ISSN 2447-746X
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A SINGULARIDADE HISTÓRICA DO ANARQUISMO EM PORTUGAL
José Maria Carvalho Ferreira
1
SOCIUS/ISEG-Ulisboa, Portugal
jmcf@iseg.ulisboa.pt
RESUMO
Por particularidades subjacentes à história singular de Portugal, pode-se afirmar que a
plasticidade social do anarquismo em Portugal foi, particularmente, evidente no período de
finais do final do século XIX até ao início da década de 1920. Os fatores básicos que estão na
origem desse potencial residem num movimento social operário reivindicativo e revolucionário
assente no anarco-sindicalismo. Com a revolução russa de 1917 e o golpe militar de 1926
traduzido, mais tarde, na ditadura salazarista em 1933, pode-se dizer que a pujança .
demonstrada pela CGT (Confederação Geral do Trabalho) anarco-sindicalista se sindicalista
revolucionária soçobra na prisão e na clandestinidade. Por outro lado, é necessário ter presente
que a validade heurística da revolução russa transformou muitos desses militantes anarco-
sindicalistas em arautos da constituição de Partidos Comunistas nos seus países obedecendo
aos imperativos das 21 condições da Internacional Comunista sedeada em Moscovo.
Submetidos pela força da clandestinidade e as prisões da ditadura salazarista, o anarquismo em
Portugal limitou-se a um processo de total atomização e pouca visibilidade social. Com a
revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal ressurgiu com alguma pujança no meio editorial,
com o ressurgimento do jornal “A Batalha” e dezenas de uma diversidade de publicações. O
anarco-sindicalismo não emergiu e muitas das publicações criadas, entretanto,
desapareceram. Hoje, em Portugal, denota-se que o anarquismo tende a desenvolver-se
fundamentalmente nos circuitos culturais e nos meios em que predomina utilização de meios
virtuais analítico-simbólicos.
Palavras-chave: Anarquismo. Movimentos sociais. Ideologias e modelos de sociedade.
LA SINGULARIDAD HISTÓRICA DEL ANARQUISMO EN PORTUGAL
RESUMEN
Debido a las particularidades que subyacen a la historia única de Portugal, se puede decir que
la plasticidad social del anarquismo en Portugal fue particularmente evidente en el período
comprendido entre finales del siglo XIX y principios de la cada de 1920. Los factores básicos
en el origen de este potencial residen en un movimiento de trabajadores sociales exigente y
revolucionario basado en el anarcosindicalismo. Con la revolución rusa de 1917 y el golpe
militar de 1926 traducido, posteriormente, en la dictadura salazarista de 1933, se puede decir
que la fortaleza demostrada por la CGT (Confederación General del Trabajo) anarcosindicalista
si sindicalista revolucionaria se hunde en la cárcel y en la clandestinidad. Por otro lado, es
necesario tener presente que la vigencia heurística de la revolución rusa transformó a muchos
de estos militantes anarcosindicalistas en heraldos de la constitución de Partidos Comunistas en
sus países obedeciendo a los imperativos de las 21 condiciones de la Internacional Comunista
con sede en Moscovo. Sometido por la fuerza de la clandestinidad y las prisiones de la dictadura
salazarista, el anarquismo en Portugal se limitó a un proceso de atomización total y poca
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Professor/Investigador do SOCIUS/ISEG-Ulisboa.
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visibilidad social. Con la revolución del 25 de abril de 1974 en Portugal, resurge con cierta
uerza en el ámbito editorial, con el resurgimiento del periódico “A Batalha” y decenas de
publicaciones diferentes. El anarcosindicalismo no surgió y muchas de las publicaciones
creadas, sin embargo, ya desaparecieron. Hoy, en Portugal, se denota que el anarquismo tiende
a desarrollarse fundamentalmente en circuitos culturales y en ambientes donde predomina el
uso de medios virtuales analítico-simbólicos.
Palabras clave: Anarquismo. Movimientos sociales. Ideologías y modelos de sociedad.
THE HISTORICAL SINGULARITY OF ANARCHISM IN PORTUGAL
ABSTRACT
Due to particularities underlying the unique history of Portugal, it can be said that the social
plasticity of anarchism in Portugal was particularly evident in the period between the end of the
late 19th century and the beginning of the 1920s. The basic factors behind this potential lie in
a demanding and revolutionary social worker movement, based on anarcho-syndicalism. With
the Russian revolution of 1917 and the military coup of 1926, which later evolved into the
Salazarist dictatorship in 1933, it can be said that the strength demonstrated by the anarcho-
syndicalism CGT (General Confederation of Work) wrecks in prison and underground. On the
other hand, it is necessary to keep in mind that the heuristic validity of the Russian revolution
transformed many of these anarcho-syndicalist militants into heralds of the constitution of
Communist Parties in their countries, obeying the imperatives of the 21 conditions of the
Communist International based in Moscow. Submitted by the force of clandestinity and the
prisons of the Salazarist dictatorship, anarchism in Portugal was limited to a process of total
atomization and little social visibility. With the revolution of April 25th 1974 in Portugal, it
reappeared with some strength in the editorial environment, with the resurgence of the
newspaper “A Batalha” and dozens of different Publications. Anarcho-syndicalism did not
emerge and many of the publications have already disappeared. Nowadays in Portugal, it is
denoted that anarchism tends to develop fundamentally in cultural circuits and in environments
where the use of analytical-symbolic virtual means predominates.
Keywords: Anarchism. Social movements. Ideologies and models of society.
LA SINGULARITE HISTORIQUE DE L’ANARCHISME AU PORTUGAL
RÉSUMÉ
Par des raisons particulieres singulieres à l’histoire du Portugal, nous pouvons afirmer qui la
plasticité du anarchieme au Portugal a été visible surtout dans le période de la fin du XIXé
siècle jusq’au les années de 1920. Les élements qui sont dans l’origine de c e potentie ont
l’origine dans un movement social ouvrier reivindicatif e révolutionnaire inscrit dans le model
anharco-syndicatliste.Avec la révolution russe de 1917 et le coup militaire de Mai de 1926, on
assiste à l’instauration definitive de la ditacture salazariste em 1933, on peut dire que la force
révolutionnaire da la CGT (Confederation Générale du Travail) tombe dans la prison et perde
sa force comme mouvement social. Par outre côté il a besoin de voir l’impact dans la revolution
russe joint des ouvriers e militants anarchistes, au point d’une partie servir de creation des Partis
Communistes dans le monde entier, suivanr les directives de l'Internacionnale Communiste
siege en Moscou. Forcés a survivre dans la clandestinité et dans les prisons de Salazar,
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l’anarchisme en Portugal tombe dans marasme social pendant environ 48 années. Avec la
revolution de 25 Avril 1974 il a une resurgence de l’anarchisme au Portugal, surtout dans la
jeunesse et le millieu culturel. De souligner o rôle du jounal “A Batalha” et des dizaines de
publicatications. Le mouvement social basée dans l’anarco-sindicalisme ne trouve pas une
nouvelle pujance comme autrefois nas premières décads du siècle XX. Aujour’dhui nus
pouvons constater que l’anarchisme emerge au Portugal surtout a partir des moyens virtuelles
analítico-sinboliques bassées na utilisation das TIC,s (Tecnolgies d’Information et
Comunications).
Mots-clés: Anarchisme. Mouvements sociaux. Idéologies et modèles de société.
