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PROUDHON, FILÓSOFO DA EDUCAÇÃO
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Rogério Cunha de Castro
Colégio Pedro II, Brasil
rogeriodecastro1973@gmail.com
Leonardo Leonidas de Brito
Colégio Pedro II, Brasil
leonardo.brito.1cp2@edu.br
Como o próprio título indica, o objetivo deste artigo é sublinhar as teses fundamentais
de Proudhon sobre a Educação, sem procurar discuti-las ou contestá-las, mas com o interesse
apenas de colocar em evidência os princípios de sua filosofia. O que exatamente ele quer dizer
com o termo de educação? O que deveria ser, aos seus olhos, uma educação em conformidade
com a Justiça? O que importância deve ser dada à educação na sociedade transformada pela
revolução? Estas são as perguntas que vou procurar responder.
Essas questões sugerem a hipótese de que há, de fato, na obra de Proudhon, uma
verdadeira filosofia da educação, mesmo que os elementos estejam dispersos em diferentes
obras. Para confirmar esta hipótese será necessário mostrar que de fato uma unidade de
reflexão sobre este assunto, e não observações dispersas; que de fato uma permanência de
teses gerais através de possíveis evoluções; e uma coerência das teses defendidas.
Além disso, para que possamos falar de uma Filosofia da Educação, é necessário
mostrar que a reflexão de Proudhon visa formular os princípios, ou os "fundamentos" da
educação, em oposição à busca exclusiva de técnicas ou métodos educacionais. E, com efeito,
recordemos logo que Proudhon pouco se preocupou com a pedagogia ou a "didática" (como
dizemos hoje), ainda que possamos, aqui e ali, levantar aspectos que se relacionam com as
práticas educativas. Proudhon não é estudioso de práticas educativas: ele está menos alinhado
com os Pestalozzi, antes dele, Montessori ou Decroly, que na linha de teóricos, como Erasmo,
Montaigne, Rabelais ou Jean-Jacques Rousseau.
Para apresentar esta Filosofia da Educação, procurarei reunir em dez teses o pensamento
de Proudhon, correndo o risco de negligenciar nuances e outros desdobramentos pertinentes à
reflexão sobre este tema.
1
Tradução do texto Proudhon, philosophe de l’éducation” de Pierre Ansart. Publicado em SOCIÉTÉ P.-J.
PROUDHON. 24 -dez-2020; Disponível em: https://www.proudhon.net/pierre-ansart-proudhon-philosophe-de-
leducation/ .
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PRIMEIRA TESE: “A EDUCAÇÃO É UMA CRIAÇÃO DOS COSTUMES”.
Em De la Justice
2
, após os estudos preliminares que são os Estudos sobre a Justiça,
as Pessoas, os Bens e o Estado, Proudhon imediatamente coloca a Educação, na introdução aos
Estudos sobre Trabalho ou Ideias. O que indica muito bem o lugar que ele concede à temática.
Mas como Proudhon define esse termo educação? Ou ainda, do que ele está falando
quando se propõe a repensá-la? Há, para nós, um risco de interpretação porque o significado
que damos a esta palavra hoje é muito mais estreito do que o significado proudhoniano. Hoje,
o uso comum reduz a educação à transmissão aos alunos de saberes e habilidades; um segundo
significado subsiste, que enfatiza a formação moral (a “boa” educação) e sobre os códigos
sociais. Ora, o sentido que Proudhon a este termo educação vai muito além dessas duas
definições, estreita ou moralizante, e as engloba.
O que ele quer repensar, é este fenômeno geral pelo qual se transmitem todas as
dimensões de uma cultura. Ele nos propõe refletir não sobre práticas particulares que podem
ser métodos pedagógicos, mas sim acerca do que os antropólogos entendem por “cultura”, isto
é o conjunto das práticas e das normas sociais, excluído aquilo que é dado pela natureza.
Sobre esta concepção, Proudhon é bastante explícito no primeiro capítulo do quinto
estudo em De la Justice, consagrado à Educação: O que é Educação?
“... É a concentração na alma de um jovem homem dos raios que partem
de todos os pontos da coletividade. Toda educação tem por objetivo
produzir o homem e o cidadão de acordo com uma imagem em miniatura
da sociedade, através do desenvolvimento metódico das faculdades
físicas, intelectuais e morais da criança”.
Em outros termos, a educação é a criação dos costumes pelo sujeito
humano, tomando esta palavra costumes em sua acepção mais ampla e
mais elevada, que inclui não apenas direitos e deveres, mas também
todas as modalidades
da alma, ciências, artes, indústrias, todos os exercícios do corpo e do
espírito.”
2
Em português: Da Justiça, na Revolução e na Igreja. São Paulo. Intermezzo Editorial. 2019. a edição publicada
me português se trata de uma seleção da edição publicada em 1860 com fragmentos do escrito “Filosofia
Popular” e partes dos estudos “As Ideias” e o “Trabalho”. Tradução e seleção feitas pelo editor Plínio Augusto
Coêlho. (NT)
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Cometendo um anacronismo e utilizando uma expressão de Marcel Mauss, nós
poderíamos dizer que, para Proudhon, a educação é um “fenômeno social total”, ou seja, um
conjunto de práticas nos quais todos os fenômenos sociais se concentram e se refratam:
econômicos, produtivos, políticos, simbólicos, etc. E esta educação se coaduna, por outro lado,
à totalidade do ser humano, este compreendido como um ser psíquico, intelectual e moral: seu
corpo e sua alma, seus comportamentos e seu foro interior, para usar o antigo vocabulário.
