo de composição narrativa sobre a doença. Um deles se estabelece como eixo principal:
a consideração de que eles constituem um campo discursivo.
A relação por vezes tensa entre os preparadores e revisores, de um lado,
e os jornalistas-autores, de outro, faz do texto jornalístico uma pequena
e disputada arena discursiva na qual combatem duas grandes ordens de
linguagens: aquela representada pelos jornalistas-autores, que
procuram cada qual impor o seu próprio estilo e personalidade autoral,
e aquela linguagem única que pretende ser, ao menos nas matérias de
autoria não declarada, o estilo geral do próprio jornal como uma
entidade maior. (BARROS, 2023, p. 56).
Conforme o autor pontuou, a palavra “arena” foi escolhida como representação da
discursividade entre os envolvidos na constituição do texto jornalístico. Este uso nos remete
imediatamente a um campo de luta e de batalha em que, neste caso, os discursos mostram
conflito nas páginas de um impresso.
A reflexão de Barros (2023) se volta à questão da estrutura de um texto jornalístico
como gênero. Isso fica claro quando o autor faz uma contraposição entre o estilo próprio de
cada jornalista-autor, ou seja, como produtor de um texto inédito, frente ao formato básico
delimitado de uma notícia, configurado como “estilo próprio do jornal”.
No caso específico da pandemia de 1918, observamos como a imprensa periódica se
utilizou de uma série de nomenclaturas para se referir à doença. A começar de seu próprio nome
pejorativamente intitulado: “gripe espanhola”. Mas esta não é a única ilustração que é possível
citar.
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Além deste exemplo, observamos que, na produção das notícias sobre a pandemia de
1918, foram utilizadas palavras específicas para se referir à doença: “mal”; “peste”; algo que
“reinava” e “marchava” ante a população. Desse modo, indaga-se que pode ser feita a
interpretação de seu uso, dados os contextos sociais daquele período. Sontag (2020) nos ajuda
nesta elucidação:
A interpretação (ao contrário do que muitos supõem) não é um valor
absoluto, um gesto mental situado num campo atemporal de
competências. A própria interpretação precisa ser avaliada dentro de
uma visão histórica da consciência humana. Em alguns contextos
culturais, a interpretação é um ato libertador. É um meio de rever, de
transvalorar, de escapar ao passado morto. Em outros contextos
culturais, é reacionária, insolente, covarde, sufocante. (SONTAG,
2020, p. 20).
As proposições da autora convidam a ponderar sobre a interpretação das reportagens
publicadas em 1918 e dos relatos produzidos pelos jornalistas e não se pode desconsiderar o
contexto histórico construtor do próprio sentido sobre o que é uma pandemia, dando certos
pesos de significados às palavras que a marcaram como existente e observável. Devemos
imaginar que tais palavras são frutos de uma sociedade pautada pelo medo que está construindo
e que o faz circular também com os jornais, criando expectativa negativa. Elas carregavam todo
um sentimento da vivência daquele momento. Vivência essa que, paulatinamente, da
desconfiança, explode em pânico, tendo em vista que as mortes passam a ser noticiadas com
mais persistência e rotina.
O que discutimos é que, no caso da pandemia de 1918, em razão da disseminação de
uma doença com características tão específicas, ao mesmo tempo insólitas para a população de
então, os documentos nos revelaram que as matérias jornalísticas produzidas fizeram muito
mais do que contar sobre o que estava acontecendo, pois estipulavam certo tipo de doença
alocada naquele tempo, inclusive construindo representações que envolvem os leitores com
uma grande expectativa, seja pelo medo, pelo misticismo etc.
A partir das características da sociedade contemporânea, Sontag (1977) observou como
os sujeitos construíram suas narrativas na tentativa de criar as representações mais palatáveis
para tentar conviver com doenças que desestabilizavam seu corpo físico, sua mente e
provocavam grande repercussão na sociedade. Em tais elaborações, a pesquisa mostrou a
existência do uso de metáforas para se referir à “gripe espanhola”.
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O uso desse recurso nas notícias que retratavam a situação da pandemia de 1918 pode
ser compreendido como consequência direta ao fato de os cidadãos se encontrarem assustados
diante da velocidade com que o agente causador fazia suas vítimas e, ao mesmo tempo, ter esse
sentimento retroalimentado pelos órgãos responsáveis pela difusão de informação sobre ela.
Logo, pode-se observar como foram utilizadas palavras específicas e escolhidas para tratar da
situação do contágio desenfreado.
Na primeira página de um jornal paulistano, ao final do mês de outubro de 1918, lia-se
a seguinte manchete, escrita por letras maiores que as demais e negritadas: “A epidemia
reinante”. Na sequência, o subtítulo era: “A moléstia segue sua marcha devastadora”. A
reportagem também trouxe palavras não menos duras, tais como: “terror”; “debellar o mal”;
“atacadas da moléstia”
7
. Neste mesmo período, a frase “A epidemia reinante. A moléstia segue
sua marcha devastadora” se repetiu, da mesma forma e com o mesmo formato de layout, como
manchetes em outras primeiras páginas da Gazeta do Povo
8
. Estabeleceu-se, neste impresso,
uma construção textual fixa para se referir à “gripe espanhola”.
O termo “epidemia reinante” também foi encontrado em outras documentações
9
. Na
revista Fon-fon, em duas edições, contabilizamos um total de 11 documentos que se referiram
à pandemia a partir desta construção. Já no jornal OESP, “epidemia reinante” foi utilizada três
vezes, estabelecida como título fixo para uma caixa de texto que divulgava informações úteis à
população da cidade diante da situação sanitária. Para conseguir efeito de destaque em um
impresso que trazia uma sequência de notícias publicadas em colunas, sem qualquer tipo de
quebra em sua diagramação, foram inseridos esses boxes, na parte superior das páginas do
jornal.
A partir das notícias, constatou-se o uso que os termos remetentes a expressões bélicas
e às guerras foram empregados de maneira frequente pelos impressos daquele período. Pode-se
considerar que uma das explicações possíveis para tal uso se pelo acontecimento
concomitante do final das batalhas da Grande Guerra com o surgimento da pandemia de 1918.