INTRODUÇÃO
Geralmente quem se idêntica com o anarquismo na condição de ser humano que habitou
ou habita no planeta Terra recorre sempre a uma série de origens teóricas e práticas que não
podemos escamotear. Esta latitude do anarquismo foi sempre atravessada por um conjuntos de
valores, de princípios éticos e uma moral decorrentes de uma sociabilidade e cooperação
emancipalistas. Foi e é baseada numa série de filosofias clássicas e contemporâneas que
equacionaram e equacional o real sentido da existência humana, mas também o sentido da vida
e a morte em modelos de sociedade pautados pela escravidão e dominação instrumentalizados
pela civilização judaico-cristã e o Estado. Dessas análises, reflexões, interpretações,
compreensões e explicações teóricas em que sobressaem, ente outros, dos autores mais
emblemáticos do anarquismo, podemos extrair as ilações que todos e todas que sabiam ler
tenham aderido, historicamente, aos seus princípios e práticas restritas à sua vida quotidiana.
Pela sua dimensão puramente teórica é consensual focar essa paternidade causal em Zenão,
Demócrito, Diógenes, La Boetie, Pierre Joseph-Proudhon, Wliam Godwin, Max Stirner,
Frederico Nietzsche, Miguel Bakounine, Pedro Kropotkine, Elisée Reclus, Leão Tolstoi, etc.
Pelo lado da plasticidade social da prática, a luta de Spartacus e de seus acólitos contra a
escravidão instituída pelo império romano, o movimento social milenarista na idade média no
interior da Igreja Apostólica Romana e, num período histórico mais recente, a tentativa Comuna
de Paris de 1871 contra o Estado francês, ajudaram também a criar as condições objetivas e
subjetivas de identidade e aprendizagem do anarquismo.
Quando nos situamos no século XIX e assistíamos a um desenvolvimento do
processo de industrialização e de urbanização das sociedades capitalistas mais desenvolvidas,
as contradições e conflitos entre classes sociais emergem com maior intensidade, com maior
proeminência e antagonismos entre as massas trabalhadoras e capitalistas. Sendo na altura uma
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realidade de grande exploração, miséria e pobreza no caso específico da condição-função das
massas trabalhadoras, não admira que estas emergissem para a criação e desenvolvimento de
movimentos sociais com a finalidade de atingir em objetivos reivindicativos ou até, em alguns
momentos, em evoluir para greves selvagens ou despontar utopicamente para a revolução
social.
Por outro lado, sobretudo, em países capitalistas pautados por um valores da civilização
ocidental, os fenómenos reivindicativos de partilha da riqueza social, de segurança social,
educação, saúde generalizaram-se em modalidades de ação coletiva das massas trabalhadoras
que tinham por função subtrair-se à existência de Estados burocratizados e ineficientes nesses
domínios e também, por consequência, procuravam eliminar as bases de exploração e opressão
que decorriam das relações sociais entre o capitalismo e as massas trabalhadoras. Estas opções
económicas, sociais, políticas, culturais foram-se construindo e modelando, paulatinamente, no
sentido revolucionário do termo contra o Estado e contra o capitalismo, como foi apanágio em
várias países nos finais do século XIX, o que demonstra ou indicia a emergência experimental
do anarquismo nesse período histórico.
Desde o culo XIX até aos nossos dias, o anarquismo em Portugal e no mundo em
geral, demonstram uma pujança com características específicas que importa sobremaneira
destacar, sendo que para esse efeito torna-se necessário elabora uma análise sintética que
importa sublinhar na sua identidade e diversidade. Desse modo, elaborarei uma síntese da
singularidade do anarquismo em Portugal a partir dos seguintes aspetos: 1) O anarquismo em
Portugal dos finais do século XIX até implantação da ditadura em 28 de Maio de 1926; 2) O
anarquismo português após a ditadura de 28 de Maio de 1926 e a emergência da revolução de
25 de Abril de 1974; 3) Situação do anarquismo depois da revolução de 25 de Abril de 1974
em Portugal face à evolução das sociedades contemporâneas.
O ANARQUISMO EM PORTUGAL DOS FINAIS DO SÉCULO XIX ATÉ
IMPLANTAÇÃO DA DITADURA EM 28 DE MAIO DE 1926
Não existe uma linha de demarcação histórica nítida que nos possa elucidar da origem
e da evolução da singularidade e da diversidade do anarquismo em Portugal comparativamente
a outros países. Não obstante, não encontrarmos uma informação substantiva e totalmente
fidedigna a esse respeito, podemos, no entanto, intuir da sua emergência singular nos planos
teórico e prático. Como ocorreu em outros países que pensar, em primeiro lugar, da
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emergência de vários factos cuja simbologia e empiria decorrentes da teoria e da prática
revolucionária é vivenciada por manifestações utópicas, quase sempre, exigindo a
transformação radical, extinção ou superação pura e simples do Estado e do capitalismo. Daqui
deduzimos como tinha sido ocorrência em outros países, o acesso do conhecimento das obras
de autores revolucionários, como eram os casos emblemáticos de Pierre Joseph-Proudhon,
Miguel Bakounine, Pierre Kropotkine e Elisée Reclus, passam ter um grande impacto nos
círculos intelectuais da sociedade portuguesa no sentido da adesão ou escolha de um modelo de
sociedade para Portugal. Embora os autores referidos estivessem mais em voga desde meados
do século XIX, não se pode esquecer, bem entendido, outros com menor impacto ideológico e
científico, mas que também tiveram influência nas bases de implantação do anarquismo, como
foram os casos de William Godwin, Charles Fourier, Henry Davi Thoreau e Leon Tolstoi, etc…
Centrados nas leituras e análises das obras de Pierre-Joseph Proudhon, Miguel
Bakounine, Pierre Kropotkine e Elisée Reclus e o consequente impacto na luta social do
operariado, um conjunto de intelectuais portugueses, na sua grande maioria sedeados na região
de Lisboa, deram início à criação de condições objetivas e subjetivas no sentido de uma maior
plasticidade social do anarquismo em Portugal. Entre os intelectuais de maior relevância
progenitores de um real dinamismo, nesse capítulo, devemos destacar Eduardo Viana (1873a,
1873b), Antero Quental (1875), Eça de Queiroz (1909), Oliveira Martins (1952), José Fontana
(Cruzeiro, 1990), Augusto Maria Fuschini (1952). Todos eles, sem exceção, tinham uma
identidade predileta pelas ideias federalistas e mutualistas de Pierre Joseph-Proudhon. No que
concerne a projeção da adesão aos postulados anti-autoritários preconizados por Miguel
Bakounine na Primeira Internacional, Eduardo Viana, Antero Quental e José Fontana
demonstraram maior voluntarismo e dedicação á causa dos seus princípios e práticas militantes,
não obstante a participação dos outros que referi e não referi por serem militantes anónimos. O
impacto dos objetivos revolucionários da criação da criação da Associação Internacional de
Trabalhadores (AIT) em 28 de Setembro de 1864 e a insurreição revolucionária da Comuna de
Paris, de 18 de Março a 28 de Maio de 1871, tornam-se nos faróis e paliativos que despontaram
para a emergência do sindicalismo revolucionário e do anarco-sindicalismo em Portugal.
Como consequência dessa evolução história foram realizadas as Conferências do
Casino, de 22 Março a 26 de Julho de 1871. Nas circunstâncias, Pierre Joseph-Proudhon tornou-
se o objeto de reflexão e análise focal. Antero Quental foi o principal promotor e organizado
do evento. Em 14 de Janeiro 1872 nasce em Lisboa a Associação da Fraternidade Operária.