Proudhon volta então ao termo “costumes”, retomando o sentido da palavra em grego
que designa todos os modos do ser e os modos de fazer que são próprios de uma dada sociedade.
Seus usos e costumes, desde ritos da vida cotidiana até as práticas industriais e artísticas.
Ele nos dois exemplos, dois aspectos opostos destes costumes neste capítulo primeiro
do 5º Estudo: duas experiências universais, a relação do ser com a natureza e, por outro lado, a
relação com a morte.
Caso sigamos a linha de raciocínio de Proudhon, nos distanciamos do nosso usual
significado estreito de educação. Proudhon nos conduz imediatamente aos limites da condição
humana e aos limites da cultura, onde fronteiras se confundem entre natureza e cultura: a vida
na ou contra a natureza - e a morte.
A escolha dessas duas situações mostra que ele age bem em refletir sobre a “criação dos
costumes", em todas as suas dimensões sociais, humanas e individuais.
SEGUNDA TESE: A EDUCAÇÃO REVOLUCIONÁRIA -SE PELO PRINCÍPIO DA
IMANÊNCIA.
Porque esta tese e porque ele polemiza com e contra a religião em sua reflexão sobre
Educação? Por que é tão importante nesta reflexão insistir nesta oposição entre educação
segundo a Igreja e educação segundo a Revolução? Lembrarei apenas três razões de fundo:
1) Para pensar a educação em toda sua magnitude, é importante pensar a história. A história
da educação na Europa e mais particularmente na França, é a história da educação pelos
sacerdotes, pois a grande educadora foi, desde a Alta Idade Média, a religião.
2) No entanto, a segunda razão é ainda mais importante: É que o ensino religioso - e isso
é essencial para refletirmos -: a educação religiosa tinha uma unidade de princípio, tinha
um significado central que poderia dar lugar a aplicações diversas e que poderia ser um
corretivo permanente. O princípio fundamental era a existência do divino.
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Entretanto, para Proudhon, uma educação verdadeira, como deve ser a educação
revolucionária, também deve ser coordenada segundo um princípio fundamental que
atualizado, exposto, deve se desenvolver em todas as suas consequências.
A revolução precisa de uma filosofia, uma filosofia prática. Uma verdadeira Educação
baseia-se em princípios fundamentais que se colocarão antinomicamente com o princípio
religioso, mas que terão as mesmas ambições teóricas e práticas.
3) Que ambição, em uma palavra? Esta é a terceira razão importante: a religião fundou e
realizou um certo vínculo social. Proudhon não deixa, de fato, de pensar a religião
sinteticamente como teologia (como teoria), e como princípio de práticas sociais.
Contudo, se a religião efetivamente engendrou e legitimou um certo vínculo social, foi
na verdade, um vínculo de desigualdade e subordinação.
Esta crítica não é secundária para Proudhon, ela não se reduz a uma polêmica
anticlerical. É uma crítica exemplar, que permite pensar os princípios de uma educação
renovada:
- Na religião, o vínculo social encontrou seu princípio e seu fundamento fora do
homem, fora da humanidade. O homem não tem o controle e posse sobre de seus
próprios princípios. Por outro lado,
- ao estabelecer o princípio do vínculo social fora do homem, a religião tendia a
legitimar uma casta, uma autoridade supostamente competente no domínio do
sagrado;
- ao afirmar a transcendência do divino, a religião construiu uma visão de mundo
assentada na desigualdade - e serviu como uma espécie de paradigma (modelo
intelectual) para todas as desigualdades e hierarquias;
- De fato, e apesar de suas pretensões, a religião não fundou o verdadeiro vínculo
social que ainda precisa ser definido e realizado. A religião realmente criou laços
desiguais. Conduziu à separação hierárquica entre os humanos.
Proudhon se coloca então em situação de debater os fundamentos da educação (ele se
situa na filosofia da educação) e se põe em plena oposição à Filosofia da Transcendência,
através de uma filosofia humanista, segunda a qual a humanidade encontrará, ela mesma, os
princípios práticos e teóricos de sua educação.
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TERCEIRA TESE: A EDUCAÇÃO REVOLUCIONÁRIA ENCONTRA SUAS
REGRAS NO TRABALHO, NA AÇÃO FUNDAMENTAL DA HUMANIDADE QUE É
O TRABALHO.
Esta tese de Proudhon, segundo a qual os princípios fundamentais da educação estão
inscritos na prática do trabalho, é essencial. - e marca de uma das suas contribuições originais
- a originalidade de sua filosofia da educação em comparação aos teóricos da educação da
época. De fato, para todos aqueles que recusaram radicalmente a religião como um princípio da
educação, dever-se-ia refundar a educação e para muitos era evidente que tal ato estaria na
Ciência - para o progresso do conhecimento científico - que era preciso demandar esses novos
fundamentos... para o "progresso das Luzes". Isto era uma evidência para Condorcet, para
Augusto Comte e tantos outros: a ciência expulsa e substitui a religião.