Mas, além disso, vemos que existia outro intuito a partir do uso de tais vocábulos e expressões:
conseguir passar a noção de desastre e calamidade à população, por meio de uma tônica capaz
de fazer com que as pessoas compreendessem a gravidade da situação e que elas atuassem para
o término do caos instaurado. Além disso, o teor da notícia que chamava a atenção, vendia.
7
Gazeta do Povo, 28.10.1918, p. 1.
8
Edições da Gazeta do Povo de 29.10.1918 e 30.10.1918, p. 1.
9
Como, por exemplo, no jornal Correio Paulistano, de 05.10.1918, p. 3.
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O uso dessas palavras e expressões pelos impressos pode nos conduzir a uma análise
que se utiliza de Sontag (1977), autora que também se debruçou nos mitos e nas fantasias que
são criadas no entorno das doenças: “uma metáfora é a maneira mais válida e atraente de
expressar um senso de desastre, do que deve ser repudiado” (Sontag, 2015, p. 35). Sontag
(2015) não refletiu sobre o uso das metáforas para tão somente representar os malefícios que
atacam a humanidade. A pensadora considerava a própria doença como uma grande metáfora.
10
Entretanto, da mesma maneira que havia jornais com este tipo de abordagem e
construção, outros não deram o mesmo destaque para o desenvolvimento da doença. Ao longo
de toda a pandemia, jornais como o Correio Paulistano e OESP não apresentaram, em suas
primeiras páginas, manchetes de capa remetendo à “gripe espanhola”, mesmo que a abordagem
apresentada internamente tenha sido bastante rica e detalhada sobre situação do contágio pelo
país.
Tal variação de formato da cobertura jornalística entre os jornais daquele período, de
acordo com seu perfil editorial, leva-nos a considerar as características essenciais que compõem
o formato demarcado para a construção de uma reportagem. As alterações de enfoque nos dizem
como os jornalistas também lidam e se sujeitam às características do periódico para o qual
escrevem, uma vez que a imprensa se estabelece como instituição privada, ou seja, uma empresa
cujos donos possuem interesses e objetivos próprios do “produto jornalístico” que veiculam.
Isso significa que, em um jornal ou uma revista, existem valores, concepções ideológicas e
políticas que são preservadas e perpetuadas a partir da composição de cada uma das
reportagens, constituindo o estilo editorial de cada jornal.
Em vista disso, pode-se compreender que uma notícia não é feita, apenas, como o
registro do olhar de um jornalista-autor para com dado acontecimento, mas também como este
mesmo acontecimento é retratado para o público leitor, segundo a perspectiva da empresa de
comunicação para a qual ele trabalha. Há, portanto, uma nuance político-ideológica que não
pode ser desconsiderada. Ou seja, não se pode considerar o texto de uma notícia como um
documento isento de intencionalidades e objetivos que necessitam ser apresentados.
Estas características são essenciais ao se analisar como as notícias sobre a “gripe
espanhola” foram produzidas e as temáticas abordadas, inclusive, sobre os efeitos da pandemia
na instrução pública. Como exemplo, novamente, citamos o jornal Correio Paulistano, o mesmo
que, conforme apresentado, foi o que mais mostrou notícias a respeito da instrução pública
10
Fez isso a partir de uma experiência pessoal, ao se descobrir com câncer: “a doença é uma maldição [...] um tipo
de colapso do pensamento é uma forma de parar de pensar e cristalizar as pessoas em determinadas atitudes”
(SONTAG, 2015, p. 65).
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durante a “espanhola”. Identificado como um órgão do Partido Republicano Paulista (PRP), ele
foi chamado diretamente de governista pelo concorrente OESP
11
. Este impresso trouxe
informações sobre o fechamento dos espaços escolares; a transformação do colégio “Des
Ouiseaux” em hospital provisório para atender as crianças contaminadas pela influenza e a
divulgação dos postos médicos escolares para atendimento à população.
Entretanto, além deste impresso de linha editorial mais governista, constatou-se que
também foram publicadas notícias sobre a situação escolar de São Paulo e do Rio de Janeiro
durante a pandemia de influenza nos jornais de cunho oposicionista, dentre eles, Correio da
Manhã e O Combate (SP). Nas páginas destes periódicos, o enfoque foi outro: as notícias sobre
o avanço da “espanhola” ganhavam mais destaque a partir da ação direta do povo frente à
moléstia que avançava. Encontramos no O Combate (SP) reportagem sobre como os
professores atuaram como enfermeiros nos hospitais
12
e, no Correio da Manhã, sobre a não
realização dos exames escolares naquele ano
13
.
As diferenciações existentes entre os dois impressos são um exemplo de como o assunto
da pandemia de 1918 teve abordagens distintas de acordo com cada linha editorial. De modo
específico, os impressos de São Paulo foram os que deram maior destaque e se ocuparam de
uma organização gráfica para as informações referentes à instrução pública, principalmente a
transformação das escolas em hospitais provisórios. Em suas páginas, a relação desses locais
foi organizada em tabelas que facilitavam a circulação dessa comunicação entre os cidadãos.
Por estar apresentando mensagens jornalísticas, que são produtoras de eventos, há de se
pensar que as discussões sobre doenças e os cuidados com o corpo para evitá-las surgem neste
mesmo compasso. A verdade é que as discussões sobre a higiene urbana e forma preventivas
de cuidados com o corpo era tinha uma acentuada circulação popular, antes mesmo da explosão
de tal moléstia. Portanto, é importante situar a configuração pedagógica assumida pela instrução
pública antes do advento da pandemia de 1918, a fim de se possa ter um panorama a respeito
de algum dos conteúdos que eram ensinados em sala de aula e de como eles se relacionavam
com a vida cotidiana.