Estes fatores associados a imensas sessões de propaganda e à publicação de jornais, panfletos
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e outras publicações de teor libertário dão azo à proliferação das dezenas de greves do
operariado como resposta à situação provocada pela exploração capitalista e a inação
legislativa, política e social por parte do Estado. Deste modo, o operariado foi alertado para as
várias injustiças da sua condição-função, vendo-se constrangido a enveredar pela luta contra o
capitalismo através de greves desde finais do século XIX. Estas greves radicalizaram-se,
enormemente, a partir da implantação da república em 5 de Outubro de 1810, sendo que a
sua essência anarco-sindicalista e sindicalista revolucionária atingiu o seu apogeu com a criação
da UON (União Operária Nacional) em 17 de Março de 1914, em Tomar, e a Confederação
Geral do Trabalho, entre 13 a 15 de Setembro de 1919, em Coimbra.
É necessário ter presente que a generalização dos princípios e práticas da fação anti-
autoritária da AIT e da Comuna de Paris de 1871 não foram seguidas do mesmo modo por todos
aqueles que aderiram a esses pressupostos revolucionários, daí que a partir 1875, de uma forma
ambígua, alguns dos seus membros tenham enveredado pela criação do Partido Socialista
Português (PSP). Este passa a instrumentalizar a força reivindicativa e revolucionária do
operariado português, sendo que a evolução histórica desse processo levou a uma crescente a
institucionalização do PSP como força política parlamentar. Do que não restam dúvidas
algumas é que o marxismo, neste período histórico, não tem expressão alguma: intelectual,
sindical, política, cultural e social.
Segundo Edgar Rodrigues (1980: 309-311) pode-se elaborar uma síntese de ações do
movimento libertário português, de meados a princípios do século XX, com implicações nos
seguintes domínios: “PRIMEIRA PARTE - 1) Realização de caravanas de propaganda; 2)
Passeios de recreação dentro de um espírito de confraternização operária; 3) Excursões de fim
de semana com o pronunciamento de palestras anti-clericais e sociológicas a todos os níveis; 4)
Difusão do Teatro Social amador e da Música nos sindicatos, nas aldeias e vilas onde o
entretimento era totalmente vedado ao trabalhador, salvo assistir de longe às festas da Igreja;
5) Fundação de escolas para alfabetização, capacitação profissional e militância sindicalista; 6)
Pronunciamento de conferências educativas, ideológicas, sociológicas, de cultura geral a todos
os níveis; 7) Publicação de jornais, folhetos, volantes e livros, sendo ao mesmo tempo os
jornalistas, os revisores, os distribuidores de jornais, os escritores e vendedores dos folhetos e
dos livros; 8) Troca de correspondência e de publicações com grupos afins, dentro do país e do
exterior. A permuta dava oportunidade ao entrelaçamento de conhecimentos gerais e ampliava
o alcance do anarquismo, que não conhecia fronteiras convencionais. “SEGUNDA PARTE
1) Comícios públicos de esclarecimento; 2) Manifestações, passeatas e palestras contra o
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patronato, contra a Igreja e contra o Estado; 3) Atos de solidariedade nacional, internacional,
humana e financeira, aos injustiçados e perseguidos como aos doentes e desempregados; 4)
Campanhas pró-socorro aos presos e deportados por delitos de opinião e reivindicações sociais;
5) Movimentos antimilitarista e antiguerreiro; 6) Campanha contra o aumento de alugueis, de
custo de vida e contra o alcoolismo; 7) Movimento em favor das 8 horas de trabalho diário, da
higiene e do respeito patrão-operário; 8) Organização de Centros de Cultura Social onde todos
pudessem aprender e ensinar. Ali não faltavam uma biblioteca, jornais e conferencistas.
“TERCEIRA PARTE Partindo do movimento de doutrinação e consciencialização
ideológica, formam-se as bases do movimento anarquista, que teve seu desenvolvimento da
seguinte forma: 1) Ideias na formação de grupos por afinidades de conhecimentos; 2)
Interligação de grupos em torno de jornais anarquistas, sustentados financeiramente pelos
mesmos e por doações espontâneas; 3) Ligação no plano regional e nacional por meio de
federações Anarquistas da região Norte-Sul-Centro”.
Na sua tradução empírica, a génese da singularidade do anarquismo em Portugal
também teve a sua expressão na criação e desenvolvimento de organizações e associações que
escapavam aos ditames do Estado e do mercado. Nesse capítulo, desde meados de século XIX
até final deste século, é de capital importância destacar a emergência de centenas dessas
organizações e instituições nos domínios da produção, distribuição e consumo com especial
relevo para associações de socorros mútuos, cooperativas, montepios, caixas económicas,
mutualidades, cooperativas, associações recreativas e culturais, etc. Para além de se basearem
numa tipologia de relações sociais horizontais, as bases de liderança e decisão consistiam em
princípios de auto-organização e autogestão. Eram nos seus primórdios libertários um processo
histórico de autoaprendizagem que os orientava na diminuição da exploração capitalista e, por
outro, desbravar o terreno que levava à emancipação social do operariado e, consequentemente,
à extinção do Estado e do capitalismo.
Este crescendo progressivo da influência do anarquismo em Portugal é, pela primeira
vez, formalizado em 1887 com o surgimento do grupo Comunista-Anarquista de Lisboa, sob
dinamismo de Eduardo Viana e José Martins Gonçalves Viana (Viana, 1873b; 1894). Pode-se
afirmar que com a formação deste grupo enforma-se na obra de Pedro Kroptotkine, razão pela
qual este, como Pierre Joseph-Proudhon e Miguel Bakounine, eram a base social do
anarquismo em Portugal desde a década de 1870. Por um crescendo progressivo de ação
coletiva no seio do operariado português, os pressupostos teóricos e práticos disseminam-se em
três vertentes fundamentais: anarco-indicalismo/sindicalismo revolucionário; anarco-
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comunismo e mutualismo/federalismo. Com menor influência e plasticidade social não se pode
esquecer do papel que o anarco-individualismo, o anarco-pacificismo, o anarco-naturismo e
anarco-cristianismo preconizado por Leão Tolstoi tiveram no desenvolvimento do anarquismo
em Portugal.
Em traços gerais e sintéticos pode-se afirmar, sem qualquer ambiguidade, que a
expressão do anarquismo em Portugal nas primeiras décadas do século XX teve grande
expressão social, política, económica e. cultural. Objetivamente é pacifico afirmar que através
diferentes grupos e organizações anarquistas deram à estampa de centenas de publicações,
jornais, revistas, livros; à criação de associações e cooperativas de diferente natureza
bibliotecas, teatros, escolas, etc. Todas estas realizações tinha como objetivo último a difusão
e a propagação do ideário anarquista. A grande maioria estava sedeada nos distritos de Lisboa
e do Porto, e em menor grau nas cidades do interior do país.
Como expressão maior de divulgação e implantação do anarquismo em Portugal atenda-
se para o impacto do sindicalismo revolucionário e do anarquismo no derrube da monarquia e
a implantação da República em 5 de Outubro de 2010. As greves fomentadas pelo movimento
operário tiveram uma importância fundamental para esse facto histórico, mas tudo isso não
impediu que após a implantação da República o movimento operário sofresse grande
radicalização, ao ponto do número de greves e a sua radicalidade aumentasse de forma
significativa, ao ponto de o poder instituído utilizar formas repressivas nunca vistas até então,
prendendo e deportando os operários mais radicais. O movimento operário sentiu-se frustrado
com o poder republicano na medida em que as suas lutas não surtiam o efeito desejado e que
algumas delas, para além de não surtirem nos seus objetivos reivindicativos, davam origem a
prisões absurdas e a mortes, como ficou demonstrado pela greve geral de 29 de janeiro de 1912
baseada na solidariedade com os rurais alentejanos que eram vítimas de dura repressão no
distrito de Évora. Pela manifesta incapacidade da República em solucionar e satisfazer os
objetivos do operariado português, este radicaliza-se em relação às escolhas possíveis da
escolha modelo de sociedade. É no contexto de estas premissas que o anarco-sindicalismo
aparece associado de forma interdependente e complementar ao anarco-comunismo.