3
A resposta de Proudhon é diferente e esta diferença orienta toda sua concepção de
educação.
Ele havia escrito em De la création de l’ordre
4
"O menor dos ofícios, desde que tenha
especialidade e série, contém em sua substância toda a metafísica”,parágrafo 437.
Ele retoma a mesma reflexão no início de De la Justice: “Chegamos até a pensar que a
filosofia pode ser encontrada inteiramente nessa parte essencial da educação popular, o ofício”,
(De la Justice, T 1, pp. 188-189).
Proudhon expõe e desenvolve esta tese no sexto Estudo sobre o trabalho começando a
exposição que formula o princípio geral sobre a origem das categorias de compreensão: “A
ideia, com suas categorias, nasce da ação e deve retornar, um pouco restrito para o agente”, (De
la Justice, T. III, p. 69). E “por ação”, é preciso entender a ação de produção, a ação sobre a
natureza e com a natureza. É no ato de agir que reside as ideias.
Proudhon oferece o exemplo da alavanca:
“de todos os instrumentos do trabalho humano, o mais elementar, o
mais universal”...(id,. p.74), instrumento de aperto, de locomoção, de
apoio…etc. Instrumento pelo qual o Homem relaciona os objetos, uns
com os outros e se relaciona com os objetos - pelo qual também permite
o equilíbrio. Pela alavanca, o Homem relaciona, sintetiza e separa;
sintetiza e analisa. E é (e não no céu esfumaçado das ideias
3
Procurou-se manter os mesmos tempos verbais do original em francês. "la science chasse et remplace la religion".
(p.4).
4
De la création de l'ordre dans l'Humanité, ou Principe d'organisation politique, publicado originalmente em
1842. Sem tradução para o português.
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transcendentais) que se forma e se pratica a ideia científica de
relacionamento, e “a ideia de equilíbrio”, Id.
E Proudhon credita à franco maçonaria esta ideia: “Seu Deus é chamado de Arquiteto”,
ideia que ele interpreta como anti- teológica.
Em outros termos ainda: “...a inteligência humana fez sua estréia na espontaneidade de
sua indústria…" (Id. p. 81).
Esta teoria é relativa à gênese dos princípios de compreensão e que recorda o longo
debate acerca da origem das ideias, debate entre racionalistas e sensualistas (ou sensistas).
Proudhon tira também conclusões pedagógicas; por exemplo, no que diz respeito ao ensino de
matemática, evoca uma pedagogia resultante da experiência:
“Um professor de matemática dos meus amigos ensina geometria para
os seus alunos começando pela esfera; É da consideração empírica da
esfera que ele parte para chegar à noção abstrata do plano da linha e do
ponto…”, (Id.,p. 80)
QUARTA TESE - JUSTIÇA.
Voltemos aos objetivos gerais da educação: nós os conhecemos e Proudhon não cessa
de voltar a eles em De la Justice: uma finalidade central da educação, que é formar cidadãos
para a Justiça.
A educação tem por objetivo formar cidadãos para a Justiça. Como escreve Proudhon
no início De la Justice: “O que o povo exige hoje é um direito positivo, fundado em razão e na
justiça...", (De la Justice, T. I, p. 188).
Aqui encontramos o tema fundamental de De la Justice. Qualquer consideração sobre a
educação nos remete necessariamente a esse eixo central da Filosofia do qual Proudhon quer
fazer o eixo, teórico e prático da nova cultura e da sociedade transformada pela revolução -A
educação será, portanto, e deve ser a escola da Justiça.
Sublinhemos as condições de possibilidade dessa formação para a Justiça - e seus meios.
O objetivo da educação é tornar todos os cidadãos “competentes” em questões de justiça
(poderíamos comentar sobre este tema usando o livro de Luc Boltanski: Amor e Justiça como
habilidades). A nova Justiça não deve ser uma lei externa ao homem e imposta como lei externa
e obrigatória, deve ser exigência e competência de cada um.
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Mas é necessário ensinar Justiça? As respostas de Proudhon são complexas e nós
podemos distinguir dois aspectos complementares:
-Resposta otimista em primeiro lugar no sentido de que a nova justiça se une, em grande
medida, a uma exigência natural do homem e, podemos dizer, um direito natural. A posição do
Proudhon neste ponto é matizada: ele pensa que tanto a demanda por justiça, por igualdade e
equilíbrio, tem uma dimensão trans-histórica: “A justiça, diz ele, é o que de mais primitivo
na alma humana. (De la Justice, T.I; p. 227).
E, nesse sentido, a educação terá, portanto, que desenvolver um potencial que seja
universal.
Acrescenta, porém, que o sentido de justiça é, - por razões históricas, e ainda mais por
razões econômicas e sociais - é mais desenvolvido no povo do que na burguesia.
“O povo possui seu fundamento de Justiça; ele o conservou melhor do
que seus mestres e seus sacerdotes; ... o povo, por sua intuição nativa e
seu respeito ao direito, é mais avançado que seus superiores”. (Id.)