As notícias da imprensa periódica de 1918 mostraram um governo difuso e criticado em
razão da demora em tomar medidas e nas ações equivocadas empreendidas. Algo como distante
e polido demais em suas posições. No entanto, o governo de 1918 não foi “negacionista”, pois
existia um componente ético sobre o que era divulgado como informação. Não se pode dizer
11
O Estado de S.Paulo, 11.12.1918, p. 3.
12
O Combate (SP), 09.11.1918, p. 1.
13
Correio da Manhã, 14.11.1918, p. 5.
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que “mentiam”. Faziam política, conservavam sua manutenção: amenizavam, omitiam dados,
experiências etc., mas para dizer que negavam verdades e dados, não está correto.
Jornais de São Paulo como OESP e o Correio Paulistano, mais alinhados aos interesses
governamentais, não publicaram em suas páginas, ao longo de todo o período de vigência da
pandemia, manchetes a respeito do assunto. De maneira indistinta, o periódico O Combate (SP),
de cunho anarquista, e o jornal carioca Correio da Manhã, mais popular, foram canais de críticas
às ações governamentais e apresentaram notícias que se destinavam mais aos trabalhadores e à
população em geral.
A PREOCUPAÇÃO DAS ESCOLAS COM A HIGIENE ANTES MESMO DA
PANDEMIA DE 1918
Com o advento da pandemia de 1918, o cenário que se configurou foi o de uma crise de
saúde pública e social. Nas cidades, a organização dos espaços urbanos se transformou com o
objetivo de evitar que a doença se disseminasse ainda mais. Conforme a doença avançava, as
páginas dos impressos traziam quadros intitulados “conselhos ao povo” quais medidas
profiláticas deveriam ser adotadas para erradicar a doença. Ou seja, divulgavam-se conteúdos
voltados à proteção do corpo com o propósito de ampliar a qualidade de vida.
Entretanto, vemos que esta noção de higiene se estabeleceu muito antes do surgimento
da pandemia de influenza. Silva (2002, p. 11) indica um dos princípios básicos para se
compreender um elemento importante que guiava a educação no começo do século XX: a
existência de uma “pedagogia da saúde” calcada nos princípios da higiene. O Anuário de Ensino
de 1918 trouxe as principais características desta pedagogia:
Na instrucção e na hygiene, reside a grandeza futura de nossa Patria.
Que não ouçamos mais as afirmações de que < o Brasil é um imenso
hospital >, ou de que, nelle, < tudo é grande, menos o homem >. O
mestre pratica e propaga a hygiene do corpo, da alma e do espirito. Pela
gymnastica e pelos jogos promove a hygiene dos músculos. Ahi o
corpo, com os exercícios moderados, se fortalece com doutas
instrucções se aperfeiçoa o espirito. É a hygiene do corpo que faz, por
effeito reflexo, a hygiene mental. (ANNUARIO DO ENSINO DO
ESTADO DE S.PAULO, 1918, p. 226).
O documento organizado pela Diretoria Geral de Instrução Pública estipulava as
diretrizes de uma prática de ensino que unia os cuidados mentais com os corporais. A visão era
a de que o professor cuidaria da formação do estudante de forma integral: seja a do seu corpo,
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assim como, segundo o texto, a de sua alma e de seu espírito. Na sequência dessas diretrizes, o
documento faz uma citação em latim: “Mens sana in corpore sano”, identificando-a como um
aforismo dos higienistas. A máxima da “mente sã em corpo são” fundamentava o ensino no
momento em que uma pandemia se instaurou e colocou à prova tal concepção.
A instrução e a higiene passaram a andar lado a lado. Como o próprio texto do Anuário
nos mostrou, esta concepção passou a ser entendida como aquela que garantiria a “grandeza
futura de nossa pátria”. Deste modo, um dos pontos centrais para a compreensão do ensino em
1918 reside no entendimento de que, naquele período, a higiene era entendida como ciência e
assim foi apresentada ao corpo docente como fundamento para a prática educativa:
A hygiene, como dizem os mestres, é habitualmente definida a arte
de conservar a saúde - tendo por fim a salvaguarda do individuo contra
os perigos da molestia. Mas o fim da hygiene, como nos mostram os
sábios do Butantan não é somente a conservação do sêr, é também o
seu aperfeiçoamento. Mas o desenvolvimento do sêr e a sua
conservação não podem ficar entregues aos únicos impulsos do insticto:
exigem, ao contrario, uma vigilancia e uma disciplina constante,
inspiradas por uma sciencia precisa. A hygiene é essa sciencia.
(ANNUARIO DO ESTADO DE S.PAULO, 198, p. 227).
Destaca-se no texto do Anuário a menção feita aos “sábios do Butantan”. Aqui a
referência vai para os cientistas do Instituto Butantan, cujo papel foi central no momento em
que a “gripe espanhola” se proliferou pelo Brasil, também colaborando com um centro de
estudos e de pesquisas científicas. Ao citá-lo, o Anuário do Estado de São Paulo fez uma junção
entre os conhecimentos da ciência e os da educação, delimitando que a prática da higiene visava
à proteção das pessoas contra as moléstias, mas, mais do que isso, tinha por objetivo aperfeiçoá-
los na prática educativa e não apenas conservá-los.
Dessa forma, a higiene podia ser entendida como uma ciência que proporcionaria a tão
requisitada conservação do corpo, fazendo com que as pessoas pudessem ser vigilantes neste
aspecto, e não apenas seguir seus meros instintos quando precisavam cuidar de seu corpo. O
Anuário fundamentou que as regras de higiene eram válidas para todos os momentos da vida e
sempre visava ao aperfeiçoamento do indivíduo. Sendo assim, elas deveriam fazer parte dos
conteúdos a serem ensinados na escola, não apenas como sobrecarga aos programas de ensino,
mas como eixo constituidor. A ideia central desta reflexão foi marcada pela seguinte máxima:
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“Eis porque, hoje, o professor deve ser um medico, assim como o medico tem sido um
professor
14
.
