traduções remete à quantidade de periódicos anarquistas nestas línguas que existiam no Brasil
no início do século passado. Estes paratextos multiplicam em muito os sentidos da leitura, mas
de forma alguma a restringem, visto que a própria escolha dos organizadores foi a de dividir os
contos não de forma cronológica ou pelo idioma original, mas pelo conteúdo dos textos em
diferentes blocos temáticos.
São seis blocos com um número variante de narrativas em cada. O primeiro deles,
Formação Militante, foi acrescentado ao livro nesta segunda versão, de 2011, a partir das
pesquisas de Claudia Feierabend Leal. Sua contribuição adicionou treze novas narrativas às
trinta e sete da primeira edição, distribuídas entre os blocos temáticos. Quatro delas estão neste
primeiro bloco. São contos que abordam questões basilares do pensamento e ação anarquista,
como o anticapitalismo, a rejeição à religião organizada, a recusa ao Estado. O conto “Entre
operários (diálogo)” (1902), de Guglielmo Marroco, é um exemplo de como o diálogo como
forma literária funciona como dispositivo didático, como uma simulação da interação entre
trabalhadores. É um exemplo do estilo de autor-povo como procedimento de disseminação
sintética do ideário anarquista e da consequente formação militante da classe trabalhadora.
O segundo bloco temático, Projeções da utopia libertária, apresenta narrações mais
simbólicas e menos didáticas do que os da primeira parte e buscam inflamar a utopia através de
imagens com forte carga poética, quase místicas. É o caso de “Oração” (1932), de uma das
pioneiras do pensamento anarcofeminista no Brasil, Maria Lacerda de Moura, e “Germinal!”
(1898), assinado por G.D., iniciais do jornalista, poeta e artista Luigi “Gigi” Damiani. São
textos bastante imagéticos. Com muitas referências bíblicas ou religiosas (“O Amor - Deus
único nos parques silenciosos das minhas Catedrais interiores”, “Não matarás - é o segredo da
Esfinge na evolução humana”), o texto de Moura evoca um universo para reivindicar, para si e
para a ação conjunta entre as pessoas, o poder da Criação do mundo (o mundo futuro). Da
mesma forma, “Germinal!” se apropria das imagens do calvário de Cristo para falar dos
sofrimentos e ataques lançados aos militantes anarquistas na luta de um porvir igualitário.
É curiosa a suposta ambivalência entre o materialismo de um setor anarquista e a
linguagem transcendental ou simbólica dos contos, comum na literatura de pensadores
anarquistas místicos e cristãos como Léon Tolstói e Simone Weil. Esta aposta no simbolismo
pode ter, também, relação com os movimentos de vanguarda deste início de século XX,
vinculados de alguma forma com movimentos político-artísticos disruptivos como o Dadaísmo.
A própria contraposição à escola Parnasiana é amálgama destas inclinações, já que é essencial
ao anarquismo que o fazer artístico deva atuar como um processo de quebra das elites
intelectuais e acadêmicas. Nesta linha, inclusive, entra o bloco Negação do Estado e da ordem