Acrescenta ainda:
O povo, no que diz respeito à justiça, não é, propriamente falando, um
discípulo, muito menos ainda um neófito. A ideia está nele: a única
iniciação que ele exige, como a plebe romana de outrora, é a das
fórmulas. Que ele tenha em si mesmo é tudo o que nós pedimos dele.
Somos os monitores de pessoas, não seus iniciadores (Id.).
No entanto, o pensamento de Proudhon não está inteiramente nessas formulações
espontaneístas. Em outros textos, ele faz correções importantes que não contradizem
completamente essas declarações otimistas, mas as detalham. Em "Notícias da Revolução"
acrescentadas ao oitavo Estudo, distingue por exemplo duas tendências no povo: a tendência
que ele chama de "plebeia" e a tendência que podemos qualificar autenticamente “operária”. A
tendência plebeia habituada à submissão, à confiança nos poderosos, à resignação tradicional e
não reivindica o estabelecimento da justiça. Lógico, quando ele escreve estas linhas, Proudhon
pensa que essas tendências à resignação serão diminuídas.
Mas essas nuances mostram claramente a importância de uma educação para a Justiça
(Grifo do autor): essa educação não é arbitrária, ela prolonga o fato objetivo do direito:
- Não é, portanto, a imposição de um dogma arbitrário aos espíritos submissos...revelar
aos cidadãos o que é uma dimensão fundamental de suas experiências e de suas
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exigências. E assim os educadores o mais monitores do que iniciadores, como ele
escreve;
- Mas resta que nem todos os homens do povo estão preparados, da mesma forma, para
compreender e defender a Justiça;
- As exigências de justiça estão “em potência”, em “potencialidade” mais do que em
atualização;
- o fato é que as forças de dominação, o capital, o Estado, as religiões, continuam a desviar
os espíritos do senso de justiça;
- Quanto às crianças, Proudhon pensa também que se elas têm alguma intuição de justiça,
são também portadoras de tendências contrárias e que, portanto, devem ser orientadas
para Justiça e protegidas contra forças internas (por exemplo, egoísmo) e forças
externas.
Há, portanto, a urgência de uma educação para a justiça. Educação para todos e para
cada um. E é aqui que podemos especificar essas duas dimensões: educação para todos e para
cada um, e em primeiro lugar para todos.
QUINTA TESE: POR UMA “EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA”
Esta é, sem dúvida, a dimensão mais reivindicada, mais incisiva da filosofia
proudhoniana de educação: que a educação deve ser para todos, de uma parte ou de outra, igual
para todos.
Educação para todos em primeiro lugar. Esta tese é ao mesmo tempo afirmação, desejo,
reivindicação, denúncia. O que Proudhon denuncia é a ignorância, a ausência de formação da
qual o povo é vítima, e esta divisão extrema que faz do conhecimento o privilégio de um
pequeno número chamado a ocupar as funções de dominação. A fórmula simples da época, a
“educação democrática” tem um duplo sentido: a favor da educação para todos e contra a
educação elitista.
- Educação, por outro lado, igual para todos. Aqui, novamente, uma tese que é tanto
uma afirmação, como uma denúncia. Trata-se de denunciar esse sistema educacional que desde
cedo divide a cidadãos, que, separando as crianças em diferentes locais de ensino com diferentes
programas, renova e prepara a divisão em classes sociais opostas.
Esta tese - como a anterior - obviamente retoma as teorias gerais da Proudhon e nos
lembra o quanto suas teses sobre Educação perseguem as principais linhas de suas concepções
sociais e aí encontram lugar.
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Mas qual é, mais especificamente, o argumento de Proudhon para justificar essa
democratização da educação? Proudhon recorre a vários argumentos e a vários níveis de
argumentação. Encontraremos necessariamente a questão essencial da Igualdade.
1ª questão preliminar: Existe uma igualdade de inteligência? É possível afirmar que as
crianças das classes mais baixas são capazes, da mesma forma que as crianças das classes
burguesas, de adquirir conhecimento? Proudhon não separa esta indagação da questão mais
geral sobre o povo em conjunto: os filhos das classes trabalhadoras podem ser educados como
os jovens burgueses?
Esta é uma velha questão. Podemos dizer que foi debatida principalmente no século
XVIII: os filósofos materialistas, como Helvétius, foram os mais vigorosos na defesa da tese da
igualdade das inteligências.
Proudhon enfatiza, em seu preâmbulo de De la Justice, “Filosofia popular”, sobre o fato
de que os princípios fundamentais do conhecimento, a relação, os princípios lógicos que estão
em ação no exercício do conhecimento são os mesmos para todos. Claro, o especialista
aprendeu mais, no entanto usa os mesmos princípios lógicos que qualquer um. Desta forma,
existe o que Proudhon chama de “democracia das inteligências”. “Democracia das inteligências
e democracia das consciências: ambas são, para Proudhon, os dois grandes princípios da
filosofia. ambas entendidas como baluartes fundamentais da revolução”.