No sentido estrito do termo, a ação coletiva do operariado em Portugal, com objetivos
revolucionários emancipalistas, é pacífico deduzir que na criação da UON, em 1914, se
encontram as matizes ideológicas de expansão do anarquismo em Portugal pela via da ação
sindical (Oliveira, 1973). As lacunas e as frustrações continuadas das respostas dos governantes
da República às reivindicações do operariado português ao continuarem a um ritmo
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alucinante e não serem objeto de respostas positivas, como consequência lógica, as relações
entre o operariado, o capital e o Estado transformaram-se num barril de pólvora revolucionário,
cada vez mais, identificado com os desígnios revolucionários do anarquismo, não obstante as
repercussões do modelo revolucionário socialista bem sucedido em Outubro de 2017. A força
estruturante do anarquismo é Portugal é bastante relevante com a criação da CGT, 1919. A CGT
era explicitamente anarco-sindicalista, realidade que não ocorria com UON (Freire, 1992). O
porta-voz da CGT ficou incumbido ao jornal A Batalha criado em 23 de Fevereiro de 1919.
Diga-se que, em abono da verdade, se existe alguma singularidade específica no anarquismo
português subsiste, justamente, na existência e influência, teórica, informativa e ideológica do
jornal A Batalha, jornal diário que persistiu durante 7 anos e acabou enquanto tal porque foi
fechado pela ditadura em 28 de Maio de 1926. Que eu saiba não tenho conhecimento que tenha
existido no planeta Terra um jornal anarquista diário. No caso português, o jornal A Batalha
chegou a atingir o terceiro lugar em tiragens de exemplares, logo a seguir ao Diário Noticias e
ao Século. Jorge Silva um grande anarco-sindicalista falecido, que era militante da GGT,
numa das conversas que mantive com ele, focou que o jornal A Batalha era variadíssimas vezes
lido por e escutado por dezenas de operários que eram analfabetos na fábrica onde trabalhava
no Beato/Marvila, em Lisboa.
Uma outra vertente importante deste período histórico do anarquismo em Portugal
remete-nos para a existência de Escolas-Oficina criadas pelas estruturas do anarco-sindicalismo
e do anarco-comunismo. Para o anarco-sindicalismo estas escolas eram fundamentais porque
permitiam o desenvolvimento intelectual do operariado de forma integral, fora dos mecanismos
de castração e embrutecimento do ensino veiculado no Estado, na Igreja e nas escolas privadas.
O exemplo emblemático da Escola-Oficina nº1 sedeada em Lisboa (Candeias, 1991; Lima,
1914) permite-nos constatar quão esse exemplo anarquista é elucidativo para suprir os
malefícios mentais, psíquicos e físicos da educação pautada pelos princípios e práticas da
civilização judaico-cristã.
O ANARQUISMO PORTUGUÊS APÓS A DITADURA DE 28 DE MAIO DE 1926 E A
EMERGÊNCIA DA REVOLUÇÃO DE 25 DE ABRIL DE 1974
Se bem que possamos extrair ilações imediatas do decréscimo da plasticidade social do
anarquismo na sociedade portuguesa, tendo em linha de conta os condicionalismos provocados
pela instauração da ditadura que derrubou a República, é facto sintomático que as ações de
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informação e conhecimento económico, social, político e cultural foram restringidas e, por
outro lado, a propaganda sindical, social, política e ideológica, e ação coletiva do anarco-
sindicalismo sendo suspensas na totalidade, exclusivamente, por si, não explicam a
diminuição da importância do anarquismo na sociedade portuguesa.
Por descrença na boa governação muitas vezes assentes na repressão do operariado que
enveredava, recorrentemente, pelas greves e, ainda, porque a grande maioria delas não surtia os
efeitos desejados de uma série de reivindicações, nestas condições a Confederação Geral do
Trabalho (CGT), a Federação Anarquista da Região Portuguesa (FARP), a União Anarquista
Portuguesa (UAP) e a jornal A Batalha viram-se constrangidos a uma quase total inação
defensiva. Esta situação era de tal modo representativa que as várias organizações anarquistas
não se movimentaram, explicitamente, atempada e adequadamente, num sentido radical do
termo contra os objetivos manifestos da instauração da ditadura militar em 28 de Maio de 1926.
Essa contestação à ditadura mais tarde foi tentada através de revolta militar de 3 a 9 Fevereiro
de 1927, com a participação anarquistas, com maior incidência, no Porto e Lisboa, e um total
de cerca de 80 mortos.
As tentativas para contrariar os indícios da implantação do fascismo em Portugal
sucederam-se em alguns pontos do país, daí que tenha surgido a revolta da ilha da Madeira em
4 de Abril de 1931 e se tenha alastrado a 8 de Abril de 1931 a algumas ilhas do arquipélago dos
Açores e, posteriormente, em 17 de Abril de 1931 à Guiné-Bissau, sendo que também tenham
depois disso a alguns levantamentos militares na ilha de São Tomé em Moçambique. A razão
plausível de participação de anarquistas nestas sublevações militares prende-se sobretudo com
a sua situação de deportados. Mesmo em condições adversas os militares revoltosos
conseguiram o apoio da população na Madeira devido aos descontentamento da situação
económica negativa, o mesmo não acontecendo nos Açores, na Guiné-Bissau e em
Moçambique, o que explica que este movimento dos revoltosos militares tenha soçobrado.
Um outro pondo da queda de influência do anarquismo em Portugal deve-se às
consequências da revolução russa no imaginário coletivo dos explorados e oprimidos que se
consideram atores modelares de emancipação social. No caso do anarquismo pelos seus
pressupostos utópicos e radicais no concerne os modelos de consecução da revolução social, ao
emergir a revolução russa como uma revolução social realista possível, muitos que eram
paladinos da defesa do anarquismo passaram-se como armas e bagagens para protagonizar o
modelo marxismo-leninismo inscrito nas 21 condições impostas pela Internacional Comunista
à criação de partidos comunistas no mundo. Portugal não escapou este canto de cisne
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ideológico, daí que tenham sido alguns anarquistas que tenham criado o Partido Comunista
Português (PCP), em 6 de Março de 1921. Embora sem constituição formal, em sintonia
estratégica com o PCP é criada no mesma sentido estragico de luta sindical a Comissão Inter-
Sindical, a expensas das diretivas da Internacional Sindical Vermelha que tinha sido criada, em
1921, em Moscovo.
No entanto, este clima histórico adverso para a divulgação dos ideais e das práticas
societais do anarquismo é de capital importância sublinhar o esforço da criação da Federação
Anarquista Ibérica (FAI) com explícita participação e organização de portugueses e espanhóis
em Valência (Rodrigues, 1981b). Antes a FAI estava programada para ser criada em Portugal.
