sentido semelhante: “não é a política e sim a autogestão desejante que constitui um meio e um
fim na realização de seus objetivos [...] experimentando agora o gozo do futuro” (RIO, 1980,
p. 9).
No mesmo período em que era editado o Lampião da Esquina, na Bahia era publicado
o jornal anarquista O Inimigo do Rei. De existência mais longeva que o Lampião, era uma
publicação anarcossindicalista, mas abordava uma profusão de temas que “ultrapassavam a
militância libertária nos sindicatos” (SIMÕES, 2011, p. 13). Apresentava reflexões e discussões
sobre liberação sexual e homossexualidade. Gustavo Simões pesquisou o arquivo deste jornal
ácrata e mostrou como, de maneira única, “atualizaram a crítica aos costumes, incorporando
novas maneiras de ver as práticas na atualidade, como o sexo e as drogas” (SIMÕES, 2007, p.
177). Textos como “Sexualidade anistiada”, “Homossexualismo & política”, “Trabalhadores
de todo o mundo, façamos uma grande suruba” avançaram para demolir as teses repressivas em
torno do sexo, propagando relações livres dos acordos monogâmicos e a “total liberação sexual
[...] todos trepam com tudo (com tudo mesmo, dos mundos vegetal, mineral ou animal)”
(PACHECO, 1980, p. 10). O desejo por e o prazer com pessoas do “mesmo sexo” eram
afirmados como “uma possibilidade erótica que está em todos” (O Inimigo do Rei, n. 4, 1979,
p. 16). Frente à política de abertura declarada pelo governo do militar Ernesto Geisel,
anarquistas “esculhambavam” (SIMÕES, 2007; 2011): “a cama é a revolução. Anistia para as
práticas sexuais. Ato sexual amplo, geral e irrestrito” (PACHECO, Op. Cit.).
A partir do sexo que “é, em si, anárquico, por definição e ação” (O Inimigo do Rei, n.
18, 1984, p. 04), expandia-se uma força antissocial contra sua redução à procriação, como
recusa capaz de “derrubar os alicerces da sociedade” (IDEM). Família, herança, propriedade
eram colocadas em xeque, pois se “todo mundo fode com todo mundo, ninguém sabe quem é
pai de quem” (IBIDEM). Defendiam: “amor livre e liberdade sexual, o sexo apenas por prazer,
pelo prazer, com quem a pessoa quiser, onde e como quiserem. Todas as formas de foder são
válidas e legítimas, desde que, exatamente, propiciem prazer, da maneira mais ampla possível
a cada um de nós” (IBIDEM).
Enfrentava-se a sociedade e o governo civil-militar, assim como as pretensões
revolucionárias socialistas autoritárias e as promessas de melhoria dos partidos que se
projetavam no contexto da abertura política. Este aqui e agora, sem futuro, encontra
reverberações em queers anarquistas nas décadas recentes. Nos anos 1990, eclodiram pelas ruas
estadunidenses forças que se afirmavam queer, dando outro sentido a esta gíria pejorativa da
língua inglesa, empregada contra pessoas identificadas como homossexuais e estranhas.
Fazendo outro uso dessa palavra exclamavam um revide. Desdobravam-se de rupturas e