2º argumento e outro nível de reflexão: o argumento sócio-político
A igualdade da educação é uma pedra angular da igualdade sociopolítica e uma das suas
condições necessárias. Proudhon distinguiu três alienações: a alienação econômica assegurada
pelo Capital, alienação política assegurada pelo Estado, alienação intelectual assegurada pela
Religião. Mas a ignorância sustenta as três alienações e delas participa. O trabalhador
fragmentado ignora as técnicas industriais e não pode resistir às decisões patronais, o cidadão
é dócil às ilusões estatais e não consegue resistir aos dominantes, o fiel é dócil aos padres e não
compreende as consequências da empreitada religiosa.
A educação democrática que garanta a democracia das inteligências é, portanto, a
condição necessária da emancipação.
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SEXTA TESE: EDUCAÇÃO PARA CADA UM.
“O objetivo da filosofia é ensinar o homem a pensar por si mesmo”.
(De la Justice, TI, p. 206).
A questão que se coloca aqui, se coloca para toda filosofia da educação: que homem
queremos formar? Trata-se, de fato, de formar um outro homem, e as indicações de Proudhon
são muito numerosas e diversificadas sobre este assunto, pois a educação a ser redefinida é uma
"Educação Integral” (diz ele em La Capacité, citando Fourier. p 345. Riv.)
5
e que ela concerne
a todos, sendo: as faculdades físicas, intelectuais e morais. (Seria necessário especificar bem
este ponto essencial e talvez ter mais espaço do que tenho para entrar aqui para detalhar esta
imagem de homem que Proudhon desenha. Sublinharei apenas algumas características,
examinaremos então sua necessidade de completar este esboço).
1- Formar em primeiro lugar um homem reconciliado com a natureza. Proudhon
contesta o divórcio imposto ao Homem por todas as tradições espiritualistas ou mesmo as
racionalistas. Este é um objetivo exposto em primeiro lugar em seu Estudo sobre a educação
como vimos: à criança deve ser dado não apenas o gosto pela natureza, mas o sentido e o prazer
da comunhão com a natureza.
2- Formar seres com sentido do concreto, com sentido da realidade, e associando o
pensamento à realidade natural. Este é um dos sentidos do tema da “Filosofia Prática”: formar
seres que associam a intelectualidade à experiência concreta.
3- Formar seres para que o trabalho seja uma atividade humana por excelência e que
estejam preparados para as suas próprias atividades. Que o trabalho não seja um
constrangimento detestável, mas uma atividade própria do homem, que seja entendido como
um “trabalhador livre”.
4- Formar também homens capazes de agir por conta própria atravessando,
eventualmente dificuldades, em outros termos, formar seres "de caráter", resistentes a ameaças
e às submissões. Deve-se “armar” a criança: “... a vida sendo uma luta, o homem um ser livre,
é para o combate que importa armá-lo, o que será feito muito menos pelo espírito do que pelo
personagem”.
5
La Capacité… traduzido para o português como Da Capacidade Política da Classe Operária. São Paulo.
Intermezzo Editorial. 2019.
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5- Formar então um ser capaz de julgar por si mesmo - não por qualquer um ou por uma
doutrina estabelecida. Ser capaz de pensar como um filósofo prático e um trabalhador livre, e
isso passa por duas formações integradas, do filósofo e do trabalhador, que podem ser feitas
por uma educação que garanta a liberdade de consciência.
6
6- Formar seres humanos para serem particularmente sensíveis à sua própria dignidade
(este é o tema maior do Segundo Estudo, “as Pessoas”): preparar desta forma a pessoa para o
sentido se sua própria dignidade e para o sentido da dignidade dos outros.
Proudhon, de fato, não separa o sentido da dignidade pessoal da dignidade do outro.
Sentir e afirmar a dignidade humana, em primeiro lugar em tudo que é
de nós mesmos, como também no outro. (De la Justice, T. I, p. 414).
7- Formar os seres humanos para a vida moral, quer dizer, para a prática da Justiça.
Trata-se de preparar a criança para sua liberdade, mas não para uma liberdade selvagem e
“ilimitada”, mas para a vida moral e o respeito à justiça.
8- Terminamos dizendo que preparar o homem para esta vida de liberdade e justiça é
também prepará-lo para a felicidade, pelo menos como Proudhon a concebe: o prazer do
trabalho emancipado, o prazer sensível do trabalho, o orgulho da dignidade, o prazer da
sociabilidade, da amizade, do amor… a felicidade dos justos.
Por meio de quais programas, por meio de quais áreas principais da educação? Vou
distinguir três: Educação Filosófica, Educação Política e Educação Profissional.
SÉTIMA TESE: A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA.
Conhecemos o título do parágrafo 5 da Filosofia Popular:
“Que a metafísica é a ‘mola’ da instrução primária” (De la Justice, T. I, p. 199).
Por metafísica, Proudhon entende, pelo espírito da filosofia kantiana, o conjunto de
categorias de compreensão e o problema de sua gênese.
"A formação de categorias ou idéias, concebidas pela mente fora da
experiência, mas por ocasião da experiência, sua coleta e classificação,
formam o que se chama metafísica" (Id. T I, p. 203).
6
[N.T.] Neste trecho, no original em francês está "cette éducation vers la liberté de jugement". Aqui Traduzido
como uma educação que garanta a liberdade de consciência.