Todavia, os condicionalismos provocados pela instauração do golpe militar de 1926 obrigou à
mudança de planos. Assim sendo, foi possível encontrar uma solução territorial ibérica, daí que
a FAI tenha origem numa reunião em Espanha, em Valência, nos dias 26 e 27 de Julho de 1927,
Digamos que perante o desmantelamento das suas estruturas e funções básicas por parte
de um fascismo incipiente, os anarquistas portuguesas demonstraram pouca capacidade
revolucionária no capítulo de oposição às sublevações militares. No capítulo da competição
modelar no movimento associativo operário, o panorama não era melhor porque o imaginário
coletivo da revolução russa de 1917 era francamente favorável aos desígnios, estratégias e
ideologia comunista preconizada pelo PCP. A intervenção deste junto do operariado português
estava francamente facilitada porque a destruição das suas estruturas, funções e dirigentes
anarquistas importantes levadas a cabo pela revolução militar de 28 de Maio de 1926, destrói a
enorme força que o anarquismo tinha adquirido em Portugal. Com a implementação da
Constituição de 19 de Março 1933 é dado o golpe final em todas as veleidades democráticas. A
plasticidade social do fascismo em Portugal adquiria enfim uma instrumentalidade jurídica,
legislativa e executiva plena. Desde então o havia mais ambiguidades em relação aos
desígnios do ditador António Oliveira Salazar. A CGT ressentiu-se, enormemente, da evolução
que a ditadura de Salazar demonstrava, sendo que mesmo assim tentou inverter as perversões
da Constituição de 1933 através de uma greve geral em 1934.
Entre as causas que prevalecem como explicação da greve geral de 1934 subsiste a
publicação da Constituição de 11 de Abril de 1933, do qual decorre o Decreto-lei nº 23050, de
25 de Setembro de 1933, emitido pelo governo do Estado Novo liderado por António de
Oliveira Salazar. Este decreto visava a supressão da ação coletiva do operariado português que
fosse ao encontro da liberdade e da emancipasse sindical, razão plausível para a adoção
definitiva de uma multiplicidade de sanções punitivas de todas as ações ilegais circunscritas
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às negociações coletivas, movimentos sindicais e greves que não estivessem enquadrados nos
ditames dos sindicatos nacionais corporativos, recentemente, criados e identificados com o
projeto fascista do Estado Novo. Esta realidade resultava na machadada final de toas as
aspirações que o anarco-sindicalismo e o anarco-comunismo, ainda, tinham em Portugal.
Perante este situação limite, à CGT lhe restava evoluir para uma situação extrema
luta contra o regime político instituído de modo a extinguir a ditadura. Para esse poderia
apoiar-se no movimento operário e na ação sindical que ainda procurava derrubar a ditadura
instaurada por Salazar (Aquino, 1978). Durante a vigência histórica do fascismo que perdurou
em Portugal no período de 1926 a 1974, no sentido estrito do termo, a greve geral gerada em
18 de Janeiro de 1934 foi o último suspiro da ação do anarquismo junto do operariado
português. De uma forma desordenada esta tentativa de derrube do fascismo português por parte
da CGT, secundada pela Comissão Inter-Sindical sob auspícios do PCP, alguns socialistas e
republicanos, não surtiu efeito, ainda que tenha dado sinais grevistas simbólicos importantes
em Lisboa, Coimbra, Leiria, Barreiro, Almada, Martingança, Silves, Sines, Vila Boim (Elvas),
Algoz-Tunes-Funcheira e na Marinha Grande. O caso de Marinha Grande foi o mais idolatrado,
ideologicamente, pelo PCP, na medida em que um dos últimos baluartes da resistência da greve
geral de 18 de Janeiro de 1934 teve maior durabilidade e foi, ainda, objeto de cenas violentas
através das armas.
Como resultado das várias ações revolucionárias em Fevereiro de 1927, em Lisboa,
Porto e outras cidades, na revolta da Madeira em 1931 e, por outro lado, na greve geral de 18
de Janeiro de 1934, vários anarquistas são presos em várias prisões em Portugal ou então são
deportados para Timor Leste, Angola e Moçambique, etc.., sendo que a situação mais grave das
prisões desses anarquistas presos foram vividas no campo de concentração do Tarrafal, em
Cabo Verde, de 1936 a 1954. Dos anarquistas que morreram nesse campo de concentração do
Tarrafal, que referir Pedro Matos Filipe e Augusto Costa, em 1937, Arnaldo Simões
Januário, em 1938, Casimiro Ferreira e Ernesto José Ribeiro, em 1941, Joaquim Montes, em
1943, Mário dos Santos Castelhano e Manuel Augusto da Costa, em 1945, e António Guerra,
em 1948 (Aquino, 1978).
Sem capacidade para agir na luta pelos objetivos emancipalistas do operariado
português, a GGT foi constrangida a evoluir para a clandestinidade porque a grande maioria
dos seus militantes estavam presos ou porque, ainda, as próprias estruturas e funções
ideológicas e repressivas do fascismo português inviabilizavam essa opção. Acresce que em
obediência estrita aos imperativos da Internacional comunista e da Internacional Sindical
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Vermelha, o PCP tinha adquirido grande capacidade em desenvolver a sua militância na
clandestinidade, na media em que obedecia a um modelo ideológico imperativo e que era
basicamente financiado pela Internacional Comunista sedeada em Moscovo.
Neste emaranhado de condicionalismos e de impossibilidades manifestas de superar os
malefícios económicos, sociais, políticos e culturais causados pela ditadura, um grupo de
anarquistas secundados por comunistas resolvem consumar de vez a existência da referida
ditadura. Neste domínio, Emídio Santana, que antes tinha pertencido às Juventudes Libertadas,
fez jus à sua capacidade de organização e militância, liderando com a proeminência requerida
o assassinato de António de Oliveira Salazar, em 4 de Julho de 1937 (Santana, 1976). Foi um
ato histórico de grande frustração revolucionário, que os seus autores pensavam que
acabavam, definitivamente, com o ditador cimentando, dessa maneira, as bases de
desmoronamento de dominação e de repressão que eram a essência da ditadura fascista de
Salazar.
Entretanto, a segunda guerra mundial agrava, ainda, mais as hipóteses de militância
anarquista da CGT e do anarquismo em geral porque uma parte substancial dos mesmo estava
na prisão e a central sindical estava quase extinta e sobrevivia apenas na clandestinidade. O
jornal A Batalha foi remetido ao silencio pela ação da Polícia de Vigilância e Defesa do
Estado (PVDE) criada em 1933 e mais tarde pela PIDE (Policia de Internacional e de Defesa do
Estado) a partir de 1945. Estas estruturas policiais do Estado Novo tiveram um papel importante
para condicionar a ação do porta-voz da CGT, razão suficiente para que o jornal A Batalha
publicasse um número bastante reduzido de jornais e panfletos. Dos poucos anarquistas que
restavam e tinham força militante para reerguer o anarco-sindicalismo foi possível dar início às
atividades clandestinas do anarco-sindicalismo da CGT através sobretudo com a publicação do
jornal A Batalha. Estrategicamente, como consequência é constituído o Comité Confederal
Provisório e do Boletim Confederal a partir de 1944. Este Comité Confederal Provisório, em
1945, deu origem ao Comité Federal definitivo desde 1945. Fizeram parte da direção desse
processo histórico da existência clandestina do Comité Confederal da CGT e da edição do jornal
A Batalha: Vivaldo Fagundes, Adriano Botelho, Alberto Silva, Carlos Cruz, José Marques da
Costa, Correia Pires e António Pimentel. Com a morte de alguns destes militantes anarquistas
que pertenciam ao Comité Federal, a história da CGT e do jornal A Batalha foi-se definhando,
ao ponto da sua existência ter terminado na década de 1960 (Rodrigues, 1984).
