sobre a história das lutas sociais no Brasil, emerge a importância dos anarquistas tanto no plano
político não institucional quanto no educacional e cultural. Essa importância foi silenciada ao
longo de décadas por impedimentos de variada natureza, desde a repressão política, até os
processos de fabricação do esquecimento que acompanham permanentemente os campos
político, cultural e educacional. No Brasil, Maurício Tragtenberg foi um dos primeiros
intelectuais a evidenciar a presença anarquista na história social e na vida cultural de nosso
país. A história de vida de Maurício Tragtenberg é um exemplo da inseparabilidade vida-obra,
quando se deseja apreender a complexidade das ligações que compõem uma biografia. A
trajetória de Tragtenberg inicia-se no Rio Grande do Sul, na cidade de Erebango, em 1929, na
colônia rural de imigrantes judeus ucranianos, que fugiam dos pogroms do leste europeu. Em
suas recordações, Tragtenberg referia-se ao avô como um camponês tolstoiano, profundamente
religioso. A família vivia numa gleba de 25 hectares recebidos do governo, na qual praticavam
a agricultura familiar, com base no apoio mútuo e na solidariedade, de inspiração makhnovista.
Com a repressão política bolchevista, muitas colônias anarquistas foram destruídas, o que
provocou a imigração de trabalhadores e camponeses para diversas regiões, como Estados
Unidos, França e América do Sul. Os camponeses de Erebango recebiam periodicamente
jornais libertários desses países, tais como Tierra e Libertad, Volontá, La Protesta, A Plebe,
Voz do Trabalhador, Ação Direta, O Libertário. Nessa época, em Erechim e regiões próximas,
surgem associações de trabalhadores imigrantes de orientação libertária. Em seu Memorial,
Tragtenberg conta que os camponeses:
[...] ajudados pela imprensa libertária, aprimoraram o sendo coletivo de vida
e trabalho aprendendo uns com os outros. Todos eram alunos e professores e
aprendiam, ao mesmo tempo, os segredos do cultivo da terra. À luz de vela, à
noite, aprendiam e ensinavam português, espanhol, russo e esperanto. Liam-
se, em Erebango, muitos autores anarquistas russos, como Kropotkin,
Bakunin, especialmente, Tolstoi, com seu anarquismo religioso anticlerical,
que era o autor preferido. [...] Liam-se os clássicos da literatura russa, como
Pushkin e Tchekov. Paralelamente, as colônias conseguiram a autosuficiência
em alimentos, elevaram o aprimoramento educacional e a autoaplicação dos
princípios anarquistas no cotidiano de suas vidas. (TRAGTENBERG, 1998,
p. 80)
Tal foi o ambiente que marcou a infância de Tragtenberg e constituiu sua visão de
mundo. Por volta de 1936, Tragtenberg mudou-se com a família para Porto Alegre, vivendo
no bairro judeu do Bonfim. Frequentou o Grupo Escolar Luciana de Abreu, no bairro Azenha,
durante o Estado Novo, ocasião em que Tragtenberg presenciou uma passeata integralista
liderada por Plínio Salgado, fato que causou grande aflição no meio judaico, pelo temor de que