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Essas categorias são colocadas na vida cotidiana, na fala, são os instrumentos de
inteligência. Elas são, de certa forma, aprendidas com o aprendizado da Língua. A metafísica
é, portanto:
“(...) tudo inteiramente na gramática, e seu ensinamento parte do mestre da escola”, (Id).
Proudhon inspira-se livremente na crítica kantiana, atribuindo a formação de ideias à
experiência - à "intervenção de dois agentes, o sujeito e o objeto, na formação de conhecimento"
- rejeitando tanto o sensualismo quanto o inatismo... e faz com que essa [noção] de metafísica
seja então concebida como um obstáculo às ilusões do idealismo e das religiões.
Além disso, Proudhon associa a essa concepção metafísica, que seria transmitida pela
gramática e pela experiência, ao conjunto de regras lógicas que o professor da escola deve
inculcar:
“Verifique constantemente vossas observações, coloque em ordem
vossas ideias, tome com cuidado suas análises, seus resumos e suas
conclusões; seja sóbrio em suas conjecturas e hipóteses; tenha cautela
com as probabilidades e sobretudo com as autoridades; não acredite na
palavra ‘alma que vive’.” (Id., T. I, p. 204).
A metafísica não é, portanto, um conhecimento abstrato inacessível ao povo, é praticado
no conhecimento empírico e ensinado através do ensino reflexivo da língua.
E o mesmo vale para a Filosofia - o que implica numa redefinição democrática de
Filosofia. Proudhon encontra seu mesmo inimigo: monopolização erudita, a monopolização
elitista (ou burguesa) da Filosofia que faz da filosofia um ensinamento raro, ao qual se
poderia abordar após anos de formação intelectual. Pelo contrário, a Filosofia deve estar
presente em toda existência, assim como esteve a Religião.
E, novamente, a comparação com a Religião é útil. Porque a Filosofia, em vez de ser
um saber erudito e esotérico, deve responder às questões que, à sua maneira, a Religião
resolveu. Proudhon desenvolve este tema, sobretudo, nas páginas sobre La Philosophie
populaire”, no início de De la Justice. Ele entende por Filosofia:
- A moral: uma moral pessoal e uma moral social que nos diria as regras de uma vida justa, de
uma vida pessoal feliz - que nos diria as regras de uma vida com retidão para com os outros, as
regras da justiça.
- A filosofia compreende toda uma “visão do mundo”. Ele responde, deve responder a todas as
questões práticas e teóricas: o que é Justiça, o que é direito e dever? O que é igualdade? governo,
liberdade, progresso? Mas também o que são amor e casamento?
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A nova Filosofia deve responder a todas estas questões.
Pode ser ensinado e como? Existe um ensino dessa Filosofia? Proudhon apenas faz aqui
uma observação sugestiva: ele não diz “ensino de filosofia” (ensino que seria distinto e
especializado). ele fala de “propaganda filosófica”:
“O filósofo que se dedica a ensinar às massas, instrui ele mesmo à fundo
as teorias, deve ser antes de tudo, nas conferências com o povo, um
demonstrador prático… ser concreto:
É preciso concretizar, personalizar e dramatizar... usar o ithos e o pathos
(a raiva e paixão)”. (Id.)
Emocionando também:
“Por que, aliás, ensinando a Justiça, deveríamos nos privar dessas duas
potências poderosas, paixão e interesses” (Id.)
Levantando, à ocasião:
“pela veemência de seus discursos, pela indignação popular” (Id., T.I,
pp. 228-229).
Proudhon diz também que ao invés de desenvolvimentos encadeados, nós podemos
também ir de um tema a outro: “filosofar à bâtons rompus”,
7
porque todos os temas se iluminam
uns aos outros nesta unidade sintética da Filosofia prática.
E chegamos à oitava tese:
OITAVA TESE: A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, “A EDUCAÇÃO
ENCICLOPÉDICA”.
Esta é, salvo engano, a parte mais conhecida das teses de Proudhon: aquela na qual ele
mais retorna; que mostra também um tema que manifesta uma extrema continuidade de
pensamento.
O tema da Educação é seguramente um dos grandes temas permanentes e caros para
Proudhon. No entanto, há, seguramente, sensíveis diferenças nas elaborações acerca da
Filosofia prática e seus ensinamentos são encontrados dessa forma apenas em De la Justice.
7
Não existe uma tradução para o português desta expressão, que significa " tratar de um ponto, ir a outro e voltar,
pois os assuntos se relacionam de maneira não linear. Aqui, Ansart faz alusão ao método de Proudhon, na
chamada "filosofia prática": a dialética serial.
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Por outro lado, essa preocupação com a formação profissional do trabalhador é uma
preocupação essencial e permanente para Proudhon e que ele nunca deixa de repensá-la, e com
grande precisão.
Em vez de comentar sobre esse tema, e enfatizar sua permanência, tentarei reler [e
destacar] três textos tirados dos escritos do início, do meio e do fim da cronologia de suas obras:
1842, Da Criação da Ordem pela Humanidade; 1851, A Ideia Geral de Revolução; 1865, A
Capacidade política das classes operárias.
