1
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
ESTADO DO CONHECIMENTO NA PESQUISA HISTORIOGRÁFICA: UM
CAMINHO POSSÍVEL PARA O ENCONTRO COM AS PESQUISAS SOBRE O
ATENDIMENTO À INFÂNCIA
Diana Mauer
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil
dianapmauer@gmail.com
Leandro Forell
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil
leandro-forell@uergs.edu.br
Fabiana Gazzotti Mayboroda
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
f.mayboroda@gmail.com
RESUMO
Este trabalho apresenta como foi realizado o “estado do conhecimento” de uma pesquisa sobre
o atendimento à infância. Para tanto, abordamos os processos de busca, seleção e análise dos
artigos que corroboraram com a temática. Destaca-se que as buscas foram realizadas
diretamente nos repositórios de periódicos selecionados devido às incógnitas geradas diante da
temática genérica e ampla que abrange mais de uma área de conhecimento. Dessa forma, após
serem estabelecidos critérios de seleção foram elencados 20 trabalhos que foram lidos,
resumidos e analisados. Estes auxiliaram a construir um panorama sobre o atendimento à
infância no contexto brasileiro ao longo de décadas e trouxeram à tona questões referentes às
metodologias escolhidas.
Palavras-chave: Estado do Conhecimento. Metodologia. Atendimento à infância.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta uma experiência com a produção de um “estado do conhecimento''
com o objetivo de ampliar a visão sobre o que foi ou vem sendo produzido, para a escrita de
um projeto de Mestrado em Educação. O projeto, por sua vez, foi o início de uma pesquisa que
se dedicou a compreender como iniciou o atendimento educacional institucionalizado aos bebês
no município de Osório Rio Grande do Sul, sendo assim uma pesquisa que entrelaça o campo
da História da Educação e o campo da Educação Infantil. Segundo Kuhlmann Jr. (2015, p. 16),
quando pensamos em História da Educação Infantil, precisamos pensar também nas relações
que ela estabelece com outros âmbitos, como “a história da infância, da família, da população,
da urbanização, do trabalho, e das relações de produção, etc., e, é claro, com a história das
demais instituições educacionais”. Portanto, para entender o cenário das pesquisas atuais nestas
áreas, fez-se necessária a produção de uma revisão de literatura do tipo “estado do
2
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
conhecimento” sobre o tema ‘atendimento à infância’, com o objetivo de identificar as
principais tendências da produção do conhecimento sobre a temática do projeto.
Em uma pesquisa historiográfica o pesquisador precisa ter uma bagagem de leituras e
de conhecimentos para situar o seu tema e o seu objeto, historicizando-o, Pesavento (2014, p.
66) destaca que “se há um capital próprio à formação do historiador é justamente este: ter um
volume de conhecimentos disponíveis para serem aplicados e usados, dando margem a uma
maior possibilidade de conexões e inter-relações”. Esta necessidade de uma bagagem de leituras
reforça a produção de um “estado do conhecimento”, que vai permitir ao pesquisador estudar
diferentes olhares sobre a temática a partir de diferentes lugares, objetos e metodologias.
Dessa forma, após algumas ressalvas, incógnitas, hipóteses e encontros o “estado do
conhecimento” foi produzido e tornou-se um dos capítulos mais importantes da pesquisa, pois
auxiliou a construir um panorama sobre o atendimento à infância no contexto brasileiro por
décadas. Diante da importância da metodologia escolhida para a elaboração deste panorama,
este artigo procura apresentar como foram realizados os processos de busca, de seleção e de
análise de artigos relacionados à temática, e como as escolhas influenciaram nos resultados e
análises finais.
SOBRE O CAMINHO
[...] Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar…
Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar”…
(MACHADO
1
, 1912, s.p.)
1
Poeta espanhol, Antonio Machado, escreveu o em seu livro Campos de Castilla, uma parte intitulada Provérbios
y Cantares.
3
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
O caminhante, frente a uma vontade de iniciar sua jornada, sente a necessidade de traçar
uma rota, um trajeto que lhe permite dirimir algumas angústias e dúvidas, possibilitando uma
caminhada menos turbulenta e com poucos percalços. Nesse sentido, o processo de realizar um
“estado do conhecimento” é um caminho que se faz, desfaz e refaz, caminhando [pesquisando].
“Estado do conhecimento” é um recurso utilizado em pesquisas para que o pesquisador
conheça a realidade da área que irá pesquisar, assim, é utilizado no começo da pesquisa,
principalmente no projeto. Dessa forma, funciona como uma primeira aproximação entre o
pesquisador e a temática, por meio de um levantamento bibliográfico. Para Ferreira (2002, p.
258) o “estado do conhecimento” procura mapear e discutir as publicações acadêmicas,
“tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em
diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas”. Ou seja,
é uma ferramenta com o objetivo de inventariar e sistematizar a produção acadêmica de
determinada área do conhecimento e assim, auxiliar na compreensão do que vem sendo
pesquisado ou não nos últimos anos nas áreas, contribuindo com diferentes olhares sobre a
temática.