Os ideais que o Anuário apresentava se fundamentavam no princípio de que a educação
e a medicina deveriam andar juntas. Preconizavam a necessidade de o Brasil deixar de ser “um
hospital de doentes para se tornar um paiz de gente forte, sadia e bonita”
15
. A educação dos
cidadãos foi fundamentada por uma proposta que valorizava o cuidado do corpo e os princípios
higiênicos como forma de evitar às doenças e as moléstias que sempre visitavam as cidades.
A partir do momento em que tais preceitos foram para dentro de sala de aula e se
tornaram conteúdos a serem aprendidos pelos estudantes, constata-se a educação pautada na
saúde do corpo como uma realidade que, inclusive, guiou as ações de uma categoria atuante
dentro das escolas: os inspetores médicos escolares. Eles seriam os encarregados de aferir e
garantir este padrão de cuidado e atenção para com o corpo nos espaços educativos.
A comprovação de que a formação de higiene, saúde e cuidado com a constituição física
humana se fizeram presentes nas práticas educativas das escolas, quando do advento da
pandemia de 1918, é comprovada ao analisarmos as propostas de organização curricular que
foram feitas ao final do Anuário de Ensino daquele ano. Indicam-se alguns exemplos de como
esta temática foi apresentada neste documento, de acordo com o tipo de escola e a classe para
a qual se destinava.
O anexo do número 1 do Anuário apresentou um programa de ensino das Escolas Rurais
no qual havia um tópico específico intitulado “Sciencias Physicas e Naturaes Hygiene” e,
dentre os objetivos requeridos, lia-se o propósito de passar as propriedades dos corpos e as
noções de cultura de acordo com a região em que a escola estivesse inserida. Para o ano, as
propostas higiênicas contemplavam:
Noções sobre hygiene. O asseio, hygiene da alimentação e da
respiração. Insectos transmissores de molestias. Hygiene rural. Effeitos
do fumo e do álcool. Vaccinação contra a varíola e contra a febre
typhoide. Sôro anti-ophidico, anti-diphterico e anti-tetanico. Molestias
contagiosas e infecciosas: impaludismo, ancilostomose, tuberculose,
lepra, trachoma, e raiva; meios de evitar e tratar. (ANNUARIO DO
ESTADO DE S.PAULO, 198, p. 580).
Os conteúdos que foram propostos em outros modelos de escola podem ser vistos e
comparados, como o das Escolas Distritais. Nestas, em uma proposta para o 3º ano, repetiu-se
14
ANNUARIO DO ESTADO DE S.PAULO, 198, p. 227.
15
ANNUARIO DO ESTADO DE S.PAULO, 198, p. 234.
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o mesmo texto sobre as noções de higiene
16
. ao verificarmos o programa de ensino dos grupos
escolares do Estado de São Paulo, o mesmo componente de “Sciencias Physicas e Naturaes
Hygiene” propunha para o 1º ano:
Regras uteis sobre hygiene da alimentação: boa mastigação; frugalidade
e sobriedade; regularidade nas refeições. Conselhos hygienicos sobre o
asseio individual. Effeitos nocivos do fumo e do álcool. (ANNUARIO
DO ESTADO DE S.PAULO, 198, p. 607).
Portanto, a partir do momento em que os cidadãos eram orientados aos cuidados
preventivos para com as doenças e os benefícios de se atentarem para a sua própria saúde, todo
o entorno em que viviam e estavam inseridos poderia ser afetado pelas noções de higiene
aprendidas na escola e reproduzidas em casa. Ao menos era isso que as prescrições entendiam
com a ideia de difusão da pedagogia da higiene pelas escolas.
Rocha (2003, p. 25)nos diz que pela “itinerância pelas ruas de São Paulo, esses novos
habitantes vão construindo novos cenários”. Nesta configuração, os trabalhadores, sem dinheiro
e acesso aos recursos, foram os públicos que se amontoaram nas vilas e nas casas dos bairros
centrais da cidade, estabelecendo uma “rígida demarcação” entre o mundo dos “fortunados
cafeicultores e empresários”, como a própria autora nos explicou (ROCHA, 2003, p. 27). Para
bem acomodar esta nova elite emergente, foram várias as melhorias que fizeram com que São
Paulo se modernizasse. Um dos pontos fundamentais a serem aperfeiçoados foi o tratamento
sanitário dado à cidade.
Esse processo de higienização das pessoas, como bem ressaltou a autora, não se limitou
apenas aos espaços, mas também foi incorporado às suas vidas. Isto posto, para a construção de
espaços urbanos que se desejavam limpos e ordenados e que prezassem pela higiene, foi
fundamental incorporar estes hábitos na vida dos cidadãos.
Foi necessário estabelecer um comportamento higiênico que ainda aparecia como uma
novidade para a maior parte dos cidadãos. O desenvolvimento dessas novas práticas foi uma
das preocupações e das propostas que passaram a compor os currículos escolares nos anos 1910.
Objetivo da educação sanitária a aquisição de hábitos, compete ao
professor descobrir como despertar o interesse do aluno e torná-lo
predisposto aos ensinamentos. Procedimentos como: destinar notas
diárias aos hábitos ‘garantidores da saúde’, fazer anotações nos boletins
sobre a higiene corporal do aluno e estabelecer competição para
16
ANNUARIO DO ESTADO DE S.PAULO,198, p. 590.
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identificar o grupo que comete menor número de infrações referentes
às orientações recebidas podem motivar a participação, mas não
determinarão, obrigatoriamente, a formação de um hábito higiênico.
(ROCHA, 2003, p. 27).
Neste excerto, vemos como Rocha (2003) detalhou a motivação e a educação com que
os professores ministravam aos estudantes para que eles pudessem compreender e seguir os
ensinamentos relacionados aos hábitos de saúde. Dentre as ações, encontrava-se a proposta de
fazer anotações em seu boletim de higiene corporal ou, inclusive, estabelecer uma competição
entre grupos para verificar quem menos cometia infrações às orientações recebidas.