1- Em primeiro lugar, 1842, Em A Criação da Ordem pela Humanidade. Proudhon se interroga,
no capítulo IV, parágrafo 3 sobre os princípios da organização industrial, sobre a organização
do trabalho; ele desenvolve então a ideia de SÉRIE e retomará os temas de Fourier. O trabalho
é organizado, dividido em funções assumidas por diferentes trabalhadores numa ação sintética.
Ele aborda a questão do trabalho parcelar e seus dois aspectos contraditórios:
- O trabalho parcelar e repetitivo é destruidor do saber-fazer operário - destruidor da moral
pessoal - e ineficaz economicamente e socialmente.
“O primeiro fruto do trabalho parcelar é o de multiplicar as incapacidades.”.
(Riv. 333).
E, no entanto, ele (o trabalho parcelar) é útil em uma empresa (capitalista) e Proudhon
lembra as páginas de Adam Smith sobre a fabricação industrial.
Vemos qual seria a solução que se coaduna aos interesses do trabalhador e também da
sociedade industrial (esta é a ideia de politecnia e de poli aprendizagem):
“Cada trabalhador pode, de fato deve, em seu interesse pessoal e no da
sociedade, mover-se em intervalos mais ou menos próximos de uma
operação a outra, percorrendo, desta forma, todo o ciclo de fabricação”
(Riv. 336).
E Proudhon opõe ao trabalhador fragmentado, o operário formado, "realizado", "o
operário consumado" (p.337), completo.
“...por longos e laboriosos estudos, por variadas tentativas, pela
dispendiosa aquisição de segredos do ofício e processos laborais, fez
não uma, mas vinte e trinta aprendizagens diferentes... ".
Educação permanente e que esteja em conformidade com o interesse de todos, de acordo
com uma divisão do trabalho bem compreendida (por todos).
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Encontramos a mesma ideia em A Ideia Geral da Revolução (1851). Lembro-me apenas
de uma passagem: no Estudo “Organização das Forças Econômicas”, Proudhon estabelece
os princípios do que deve ser a Grande Indústria, a empresa dos trabalhadores:
Vis a vis às pessoas. A empresa industrial (dos trabalhadores) expõe as regras -
individualmente:
“Que sua educação, sua instrução e seu aprendizado devem, portanto,
ser dirigidos de tal maneira que, fazendo-o suportar sua parte nas
repugnantes e penosas labutas (Proudhon novamente lembra Fourier),
o façam percorrer por uma série de trabalhos e conhecimento, que lhe
assegurem, quando chegarem à maturidade; uma aptidão
enciclopédica” (Riv. 281-2).
3 - Terceiro texto, em De da Capacité (1865): no Capítulo VII “Condições para a
educação democrática”. Sobre o tema da Educação Profissional, Proudhon indica o que deveria
ser:
“Em vez de se limitar a uma especialidade restrita, a educação
profissional inclui uma série de trabalhos que, em conjunto, tendem a
fazer de cada aluno um operário completo.” (Capa. Riv. 343).
Continuidade, portanto, dos temas proudhonianos neste ponto:
- necessidade urgente de aprendizagem e sua extensão;
- erro em separar a educação literária e científica da aprendizagem industrial;
- necessidade de aprendizagem plural;
- e, de fato, permanente: uma espécie de formação permanente.
IX TESE: EDUCAÇÃO POLÍTICA
Na concepção mais ampla de Educação, concepção que é aquela em que Proudhon se
coloca, a educação política do cidadão também é um aspecto essencial e não podemos
negligenciá-la.
Há, talvez, algumas dificuldades em defini-la, pois todo o trabalho de Proudhon visa
educar politicamente. Podemos dizer isso particularmente sobre aqueles que ele quer convencer
(o povo): difundir suas teses, para serem ouvidas, escrever para o povo.
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E se nos perguntamos sobre o conteúdo desse ensinamento, devemos responder
retomando todo o seu pensamento político.
Então, o que seria importante e o que seria secundário; e em que esse ensino se
concentraria primeiro?
Podemos, ao menos parcialmente, responder a essa pergunta, pois Proudhon propôs em
De la Justice um “pequeno catecismo político”.
Título muito interessante tanto porque retoma a palavra da educação religiosa:
Catecismo... Mas também porque muitos catecismos revolucionários foram escritos nos anos
1790-1793 que buscavam formular novos dogmas e Proudhon se utiliza deste título para aludir
a tais catecismos revolucionários.
Nesta educação política de base, o que importa? O curto Catecismo Político conclui o
Estudo dedicado ao Estado (De la Justice, T. I, p. 257), um pequeno tratado de menos de
quarenta páginas na edição Rivière.
8
Enfatizemos apenas o movimento do pensamento: o plano.
Este plano, em cinco capítulos, é notavelmente firme e expressa perfeitamente, creio, o
que para Proudhon é fundamental em uma educação política. Oferece quatro "instruções":
1ª Instrução: O que é poder? Proudhon evita sistematicamente responder em termos de
poder político e substitui a reflexão sobre o poder político pela reflexão sobre “força coletiva”
e “poder social”.
O poder social, que tem a força coletiva como sua “realidade”, antecede, torna possível
o poder político.