Dessa forma, permite ao pesquisador tanto observar o que é comumente utilizado e pode
auxiliar em seu processo, quanto às metodologias e objetos que ainda não foram explorados na
sua área. Segundo Romanowski e Ens (2006, p. 39), o “estado do conhecimento” funciona como
um balanço que “possibilita contribuir com a organização e análise na definição de um campo,
uma área, além de indicar possíveis contribuições da pesquisa para com as rupturas sociais”.
Assim, esta ferramenta pode contribuir com dois âmbitos: mostrar o que foi feito e o que
ainda não foi feito. Soares (2000, p. 9) destaca que as pesquisas com esse foco são recentes no
Brasil, mas são importantes pois, “podem conduzir à plena compreensão do estado atingido
pelo conhecimento a respeito de determinado tema sua amplitude, tendências teóricas, vertentes
metodológicas”.
É preciso, entretanto, diferenciar “estado da arte” e “estado do conhecimento”. Para
Romanowski e Ens (2006) a realização de um “estado da arte” significa buscar diferentes
produções acadêmicas como artigos, livros, dissertações, teses e trabalhos apresentados em
eventos sobre a temática. Já, para um “estado do conhecimento”, o pesquisador realiza suas
buscas em uma das categorias de produções, como os artigos em periódicos, por exemplo.
Entretanto, escolher uma categoria de produções, apesar de diminuir o montante de trabalhos,
não diminui a importância do recurso como revelador de práticas, metodologias, temáticas e,
por vezes, paradigmas.
Segundo Ferreira (2002), as motivações do pesquisador em produzir um “estado do
4
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
conhecimento” podem ser várias, como: buscar o que ainda não foi feito; dedicar-se a pesquisas
dificilmente encontradas; dar conta de compreender determinado saber; e divulgar estes saberes
para a sociedade. Ou seja, o pesquisador pode escolher ou encontrar diferentes motivos para
realizar um “estado do conhecimento”, porém, existem contribuições que vão além das
motivações e expõe a importância deste recurso, como destacam Romanowski e Ens (2006, p.
39):
Estados da arte podem significar uma contribuição importante na constituição
do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os
aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as
restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de
disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem
alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as
contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada.
Apesar das contribuições significativas podem ser encontrados desafios, entre eles está
a ampla carga de trabalho no qual produzir um “estado do conhecimento” demanda. Ou a falta
de trabalhos que possam corroborar com a sua pesquisa, o que pode também ser considerado
um ponto positivo, visto que pode caracterizar a pesquisa como inovadora. Existem, ainda, para
Ferreira (2002, p. 269) lacunas, ambiguidades, singularidades que podem ser encontradas nas
leituras, denotando que não como existir uma compreensão linear das produções acadêmicas,
mas é o pesquisador quem vai ler e construir uma das possíveis histórias, pois “a História da
produção acadêmica é aquela proposta pelo pesquisador que lê. Haverá tantas Histórias quanto
leitores houver dispostos a lê-las”.
O CAMINHO PERCORRIDO ATÉ AS PESQUISAS
Romanowski e Ens (2006, p. 43) elaboraram um roteiro para a produção de um “estado
do conhecimento” e apresentam as etapas que consideram necessárias. Começando pela
definição dos descritores a serem utilizados nas plataformas de busca. Entretanto, no “estado
do conhecimento” aqui apresentado, os descritores ‘atendimento à infância’ se mostraram
genéricos e amplos, visto que abrange mais de uma área do conhecimento, além da educação
abrange principalmente a saúde. Dessa forma, gerou-se uma incógnita sobre as temáticas dos
artigos que seriam encontrados e se estes iriam realmente corroborar com a pesquisa ou tornar
o processo de seleção lento e exaustivo.
A segunda etapa apresentada por Romanowski e Ens (2006) é a escolha dos bancos de
pesquisa e catálogos. Na maioria das pesquisas de “estados do conhecimento” as buscas são
5
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
realizadas nos principais repositórios acadêmicos, que apresentam uma seleção de artigos e
trabalhos conforme os descritores utilizados. São reconhecidos e muito utilizados pela
comunidade acadêmica o portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) ou a Scientific Electronic Library Online (SciELO). Entretanto, visto que a
temática do projeto, à qual este excerto pertence, é ampla e genérica, optamos por outro
caminho e fugimos do habitual: selecionamos as principais revistas específicas em Educação e
História da Educação, para então buscar nas suas edições mais recentes artigos sobre a temática.