Por este exemplo, foi possível analisar, com mais detalhes, como existia uma proposta
educativa, em 1918, que pautava a educação corporal e a obtenção dos hábitos de higiene. Isso
significa que, quando a “gripe espanhola” se proliferava pela cidade, as crianças possuíam
em seu currículo escolar uma formação destinada aos hábitos de higiene e aos cuidados para o
próprio corpo. De certa maneira, o fato de escolas terem se tornado hospitais durante o auge do
enfrentamento da moléstia coroa a ideia de que professores e médicos estavam irmanados em
uma só missão higiênica.
OS ACONTECIMENTOS PANDÊMICOS E A ROTINA ESCOLAR
Foi percebido que, na rotina das cidades, em meio aos acontecimentos da influenza e,
até mesmo, a partir do contato com os conhecimentos higiênicos mais divulgados neste período,
outras maneiras de organizar a vida surgiram. Pudemos ver essas novas formas de organização
social quando verificamos as notícias publicadas pela imprensa a partir do ano de 1919. Ao
analisá-las, temos contato com práticas e empreendimentos efetivados em São Paulo e no Rio
de Janeiro, frutos e resultados de viver uma pandemia.
A problemática estava no fato de que, mesmo diante de todo conhecimento a respeito
dos princípios de higiene, a transmissão de influenza não arrefecia. Ao contrário, a partir de
outubro de 1918, alguns jornais e revistas davam mais espaço, em suas páginas, para o avanço
da doença. Ou seja, apesar da noção sobre o cuidado com o corpo e a higiene dos espaços, em
1918, uma pandemia de influenza se estabeleceu. E, aos poucos, as notícias nos mostram a
cidade se transformando em um verdadeiro caos: a carestia e a fome surgiram; os cemitérios
não davam mais conta de enterrar os mortos, faltavam hospitais.
Frente a este mal conjunto, além das orientações que foram transmitidas, pelos
impressos, aos cidadãos, para se protegerem da doença, uma série de intervenções urbanas foi
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feitas e, dentre elas, a escola não deixou de ser atingida. Elas tinham por objetivo diminuir a
circulação e a concentração de pessoas, pelos espaços públicos, a fim de que a doença não se
propagasse mais.
No dia 18 de outubro de 1918
17
o diretor geral da instrução pública paulistana, Dr. Oscar
Thompson, entrou em cena solicitando aos diretores
18
e aos professores dos estabelecimentos
particulares de ensino atenção para a seguinte determinação:
Medidas da Directoria da Instrucção Publica: O Sr. Diretor geral da
Instrucção Publica dirigiu a todos os diretores de estabelecimentos de
ensino particular da capital e do interior a seguinte circular: “O governo
do Estado está empregando todos os meios possiveis para evitar a
propagação da grippe hespanhola na capital e no interior. Entre outras
medidas adoptadas para esse fim, mandou fechar todos os
estabelecimentos officiaes de ensino e solicitou dos estabelecimentos
particulares a adopção de egual providencia. Como, entretanto, alguns
estabelecimentos podem não pôr desde logo, em pratica essa medida,
será de máxima conveniencia que em taes estabelecimentos sejam
prohibidas as visitas aos alunos internos neles matriculados. Peço, pois,
que no estabelecimento sob vossa direção seja, de prompto, adoptada
essa providencia”. (O ESTADO DE S.PAULO, 20.10.1918, p. 6).
O posicionamento do Diretor de Instrução Pública foi claro para que as unidades
escolares de São Paulo fechassem as portas. Como justificativa para essa atitude, Dr. Oscar
Thompson citou que o governo tomava as medidas necessárias para a contenção da moléstia e
uma das mais importantes foi proibir a aglomeração de pessoas em espaços públicos,
determinando serem evitados os locais que permitiam concentração popular.
A sequência da notícia também informou que, em caso de descumprimento das medidas
solicitadas, após o prazo estipulado de 24 horas para fechamento das unidades de ensino
particulares, seriam aplicadas multas nos valores de 100$000 a 600$000
19
, a serem pagas para
o tesouro do Estado, em até oito dias. O governo deu um prazo para que todas as escolas
pudessem se organizar
20
e, caso não conseguissem, a recomendação dada foi a que não mais
recebessem a visita de alunos em seus espaços.
Além das escolas particulares, a diretoria geral de instrução pública paulistana
determinou o fechamento de todos os grupos e escolas da capital e do interior, além das escolas
17
Relatório dos Presidentes dos Estados Brasileiros (SP) 1890 a 1930, 14.07.1919, p. 10.
18
A documentação nos mostrou que, antes mesmo da manifestação oficial do governo, algumas instituições de
ensino já resolveram fechar suas unidades. Uma delas foi a Escola Santo Alberto (Correio Paulistano, 17.10.1918,
p. 3.).
19
As nomenclaturas do dinheiro vigente no Brasil em 1918: 100$00: 100 mil réis. 600$00: 600 mil réis.
20
O Estado de S. Paulo, 23.10.1918, p. 4.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.18337
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-31, e023015, 2023.
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superiores do Estado, das Escolas Normais e a Faculdade de Direito.
21
O encerramento e a
paralização das atividades escolares foi uma medida que se espalhou das capitais para todas as
cidades do interior de São Paulo e todas as notícias informavam que a suspensão dessa medida
só ocorreria quando as condições sanitárias estivessem propícias
22
.
Ao longo de todo o resto do ano de 1918, as escolas não reabriram mais. Os jornais e as
revistas silenciaram sobre o retorno das aulas. As notícias comunicavam que o ano letivo havia
sido encerrado e, diante deste cenário, as provas finais dos cursos foram suspensas e precisaram
ser reorganizadas. A última notícia a respeito dos fechamentos dos espaços escolares data de
26.10.1918, publicada em OESP. Depois dela, não se constatou notícias a respeito da reabertura
das escolas, apenas a respeito da regularização das provas finais que haviam sido suspensas
com o advento da gripe.
Assim, no dia 20 de novembro de 1918, foi enviado à Câmara dos Deputados um Projeto
de Lei elaborado pelo Senado pedindo a promoção dos alunos das faculdades e dos ginásios do
governo, independentemente da realização de exames finais. O documento justificava a medida
em virtude da epidemia de gripe que assolava a capital federal à época, e outras regiões do país.