Como análise deste período histórico é fácil vê-lo como período áureo da potência do
anarco-sindicalismo do movimento social operário português nas primeiras décadas do século
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XX. Todavia, quando olhamos para evolução das décadas seguintes verifica-se um hiato entre
as reivindicações e as aspirações revolucionárias do movimento social operária no seu todo em
relação à preposições de mudanças revolucionárias inscritas no modelo anarco-sindicalista. Em
sintonia com essa latitude teórica e prática o anarco-sindicalismo na sua militância
revolucionária não se apercebeu das mudanças e reformas do capitalismo que se traduziram
numa série de respostas históricas às reivindicações e tentativas revolucionárias que o
operariado há muito tempo vinha esboçando.
SITUAÇÃO DO ANARQUISMO DEPOIS DA REVOLUÇÃO DE 25 DE ABRIL DE
1974 EM PORTUGAL FACE À EVOLUÇÃO DAS SOCIEDADES
CONTEMPORÂNEAS
Por um série de fatores económicos, sociais, políticos e culturais, o sistema fascista
português implodiu pelas contradições e conflitos que gerou na sua própria natureza interna.
Nem foi por uma prática comum da luta de classes, de um modelo Revolução padrão, de uma
crise económica ou de uma catástrofe natural ou pandémica, mas através de uma sublevação
estruturada por uma parte do aparelho militar que, acima de tudo, estava saturado com a guerra
colonial em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau e as promoções salariais e hierárquicas que
auferiam. Claro que havia também uma pressão externa das grandes potências capitalistas que
queriam apoderar-se da capitalização dos territórios e das matérias-primas estratégicas das
colónias portuguesas, mas não era esse o fator principal que fez ruir a ditadura de Salazar e
Caetano que passou a persistir desde1968. O mesmo se poderá dizer em relação às oposições
de esquerda e de direita protagonizadas pelo espectro ideológico partidário comunista,
socialista, democrático, republicano e monárquico, incluindo organizações cívicas e religiosas.
Ainda que a ideologia de esquerda dinamizada, com especial incidência, pelo PCP na
clandestinidade tivesse um papel relevante na estruturação do MFA (Movimento das Forças
Armadas), a conceção e a execução do golpe militar foi, estrategicamente, uma oposição
clandestina e espontânea alicerçada numa saturação difusa de um regime politico que importava
sobremaneira extinguir. O fato de não existir nem sangue nem mortos no confronto militar entre
as forças revoltosas e as forças apoiantes do regime deposto, mostra bem da perícia e da
estratégia vencedora do MFA, mas também da fragilidade e da força identidade que a população
em geral e as estruturas e instituições tinham para defender o regime fascista de Salazar e
Caetano.
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Daqui decorre que a liberdade e a criatividade da ação individual e coletiva de todo e
qualquer movimento social revolucionário foi outorgado, em grande medida, pela ação
exclusiva do do MFA. Devido a isso, Partidos, sindicatos, religiões, ideologias de todo o tipo,
associações cívicas, associações empresariais emergiram em catadupa de forma espontânea e
informal, sendo que, simultaneamente, passado pouco tempo foram objeto de
institucionalização e formalização. Num sentido diferente pautado pela radicalismo contra o
Estado e contra o capitalismo emergiu um movimento social espontâneo e autónomo que, em
alguns casos, pela sua essência autogestionária e auto-organizativa do operariado português
identificou-se com os pressupostos libertários das sociedades contemporâneas (Ferreira, 1997).
O mesmo se pode focar no que respeita a emergência de atividades culturais nos domínios
educacional, teatral, cinema, editorial, publicação de jornais e panfletos.
No que concerne ao anarquismo clássico foi sintomático que a sua expressão social
estava relegada para a existência de alguns velhos militantes que tinham participado na CGT,
que a sua grande maioria tinha morrido ou sofrido as consequências das prisões e da repressão
fascista de Salazar. Dos poucos que se manifestaram, em 1 de Maio de 1974, resultou o
reaparecimento do jornal A Batalha em 1 de Setembro de 1974 e do início da publicação da
Voz Anarquista, em 22 de Agosto de 1975. Num plano meramente doutrino e ideológico estas
publicações anarquistas reproduziam e limitavam-se a dar continuidade histórica aos modelos
anarco-sindicalista no caso do jornal A Batalha, e no caso do anarco-comunismo a publicação
da Voz Anarquista. Se pensarmos na relação intrínseca essencial que estas duas publicações
tinham com o movimento operário português e da classe operária, em geral, como matriz das
suas preposições revolucionárias anarquistas, na minha opinião, estavam francamente em
desvantagem em relação às opções marxistas e marxistas-leninistas. Estas pontificavam-se por
matrizes conhecidas enquanto alternativas societárias mais credíveis e instrumentais no que
toca ao sindicalismo e hipóteses de realização de revoluções socialistas de tipo soviético.
Cabe ainda realçar que esta desvantagem do anarquismo no campo da competição e
concorrência de liderança ideológica, política e sindical, também em conformidade com as
preposições e continuidade modelar do anarquismo após o 25 de Abril. Para os acólitos do
anarquismo havia que reproduzir, historicamente, a plasticidade social de um passado
longínquo de vitórias e conquistas contra o Estado e o capitalismo. Esta visão era atravessada
e obstruída por uma incapacidade manifesta de análise e reflexão sobre a evolução do
capitalismo e o Estado, realidades da sustentabilidade de exploração e dominação da classe
operária, em relação aos quais subsistia as razões plausíveis objetivas da luta de classes e de
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emancipação social e, consequentemente, da sua extinção histórica. Daqui decorriam os lugares
comuns de reprodução mecânica de palavras de ordem assentes e lugares comuns,
enaltecimento de militantes heróis, de projeção utópica de autores, de miríade da condição-
função da classe operária sempre vítima e sempre revolucionária.
Na erupção ideológica que a revolução portuguesa de 25 de Abril de 1974 potenciou
não se pode depreender que as potencialidades do anarquismo ficaram totalmente confinadas à
continuidade dos atributos do anarco-sindicalismo e do anarco-comunismo. Nas circunstâncias
a irreverência da juventude e a heterodoxia no seio do anarquismo traduziram-se na proliferação
inaudita de um sem numero de publicações, ocupações de casas e experienciais comunitárias
que fugiram dos ditames das realizações clássicas do anarquismo em Portugal. Estas
organizações e publicações tornaram-se efémeras porque deixaram de ter militantes e leitores
que lhe dessem continuidade. Não admira que da maioria dessas realizações soçobrassem após
um ou dois anos de existência, como foi o exemplo do jornal A Merda editado pelo Grupo
Anarca Autónomo, em 1974/1975, atingindo, por vezes, edições superiores a 100 mil
exemplares. Este exemplo pode ser generalizado a uma série de publicações, sendo que a
revista A Ideia que ainda hoje subsiste, e outras como as revistas Ação Direta, Antítese e Utopia
embora durassem mais tempo deixaram de existir nas primeiras décadas do século XXI.
Se deduzirmos a história do anarquismo a partir de parâmetros estabelecidos de
organização e de objetivos modelares de consecução revolução social é fundamental ter
presente a criação da Federação Anarquista da Região Portuguesa (FARP), em final de 1975,
baseada nos princípios anarco-comunistas de Pedro Kropotkine e Miguel Bakounine e a Aliança
Libertária e Anarquista-Sindicalista (ALAS) mais identificada com Pierre Joseph Proudhon.
Toda esta panóplia de ações individuais e coletivas traduzidas numa série de
publicações, criação de organizações e associações anarquistas de diferente tipos, em
manifestações públicas, tentativas de greves depressa esgotaram a energia dos seus promotores.