É preciso fazer entender - e este é o objeto desta primeira Instrução - que o verdadeiro
poder é o poder social que pode aumentar e diminuir conforme a organização ou desorganização
das relações e trocas. E o primeiro exemplo desse “poder social” que Proudhon é o da
Moeda... A Moeda é uma espécie de força motriz que se localiza, não no signo, na nota ou no
metal, mas na reciprocidade pública (página 260).
Instrução: “Da apropriação das forças coletivas e da corrupção do poder social”. O
poder político resulta de uma apropriação do poder social, ou seja, de uma “alienação da força
coletiva”. Além disso, o poder político uma vez constituído, o resultado é uma intervenção das
relações e a força toma o lugar do direito.
A instrução: explica a história desta apropriação do poder social pelos vários regimes
políticos, da monarquia à democracia.
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A edição de "De la Justice" a qual Pierre Ansart teve em mãos para escrever essas notas sobre a Educação em
Proudhon.
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Por fim, a Instrução traça as principais linhas da Constituição do poder social pela
Revolução: equilíbrio de forças, liberdade e justiça das trocas, etc.
Encontramos nessas quatro instruções o resumo catequético do que deve ser a
educação política, que se concentra, portanto, na ideia de poder para a inversão (da ordem
estabelecida); do poder apropriado pela política ao poder social, ou melhor, à noção de potência
social.
Xª TESE: APLICAÇÕES OU CONDIÇÕES DE REALIZAÇÃO.
1 - A primeira é que o sistema de ensino profissional seja reorganizado e que esteja
intimamente ligado às oficinas, às grandes empresas. As duas reformas estão intimamente
ligadas, tornando a oficina uma espécie de escola:
- que o aluno, como escreve Proudhon, pode "passar por toda a série de exercícios
industriais, indo do mais simples ao mais difícil" e assim "liberar desses exercícios a
idéia neles contida...",
- e, portanto, também que as oficinas, as empresas, sejam reorganizadas e permitam que
todos escapem do trabalho parcelar permanente e aos poucos e mudem suas posições de
trabalho (o que se faz na agricultura, e com bastante facilidade nas pequenas indústrias,
mas que deve ser introduzido na grande indústria): Em poucas palavras, a
aprendizagem politécnica e a ascensão à todos os níveis, é nisso que consiste a
emancipação do trabalhador”.
2- Segundo problema, o do custo da educação. Proudhon acredita que o trabalho dos
aprendizes pode ser, desde muito cedo, "útil e produtivo". A educação profissional, portanto,
não seja gratuita. O aluno rapidamente deve se tornar um produtor. Ele, portanto, paga seu
aprendizado com seu trabalho, mas deve ser rapidamente remunerado "na proporção da
capacidade e dos serviços de cada um", (Cf. Capacité politique des classes ouvrières).
As associações de trabalhadores teriam que desempenhar um papel de controle e
organização, tornando-se tanto centros de produção quanto centros de educação (Capa., p.
343)
9
.
3 - 3ª dimensão dessas conquistas. Assim concebida, a educação do trabalhador não tem
prazo, não tem fim. Não necessidade de tornar a aprendizagem um período limitado. O
9
Grifo de Ansart.
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trabalhador continua na idade adulta a mudar de postos na produção e por isso continua a sua
formação e Proudhon recorda aqui as teses de Fourier:
"... trata-se de desenvolver, por meio de uma educação integral, como
dizia Fourier, o maior número de aptidões e de criar a maior capacidade
possível..."
(Capacité, pág. 345).
Acrescentemos que o trabalho, assim preparado e assim vivenciado, pode ser uma fonte
eminente de prazer, de satisfação pessoal, de gozo.
Finalmente, - e terminarei neste ponto - resta sublinhar o quanto as teses sobre educação
estão rigorosamente coordenadas com os outros grandes temas proudhonianos: crítica da
desigualdade, da dominação, crítica da alienação... teorias da justiça social, capacidade de
trabalho, filosofia de trabalho, etc. E esta é, naturalmente, a fonte de uma dificuldade: a filosofia
da educação não se deixa limitar, articula-se com todos os grandes temas proudhonianos.
Espero tê-los convencido de que Proudhon é de fato um filósofo prático da Educação:
ele está alinhado com os verdadeiros pensadores da Educação que propuseram uma visão em
conjunto dela, uma visão original e realista. Demonstrou que um sistema educativo está
intimamente ligado à totalidade cultural, que as finalidades e as práticas educativas não podem
ser independentes da cultura e que são uma dimensão essencial da mesma. Ele também mostrou
fortemente que a educação é uma dimensão constitutiva da vida individual e coletiva e que,
portanto, um projeto revolucionário deve incluir um projeto educacional coerente e uma crítica
resoluta ao sistema educacional existente.
REFERÊNCIA
ANSART, Pierre. Proudhon, philosophe de l’éducation. In: SOCIÉTÉ P.-J. PROUDHON. 24
dez 2020; Disponível em: https://www.proudhon.net/pierre-ansart-proudhon-philosophe-de-
leducation/.
Recebido em: 30 de janeiro de 2023
Aceito em: 30 de novembro de 2023