O Projeto foi levado à comissão de instrução pública e teve seu parecer favorável, sendo
divulgado no dia seguinte
23
. Dessa forma, a legislação pretendeu alcançar não apenas os
estudantes da educação primária, mas aqueles cursando todos os níveis de ensino, inclusive
superior.
Esse projeto surgiu para contemplar uma petição feita pelos estudantes da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, pois, como eles haviam sido convocados para trabalhar durante a
crise sanitária, a alegação apresentada foi a de que não tiveram tempo hábil para se preparem
para as provas finais e, assim, não consideravam justa sua aplicação
24
. A partir da garantia dada,
outros estudantes, inclusive que não eram da educação primária e secundária, manifestaram-se
e foram contemplados pela medida. Esta foi uma medida polêmica, visto que não deixou de
suscitar críticas sobre a aprovação automática.
Todavia a história do comportamento da instrução pública durante a “gripe espanhola”
não se limitou a esses acontecimentos. As notícias também apresentaram outro cenário: como
se verá, as escolas continuaram a guardar alunos e a cuidá-los, mas não da forma recorrente.
21
Correio da Manhã, 20.10.1918, p. 3.
22
O Estado de S. Paulo, 17.10.1918, p.
23
A Noite, 20.10.1918, p. 2.
24
O Imparcial, 09.11.1918, p. 2.
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DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.18337
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-31, e023015, 2023.
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QUANDO AS ESCOLAS PASSARAM A SALVAR VIDAS
No lugar das carteiras, macas. Em vez de professores, enfermeiros. Este passou a ser o
novo cenário das escolas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Diariamente, as páginas dos jornais
dessas cidades passaram a trazer as informações sobre hospitais provisórios abertos e sobre sua
lotação. Uma grande parte deles referia-se a prédios escolares que estavam fechados em virtude
do encerramento do ano letivo.
Jornais, como OESP, organizaram quadros informativos que foram publicados neste
formato para facilitar a organização das informações e, o mais importante, as indicações sobre
a localização de cada uma destas escolas. Tais quadros traziam o nome do colégio ou grupo
escolar, sua localização e o contato telefônico
25
.
QUADRO 1 Instituições de ensino paulistanas transformadas em hospitais
provisórios
26
Nome do Hospital Provisório
Grupo Escolar Sant´Anna
Hospital Collegios Missionarios
Hospital do Collegio “Santa Ignez”
Hospital do Collegio Sion
Hospital do Collegio Diocesano
Hospital do Grupo Escolar da Barra Funda
Hospital do Gymnasio do Carmo
Hospital do Mackenzie College
Hospital do Collegio de São Luiz
Hospital do Grupo Escolar da Lapa
Hospital do Collegio Des Oiseaux
Hospital do Grupo Escolar Pudente de
Moraes
Hospital do Grupo Escolar Regente Feijó
25
Mesmo diante da existência do telefone de cada uma das instituições de ensino, não apresentamos tais
informações por elas não terem, atualmente, relevância.
26
Informamos que o quadro foi organizado a partir das informações publicadas na edição 14.568 do jornal O
Estado de S.Paulo, p. 4. Contudo, o nome do Colégio Nossa Senhora do Carmo não consta desta relação, uma vez
que estava localizado na cidade de Santos. O quadro compreende apenas as informações relativas às unidades
escolares da capital.
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-31, e023015, 2023.
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Hospital Salesiano (Lyceu de Artes e
Officios)
Hospital do Grupo Escolar do Ipiranga
Fonte: O Estado de S.Paulo, 17.11.1918, p. 4. Organização dos dados de autoria própria. Os
endereços dos grupos escolares da Lapa e Ipiranga são remanescentes de sua fundação, sem registro
nos jornais.
A relação acima, sistematizando o nome das escolas e os endereços daquelas
transformadas em hospitais, foi elaborada a partir do conteúdo publicado pelas notícias dos
jornais. De modo específico, no Quadro 1, os dados apresentados são do jornal OESP. Sua
organização sob este formato teve como objetivo quantificar o volume de escolas transformadas
em centros de atendimentos e sua localização na cidade de São Paulo. Santos (2021), em sua
pesquisa, também apresentou um detalhamento de escolas cariocas que se modificaram para
atender à população da cidade do Rio de Janeiro naquele momento de crise social e sanitária.
A Figura 1 traz o mapa de São Paulo daquele período com a localização dos colégios e
das escolas que se transformaram em hospitais, tornando a visualização espacial das áreas que
receberam assistência hospitalar na cidade mais clara. Pela visualização do mapa, percebemos
concentração maior de unidades hospitalares provisórias nos números 8, 4, 11, 2 e 7,
respectivamente: Mackenzie College, Collegio Sion, Collegio Des Oiseaux, Collegios
Missionarios e Gymnasio do Carmo. Identificamos outras unidades educativas nas regiões norte
e leste da cidade, especificamente sinalizadas com os números 5, 3, 13, 12 e 1. Um pouco mais
afastados, mas no entorno da região central, estavam os Colégio São Luiz (região da Avenida
Paulista) e o Grupo Escolar da Barra Funda; mais distante ainda, o Grupo Escolar da Lapa.
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FIGURA 1 Localização das escolas-hospitais Cidade de São Paulo (1916)
Fonte: Acervo do Museu Paulista da USP. Arte criada pelo autor.
27
Cabe aqui observarmos tais pontos para compreender sobre onde estavam, na cidade
antes do cenário pandêmico, os espaços de educação e que, emergencialmente, tornaram-se
locais reorganizados para o tratamento da população, segundo os destaques dados pelos
impressos paulistanos; tais espaços, portanto, escolhidos para funcionarem provisoriamente
como hospitais. A concentração das escolas nas regiões indicadas nos mostra zonas específicas
dedicadas ao oferecimento da instrução pública e, espalhadas pela cidade, facilitaram o
deslocamento em busca de atendimento hospitalar ao passarem a atender àqueles acometidos
pela moléstia.