Na maioria dos casos quase todas elas acabaram no final da década de 1970, como ocorreu com
a FARP e a ALAS. Face a esta regressão evidente, os jornais mais conhecidos de difusão de
propaganda anarquista definharam enormemente na sua capacidade de propaganda e difusão
dos pressupostos dos ideais anarco-sindicalistas, como é o caso específico do jornal a Batalha,
não obstante a sua persistência histórica ainda hoje ser uma evidência empírica. Em comparação
com esta letargia, o jornal A Voz Anarquista , pura e simplesmente, foi extinto em princípios
da década de 1980. Ainda que tenham subsistido algumas expressões orgânicas e ideológicas
de essência anarquista, todas elas, sem exceção, não perduravam devido à inexistência de uma
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plasticidade social sólida. Se bem que existam outras manifestações públicas que dão
visibilidade social ao imaginário coletivo anarquista, com são os casos de livrarias e editoras
em Lisboa e no Porto, de raiz e quem continua na sua senda publicitária propagandística é, sem
duvida, a revista A Ideia.
Quando referi que o anarquismo português, na generalidade, não soube inserir-se nos
mecanismos institucionais e organizacionais decorrentes da abertura da democracia instaurada
pela revolução de 25 de Abril de 1974, com essa afirmação queria tão-só deduzir que o
capitalismo e o Estado, desse período histórico, não eram os mesmos do que tinha subsistido
princípio do século XX, devido ao impacto do processo de industrialização e de urbanização
em curso, e sobretudo porque o período histórico de apogeu dos trinta gloriosos anos do
capitalismo, de 1945 a 1975, se traduziu numa produção, distribuição, troca e consumo de
riqueza social inaudita. Esta realidade permitiu integrar, normativamente, as reivindicações
históricas que a classe operária vinha realizando desde há décadas e, por outro lado, reduzir os
seus objetivos de revolução social. É evidente o espectro consumista da sociedade automóvel,
acompanhado pela institucionalização de políticas socias, de saúde, segurança social, subsídio
de desemprego, férias e reformas por parte do Estado ainda vieram a propiciar uma maior
estabilidade normativa junto deste e do capitalismo em geral.
É evidente que esta situação era pacífica de observar em países capitalistas mais
desenvolvidos. No entanto, Portugal não estava muito longe de atingir esse patamar de
desenvolvimento económico, social, político e cultural junto dos anseios da classe operária. A
revolução de 25 de Abril de 1974 abriu as portas reivindicativas e revolucionárias para esse
efeito. sobretudo para aumento dos níveis consumo, aumento de salários, direitos sindicais e
outas regalias que a ditadura rinha sonegado.
Os anarquistas portugueses não conseguiram compreender as mudanças tecnológicas
que estavam em curso e se revelavam imparáveis, ao ponto de nos dias de hoje percecionarmos
a produção, distribuição, troca e consumo de bens e serviços nos países capitalistas mais
desenvolvidos como transformação de “inputs” em “outputs” de natureza imaterial e não
material como era apanágio até finais da década de 1970. Ou seja em vez de utilizar matérias-
primas como ferro, aço, petróleo, vidro, etc. para produzir, distribuir, trocar e consumir
automóveis ou outras mercadorias de características materiais, os inputs” em “outputs”
utilizados são informação, conhecimento e energia humana. Daqui resulta que estamos à
virtualização do comportamento humano quer o mesmo se visualize no seio da fábrica, da
empresa, do Estado, na comunidade ou na família. Daqui podemos extrair as ilações de que as
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noções de imaterial e real estão em estrita interdependência e complementaridade com as
noções de material e analítico-simbólico, sendo que por essa via as competências e as
qualificações do fator de produção trabalho no processo e na organização do trabalho sofrem
grande mudanças, e com arrastamento lógico as modalidades de estratificação social e de
mobilidade social.
Deste modo há que pensar do lugar e da natureza que existe entre a atual classe operária
e o restante mundo do trabalho relativamente à opções possíveis do projeto revolucionário
contra o Estado e o capitalismo. Se pensarmos no que representam, hoje, os conceitos de
opressão e de exploração a nível mundial relativamente à condição-função dos pobres e dos
migrantes nas sociedade contemporâneas, estes seriam os que mais lucrariam ou lutariam por
uma revolução social identificado com o anarquismo. Por outro lado, as dicotomias sempre
encontradas por todas as ideologias, religiões, crenças e fés, na grande maioria baseadas na
civilização judaico-cristâ, têm tendência a identificar-se com os pobres, miseráveis, escravos e
oprimidos, sempre como vítimas, nunca como a própria razão de ser do seu estatuto voluntário
de ator de legitimação do Estado e do capitalismo. Neste patamar de dedução revolucionário
em que os quase todos os anarquistas tem sido protagonistas, parte-se sempre de princípio que
a classe operária tem a vocação e é eleita para realizar a revolução social, nunca partindo do
princípio que ela pode ser a causa dessa negação histórica, sobretudo se a analisarmos como
pertencente à condição-função da espécie humana no planeta Terra.
Nos dias de hoje faço a alusão a esta evolução do anarquismo, do Estado, do capitalismo
e da classe operária por estes fatores atravessarem e atravessam o imaginário individual e
coletivo dos anarquismos. Diferentemente de todos os partidos e sindicatos, os diferentes
anarquismos evoluíram com base nas destrinças entre o bem e o mal, a opressão e a liberdade,
a escravidão e a negação da escravidão, o amor castrador e o amor livre, etc, sendo que muitos
desses e outros princípios básicos foram conseguidos com a luta dos sindicatos, cooperativas,
greves parciais e greves gerais, criação de escolas, teatros, bibliotecas, comunidades, tentativas
revolucionárias, como a Comuna de Paris de 1971 e Revolução de Espanha (1936-1939).
Se pensarmos bem, hoje, nada destas conquistas são possíveis. Primeiro porque não
existe classe operária para esse efeito. Segundo porque o capitalismo na sua globalidade
tecnológica virtual assumiu o comando e liderança dessas funções, globalmente, e integrou a
grande maioria da população no espaço-tempo do processo de trabalho na produção,
distribuição, troca e consumo, sendo que a grande maioria da população mundial, geralmente,
atua no espaço-tempo do consumido. O lugar do espaço-tempo da conflitualidade, da
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contradição e da oposição ao capitalismo e ao Estado sofre uma virtualização analítico-
simbólica, o que torna as relações sociais e os processos de socialização cada vez mais abstratos
e complexos.
No entanto, o mais paradoxal que possamos imaginar, perante este quadro evolutivo, os
anarquismos tem mais hipóteses de se desenvolverem de que nunca, sabendo eu que não posso
omitir os condicionalismos que referi nas mudanças operadas no seio do Estado, do
capitalismo e da classe operária. Se eu tiver presente a panóplia de Tecnologias de Informação
e Comunicação (Informática, Inteligência Artificial, Internet, Nanotecnologia, Biotecnologia,
Biociência, Tecnociência, Robótica, Redes Sociais, etc.,.), posso inferir que uma parte
substancial de bens e serviços analítico-simbólicos ou imateriais, em última instância, são
reportados a tipologias de interação entre o fator humano e essas tecnologias. Da produção,
distribuição, troca e consumo são empregados milhões de fatores de produção trabalho, para
não dizer milhares de milhões, com qualificações e competências específicas, cujas funções
consistem em codificar e descodificar de linguagens, sobretudo cognitivas e emocionais e
energia humana.
