Assíduo, desde as nove horas, às reuniões nas comissões e comitês, não
deixava a Assembleia senão à noite, esgotado de fadiga e desgosto [...]. Eu
não sabia de nada, nem das oficinas nacionais, nem da política do governo,
nem das intrigas que se cruzavam no interior da Assembleia. É preciso ter
vivido nesse isolador que se chama Assembleia Nacional, para conceber como
os homens que ignoram mais completamente o estado de um país são quase
sempre os que o representam. (PROUDHON, 2001, p. 203).
Mais tarde, Piotr Kropotkin, em recado direto aos devotos das eleições, arrematou:
seu representante deverá emitir uma opinião, um voto, sobre toda a série,
variada ao infinito, de questões que surgem nesta formidável máquina — o
Estado centralizado. Ele deverá votar o imposto sobre os cães e a reforma do
ensino universitário, sem jamais ter colocado os pés na universidade, nem
sabido o que é um cão de caça. (KROPOTKIN, 2000, p. 33).
Na Espanha, década de 1930, anarquistas associados à Confederación Nacional Del
Trabajo (CNT) levaram mais de 100 mil trabalhadores às ruas sob o lema “Revolução Social:
a saída para as urnas”.
Diante da crítica à representação política, os anarquistas estimularam em especial o que
chamaram de ação direta. Segundo Voltairine de Cleyre, “toda pessoa que planejou fazer
qualquer coisa, e foi e fez, ou pôs seu plano em execução antes de outros, e ganhou a cooperação
e colaboração de outras pessoas, sem apelar para autoridades, pedir licença ou agradá-las, foi
um praticante da ação direta” (DE CLEYRE, 2009, s/p). Sem ficar restrita às práticas
anarquistas, a mais explícita entre tais ações apontadas por ela foi a que aboliu a escravidão nos
EUA. À ação indireta — ou o “como-não-fazer-nada”, dos políticos, isto é, “trinta anos de
compromissos, pechinchas, tentativas de manter o status quo” (IDEM) —, Voltairine opôs as
ações de guerrilha contra os proprietários de escravos, realizadas por homens como John Brown
e que efetivamente derrubavam o regime antes mesmo de qualquer decreto oficial. No Brasil,
José Oiticica, avô do artista Hélio Oiticica, artista anarquista, como bem sublinhou Beatriz
Carneiro [2022] e um atento leitor de Cage, inventou um importante jornal intitulado Ação
Direta. Em um dos editoriais, em 1947, portanto contemporâneo da agitação proposta por Cage,
Judith Malina, entre outros, arrematou:
após duas guerras desenganadoras [...] ação direta é o meio certo de vencer,
porque é o único meio amedrontador do capitalismo. Nenhum parlamento
assusta a alta finança. Parlamento não faz greves, não sabota a produção, não
boicota produtos [...] Só a ação direta abala tronos, ameaça tiaras, convolve
mundos. (OITICICA, 1970, p. 21).
“4’33”, em 1952, pode ser considerada uma ação direta anarquista, mais um episódio
do embate libertário contra a representação. Foi em 1965, que John Cage utilizou a expressão