Nos impressos paulistanos, as informações sobre as escolas cujos espaços foram
adaptados para atuarem como hospitais provisórios receberam maior destaque. Os dados sobre
27
Planta da cidade de São Paulo levantada pela Divisão Cadastral da 2ª Secção da Diretoria de obras e Viação da
Prefeitura Municipal. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Planta_da_Cidade_de_S%C3%A3o_Paulo_Levantada_pela_Divis%C
3%A3o_Cadastral_da_2%C2%AA_Sec%C3%A7%C3%A3o_da_Diretoria_de_Obras_e_Via%C3%A7%C3%A
3o_da_Prefeitura_Municipal_-_1,_Acervo_do_Museu_Paulista_da_USP.jpg.
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estes locais foram muito propagados pelos periódicos, ao longo dos dias da semana, inclusive
mostrando a quantidade de pessoas atendidas e o espaço de lotação das escolas para receber
ou não mais cidadãos infectados
28
. A mesma dinâmica de divulgação não foi identificada nos
impressos fluminenses: as notícias sobre a transformação das escolas em hospitais não
ganharam tanta organização e destaque em sua veiculação.
Dentre os jornais, o Correio da Manhã foi o único que continha as informações mais
claras sobre o fechamento das escolas e a transformação de alguma delas em hospitais no Rio
de Janeiro, como apontado por Santos (2021). Além dele, os demais impressos da capital do
país não apresentaram mais informações a respeito de como os espaços educativos das escolas
se transformaram em hospitais.
Somado às informações de localização das escolas que se transformaram em hospitais,
foi identificado registro fotográfico de apenas uma escola-hospital dentre todos os periódicos
que mostravam o funcionamento das escolas transformadas em prontos-socorros provisórios.
Entre todas as publicações dos jornais e das revistas selecionados, encontramos a imagem do
funcionamento como hospital provisório em uma unidade educativa apenas no Colégio Sion,
em São Paulo (Figuras 2 e 3), publicadas pela revista de variedade A Vida Moderna.
FIGURA 2 Fotografia de uma escola-hospital Colégio Sion
Fonte: A Vida Moderna, 26.11.1918, p. 12.
28
Vale destacar que, diante desta organização dos impressos paulistanos, foi possível estruturar as informações
sobre as escolas que viraram hospitais e seus endereços em uma tabela, conforme os registros contidos neste
trabalho.
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A legenda da fotografia apresentada pela Figura 2 traduziu a cena registrada. Mostra-se
um aspecto do hospital instalado no Colégio Sion e revelou que o Sr. Dr. Carlos Botelho o
conduz como diretor. Na imagem, vemos cinco camas dispostas lado a lado e, em uma delas,
aparenta-se ter um corpo deitado. Nas outras macas, identificamos a presença de duas crianças
sentadas e uma delas, inclusive, aparenta ter pouca idade e uma feição de abatimento.
Vemos o hospital branco, limpo, arejado, com enfermeiras cobertas de branco. Tais
características constituíram a legenda da foto, definindo aquele espaço como um: “edifício esse
que é um dos maiores e mais modernos de São Paulo”. Nesta cena, o médico está centralizado
e sabemos que as crianças não são alunos do colégio, pois este era internato dedicado apenas
para moças.
FIGURA 3 Fotografia de uma escola-hospital Colégio Sion
Fonte: A Vida Moderna, 23.11.1918, p. 31.
Na Figura 3, observa-se a cena do mesmo hospital provisório montado nas instalações
do Colégio Sion. Nela, há a figura de uma mulher com trajes de enfermeira. Ao redor, -se
duas pessoas deitadas e cobertas. Ao seu lado, um paciente está sentado e aparenta tomar uma
medicação. Havia escolas-hospitais que atendiam crianças. Era o caso do hospital do
“Collegio ‘Des Oiseaux’’’ Em 17 de novembro de 1918, a notícia catalogava que sete novos
pacientes no ‘Des Oiseaux” haviam dado entrada nesta instituição queabrigava 38 crianças
e, no dia citado, uma delas havia falecido
29
.
29
O Estado de S.Paulo, 18.11.1918, p. 4.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.18337
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São de admirar o zelo, o carinho e o cuidado das dedicadas irmãs desse
collegio no tratamento dispensado, sem cessar, dia e noite, a essas
criancinhas. Nada ali falta, lançando-se mão até do recurso de procurar
amas para darem leite aos recém-nascidos. dois médicos assistentes:
os drs. Chiaffarelli e Mario M. Silva. (CORREIO PAULISTANO,
20.11.1918, p. 3).
As irmãs a que o texto faz referência são da congregação da Ordem dos Regrantes de
Santo Agostinho, mantenedoras do colégio. A matéria mostrava como foi a rotina deste hospital
exclusivo para o atendimento de crianças com até oito anos de idade e com horário de
funcionamento das seis às 20 horas
30
. Destaca-se que dois professores que nele atuavam, foram
mordomos do hospital: o “Professor Raphael Cavalheiro” e seu auxiliar, o “Professor Antonio
Rodrigues”
31
.
Mas não apenas no hospital do “Des Oiseaux” houve professores trabalhando como
mordomos. No pronto-atendimento montado no “Gymnasio do Carmo”, por designação de
Oscar Thompson, os professores “Carlos Braga” e “Miguel Paulo Capalbo” foram convocados
para esta função no referido hospital provisório
32
.
Dessa forma, é digno de nota que, muito mais do que apenas as instituições escolares
cedendo seus espaços para a instalação de hospitais provisórios, vemos o desempenho dos
professores em colaboração direta para auxiliar na condução da crise de saúde pública que se
estabeleceu com a pandemia, seja atuando diretamente na rotina dos hospitais-escolas, seja
promovendo outros tipos de inserções, como organizador da rotina de tais estabelecimentos
provisórios, entre outras iniciativas.
No Rio de Janeiro, constatamos professores com a mesma postura. No caso, a notícia
veiculada diz respeito aos professores municipais. Em uma edição da Gazeta de Notícias, o
destaque que fazemos foi para a notícia de que os professores públicos municipais resolveram,
por conta própria, abrir novos postos de socorros
33
.