No que reputo de praticabilidade histórica do anarquismo em relação à emergência das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC,s) reputo de capital importância para tudo o
que tem que ver com a organização mundial do trabalho no que concerne a autoridade
hierárquica formal, divisão social do trabalho, processo de tomada de decisão e processo de
liderança. Pelas contingências informais e espontâneas que emergem e as exigências de
capacidade cognitiva, emocional e energética, a assunção do lugar de cada fator de produção
trabalho no contexto da divisão social do trabalho não pode ser assumido, formalmente, de
forma rígida com base nos sinais clássicos da presença física. Neste contexto da divisão social
do trabalho é fundamental que que haja auto-organização e auto-capacidade e auto-controlo
para codificar e descodificar as linguagens estritas ao seu lugar na divisão social do trabalho.
Quando nos situamos nas estruturas e funções da autoridade hierárquica formal que, em última
instância, determina o exercício de poder e também o grau de coação e dominação subjacente
às relações entre chefes e subordinados em todas as organizações e instituições, com a
emergência das TIC,s uma parte substancial desse poder é passível de ser diluído e subvertido
pela espontaneidade e a criatividade dos subordinados, e do mesmo modo com a sua capacidade
cognitiva e emocional. Quando passamos aos aspetos relacionados com o processo de tomada
decisão se bem que esteja à partida, devidamente, formalizada ab inicio do topo da à base da
pirâmide organizacional, com as TIC,s a codificação e descodificação das linguagens abstratas
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e automáticas de todos atores envolvidos no processo de trabalho leva a que o cumprimento das
funções adstritas aos problemas surgidos no processo de tomada não sejam resolúveis pela topo
da pirâmide organizacional de qualquer empresa, instituição, associação, comunidade, família
ou do Estado. Para poder resolver os problemas de tomada de decisão no seio das TIC,s
quem tem capacidade cognitiva, emocional e energética pode fazê-lo. No mesmo patamar
contingencial das TIC,s nas sociedades contemporâneas devemos incluir o processo de
liderança. Em relação a este não existe estrutura ou função coativa e repressiva que possa matar
a individualidade cognitiva, emocional e energética de cada um, sabendo que a liberdade,
criatividade, espontaneidade e informalidade são a génese da potenciação sua existência fator
de produção trabalho, inclusive como líder.
Este quadro muito sintético da evolução das sociedades contemporâneas desponta para
um tipo de anarquismo que não se coaduna mais com aqueles antes definido peloo operário
padrão dos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. A conflitualidade e os
antagonismos que geravam as hipótese de revolução social, hoje, não estão localizados na luta
se classes entre a classe operária e o capital. Com realidades e contingências novas a
problemática da condição-função de explora/oprimido através grupos sociais de todo o tipo em
todos os países do planeta Terra. A infinidade de situações que se podem enumerar em relação
às contradições e conflitos imanentes às relações entre indivíduos, grupos, organizações,
comunidades, regiões, Estados-Nações, pátrias e continentes do planeta Terra são de tal
dimensão que, para o anarquismo, é chegado o momento de assumir sua essência de
emancipação da espécie humana, clamando pelo fim de todas as pátrias, de todos os Estados-
Nação, de todos os governos e parlamentos, de todos os exércitos e polícias, de todos os
modelos de sociedade, incluindo capitalismo, fascismo, comunismo, socialismo, democracia e
inclusive todo e qualquer anarquismo que pretenda ser modelo padrão de sociedade.
Um dilema histórico que, hoje, se revela cada vez mais urgente superar prende-se com
a exploração e o genocídio que a espécie humana faz das outras espécies animais e espécies
vegetais. A relação de interdependência e complementaridade que existe entre as referidas
espécies chegou a um ponto de rotura, ao ponto se qualquer uma delas soçobrar todas as outras
seguirão o mesmo caminho. É imperativo considerar todas as espécies animais e espécies
vegetais espécies, intrinsecamente, racionais que podem potenciar a vida e não a morte. Em
função dessa realidade, de nos considerarmos todos racionais, interdependentes e
complementares no sentido de uma prática humana urgente assente na liberdade, criatividade,
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amor e amizade com todas as outras espécies é possível descobrir o caminho de uma luta
conducente a um equilíbrio ecossistémico.
Do tudo o que acabei de analisar é fulcral pensar, sentir e agir o anarquismo como base
na sua diversidade planetária. Não esquecendo o valor heurístico do anarco-sindicalismo,
anarco-comunismo, anarco-individualismo, anarco-naturismo, anarco-pacificismo, anarco-
cristianismo, anarco-ecologismo, anarco-primitivismo, anarco-insurrecionalismo, etc., é
tembém necessário relevar a importância atual da ficção científica, do anarco-hacktivismo,
anarco-punk, anarco-feminismo, anarquismo cibernético, anarquismo de ficção científica,
anarco-veganismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se partirmos de princípio que existe espaço interpretativo e explicativo genuíno da
existência de uma anarquismo singular em Portugal, carreando a sua historicidade desde
meados do século XIX podemos observá-lo em três domínios distintos: 1; o conteúdo radical
das greves e a sua expressividade social; 2) a criação da FAI em 1927 e da CGT em 1919 e o
jornal A Batalha, seu porta-voz, único jornal diário anarco-sindicalista que existiu e perdurou
no mundo até 1926; 3) a integração sistemática entre movimento o movimento anarco-
sindicalista e o anarco-comunismo, a educação e a cultura no período de 1910-1926 .
Denota-se que os outros anarquismos que também emergiram no século XIX não
tiveram tanta expressão e plasticidade social que referi em relação aos precedentes. Estão neste
caso, o anarco-individualismo, o anarco-naturismo e o anarco-pacificismo. Quiçá a
menorização destes anarquismos como ação individual e coletiva deve-se à hegemonia da classe
operária como condição-função de exploração do capitalismo e do Estado. Para além disso os
valores judaico-cristãos prevalecentes não possibilitavam o surgimento de qualquer margem de
manobra que indiciasse o caminho da autonomia no sentido da criatividade e liberdade cultural,
educacional e sexual.
Quando o anarquismo português depois de 1926 confronta as mudanças das diferentes
contemporaneidades históricas sofre uma desintegração progressiva ao ponto de, aquando da
revolução portuguesa, em 25 de Abril de 1974, estar reduzida um punhado de figuras militantes
simbólicas que a sua grande maioria antes faziam parte do Comité Confederal da CGT na
clandestinidade. As configurações modelares da luta de classes, por outro lado, deu azo à
hegemonia revolucionária do comunismo, do socialismo e do capitalismo. O anarquismo como
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modelo de sociedade esvaziou-se de sentido revolucionário em relação aos objetivos do
operariado do século XX após as revoluções da Rússia, em 1917, da China em 1949 e Cuba em
1959.
As mudanças operadas pelas TIC,s abre novas perspetivas em Portugal, como aliás, em
todos os países. A diversidade e a natureza da exploração e da opressão não é somente objetiva
e real, mas também e sobretudo virtual. Novos atores entram em jogo no mundo trabalho e da
vida quotidiana da espécie humana à escala global. As contradições e os conflitos gerados por
esta situação implica que não estamos em presença de realidades de emancipação social que
implica a extinção de fronteiras, países, governos, religiões, Estados-Nação, povos, regiões,
comunidades, famílias que pautam a sua existência de exclusão e opressão relativas à
diversidade de diferenças na espécies humana. Esta também, em termos das preposições do
anarquismo, tem que considerar todas as espécies animais e espécies vegetais como iguais e
diferentes no mesmo prisma de potências da vida no sentido inverso de potencias instrumentais
da morte.
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Recebido em: 28 de julho de 2022.
Aceito em: 21 de dezembro de 2022.