Como mais um exemplo do protagonismo assumido pela classe docente, os professores,
segundo o jornal, tomaram a iniciativa de instalar 23 novos postos, cada um em um distrito,
cujos suprimentos necessários seriam discutidos posteriormente com o prefeito.
30
Correio Paulistano, 23.11.1918, p. 3.
31
Correio Paulistano, 20.11.1918, p. 3.
32
O Estado de S.Paulo, 18.11.1918, p. 4.
33
Gazeta de Notícias, 28.10.1918, p. 3.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.18337
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A imprensa periódica que circulou nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, em
1918, durante a chamada “gripe espanhola” retratou como os espaços urbanos tiveram sua
organização e sua rotina alteradas em detrimento de uma pandemia.
De acordo com as linhas editoriais de cada jornal ou revista daquela época, foi possível
constatar reportagens que mostraram o surgimento de uma nova rotina marcada pela morte e
pela contaminação das pessoas, tornando possível observar por meio das marcas de edição a
que público eram destinados os respectivos periódicos estudados e qual seria a história da
pandemia contada por eles. Neste sentido de fazer uma análise sobre a posição dos periódicos
frente à pandemia, compreendeu-se uma construção feita sob múltiplas facetas e que uma
doença não é algo simplesmente dado por uma existência biológica catalogada, mas existe por
uma condição social que a torna tangível, pela presença do medo e, também, pelas histórias que
se contam dela.
Para expressar a situação de calamidade pública e as consequências que a nova doença
acarretou, constatamos a linguagem metafórica que foi emprega pela imprensa periódica. A
partir do uso de verbos que remetiam às ações de guerra, Sontag (1977) colaborou no
entendimento de que a própria doença poderia ser entendida como uma grande metáfora:
recurso linguístico necessário e utilizado para relatar ao povo uma crise de saúde pública e
social.
Diante de um cenário adverso, várias foram as medidas tomadas para conter a influenza.
Muitas delas atingiram a organização da instrução pública paulistana e carioca: as escolas
fecharam suas unidades educativas; anteciparam o final do ano letivo; adiaram a realização de
exames finais e se transformaram em hospitais provisórios para atender as crianças
contaminadas, locais que contaram com o trabalho voluntário de professores como enfermeiros
e mordomos. Tornar escolas, principalmente internatos, hospitais, conjuntamente à operação
entre pessoas e diferentes profissionais, aconteceu pela necessidade imediata e, até onde se sabe
pelas reportagens, salvou vidas. Este ponto nos faz lembrar que o professorado, como corpo
profissional e oficial do estado, não é de hoje, assume funções para além do que deveria.
Contudo, a partir deste tipo de ação docente, observamos a constituição de organizações
pessoais que, utilizando-se das tecnologias disponíveis naquele momento histórico, trabalharam
para reverter um quadro de desorganização social.
Logo, as escolas, para além de funcionarem como hospitais provisórios, fizeram-se
verdadeiras comunidades que, por suas prerrogativas higiênicas, transformaram-se em
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organizações sociais para o bem comum. Evidente que foram, em primeiro lugar, ações
motivadas por uma situação de sobrevivência em meio a uma tragédia, mas também podemos
entendê-las como resultado do que as catástrofes produzem, no seio do tecido social, quando se
manifestam.
As escolas que protagonizaram notícias nas páginas dos jornais e das revistas daquela
época eram as mesmas que, antes de a “espanhola” surgir, foram responsáveis pelo
desenvolvimento de uma educação voltada para noções de higiene e de saúde pessoal que
colaboraram para a construção de um espaço urbano mais organizado. Contudo, mesmo assim,
o que se viu e se noticiou na imprensa periódica, foi um cenário no qual os conhecimentos
higiênicos de nada adiantaram frente ao avanço de uma doença veloz e extremamente mortífera.
Por suas páginas, concluímos que os impressos cumpriram um papel orientador na
divulgação das medidas profiláticas anunciadas pelo Serviço Sanitário do governo federal e
outros grupos, principalmente instituições científicas e médicos, imediatamente identificados
com a ciência, o conhecimento mais preciso, a higiene. Ao mesmo tempo em que publicavam
orientações ao povo, por meio de colunas que se tornaram fixas em suas edições diárias,
indicavam procedimento de conduta: a evitar os lugares com muitas pessoas, além de reforçar
medidas de higiene pessoais etc. Registramos o fato de que nem todos os cidadãos de São Paulo
e do Rio de Janeiro recebiam as orientações da mesma maneira, levando-se em consideração as
diferenças sociais que marcavam a sociedade urbana e as variações de conhecimento sobre a
própria doença.
A difusão dos conhecimentos científicos permaneceu no ano seguinte à pandemia. As
notícias revelaram que os jornais e as revistas continuaram a publicar matérias com conteúdos
ligados à ciência e à medicina. Desta forma, podemos concluir que uma emergência sanitária
como a causada no período da “espanhola” foi um acontecimento que marcou uma tendência
nos jornais e nas revistas nacionais de noticiar, ainda mais, as informações pertinentes sobre as
questões relacionadas à higiene, à saúde e ao combate de doenças pela população.
Em março de 1919, a notícia que circulou dizia respeito à abertura do hospital de
Manguinhos, no Rio de Janeiro. O título da matéria era expressivo: “Pelos melhoramentos
da capital”
34
. Ao informar sobre a visita do senhor prefeito da cidade, Dr. Paulo de Frontin, ao
subúrbio, o jornal mostrava como a ideia da melhoria dos espaços públicos era presente e uma
necessidade para o controle das doenças e da manutenção da higiene no espaço urbano, valores
34
Correio da Manhã, 28.03.1919, p. 3.
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que foram reforçados após a manifestação da “espanhola” e que se perpetuaram como tendência
de comportamento para o qual as pessoas já haviam sido orientadas.
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SONTAG, Susan. A doença como metáfora. São Paulo: Companhia das Letras, 1977.
Recebido: 16 de agosto de 2023
Aceito em: 29 de dezembro de 2023