A terceira, quarta e quinta etapa se referem à busca em si, por meio de estabelecimento
de critérios, levantamento de pesquisas e a própria produção de informação. Assim, em um
primeiro momento a busca foi realizada em periódicos que faziam parte do conhecimento
dos autores, das mais diversas universidades e associações do país. Entre elas se destacam a
Revista História da Educação, da Associação Sul-riograndense de Historiadores da Educação
(ASPHE); a Revista Brasileira de História da Educação, da Sociedade Brasileira de História da
Educação (SBHE); a Revista Brasileira de Educação, da Associação Nacional de Pesquisa em
Educação (ANPEd); e a Educação em Revista, da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em que obtivemos um maior número de resultados. A Revista Educação e Realidade
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também foi consultada neste primeiro
momento, porém o único artigo encontrado não se enquadrou suficientemente na temática.
Após esta primeira busca, decidimos consultar em revistas que não conhecíamos,
portanto realizamos uma busca por revistas no Currículo Lattes de Moysés Kuhlmann Jr.,
considerado pela academia um dos principais autores da temática História da Educação Infantil.
Localizamos revistas em que o próprio pesquisador publicou e em que seus orientandos
publicaram. Por meio desta busca foi realizado um levantamento de nove periódicos em que
poderíamos pesquisar. Entretanto, dois destes periódicos não apresentaram repositórios online
disponíveis, um não era da temática educacional, um apresentou erros no sistema online e em
outros dois não encontramos artigos da temática. Portanto, os periódicos encontrados nos
currículos Lattes que se mostraram interessantes para a pesquisa se reduziram a três, sendo eles:
Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas; Cadernos de História da Educação, da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU); e a Revista Diálogo Educacional da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Assim, entre os meses de março e abril do ano de 2021 realizamos buscas nos periódicos
citados, buscando por artigos que abordassem a temática de atendimento à
infância/criança/bebê em uma perspectiva histórica. Dessa forma foram visitadas todas as
edições dos últimos 21 anos (de 2000 a 2021), sem o uso de descritores, mas lendo títulos,
6
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
resumos e palavras-chave de todos os trabalhos para uma primeira seleção. Com esta busca
foram elencados 51 trabalhos que se aproximavam da temática, entretanto, foi preciso
estabelecer critérios de seleção para que os artigos lidos se aproximassem ao máximo e
corroborassem com o projeto. Todos estes trabalhos foram catalogados para facilitar a
organização.
Sete critérios de exclusão foram estabelecidos para selecionar os artigos com aspectos
que não iriam corroborar com a pesquisa: não se trata de um artigo, mas sim de uma resenha ou
transcrição de obra; é uma pesquisa fora do contexto nacional brasileiro; aborda a concepção
ou representação da infância sem relação com as instituições de atendimento; aborda a educação
pela família; aborda a educação primária; apresenta discursos sobre puericultura voltado às
famílias; e não apresenta abordagem histórica na pesquisa. Assim, após aplicação dos critérios
chegamos a um total de 20 publicações relevantes que contribuiriam para a pesquisa. O Quadro
1 apresenta o número de artigos encontrados em cada periódico e o respectivo número de artigos
selecionados.
QUADRO 1 Número de artigos por periódico
Periódicos
Encontrados
Selecionados
Revista História da Educação
18
7
Revista Brasileira de História da Educação
9
3
Revista Brasileira de Educação
6
2
Educação e Realidade
1
0
Educação em Revista
5
2
Cadernos de Pesquisa
3
2
Cadernos de História da Educação
8
3
Revista Diálogo Educacional
1
1
TOTAL
51
20
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Após, a busca e seleção dos artigos, realizou-se uma contraprova por meio de uma busca
nos repositórios da CAPES e da SciELO para verificar se encontraríamos trabalhos diferentes
dos selecionados. Entretanto, utilizando os descritores “atendimento à infância” encontramos
um número menor de trabalhos, os quais já haviam sido elencados nas revistas ou não estavam
relacionados à temática, confirmando nossa hipótese de que com essa forma de levantamento
de trabalhos teríamos maiores dificuldades.
7
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
É preciso destacar a catalogação que realizamos com os artigos encontrados nos
periódicos, pois foi de suma importância no momento da seleção deles. Produzimos tabelas
para cada periódico com informações relevantes como: título do artigo; ano de publicação;
edição da revista; resumo ou palavras-chave; e autor; além de um código produzido para cada
revista. Os códigos auxiliaram na organização dos arquivos para posterior seleção e leitura, por
exemplo a Revista História da Educação recebeu o código RHE000, e cada artigo encontrado
nesta revista recebia uma numeração RHE001, RHE002, e assim por diante. Então, o arquivo
PDF do artigo era nomeado com este código, mantendo-os organizados.
Depois, no momento de seleção dos artigos, as palavras-chave e resumos foram
importantes para agilizar o processo e os códigos foram úteis para facilitar a localização para a
leitura. Para Ferreira (2002, p. 265) este primeiro momento de interação com a produção
acadêmica acontece “através da quantificação e de identificação de dados bibliográficos, com
o objetivo de mapear essa produção num período delimitado, em anos, locais, áreas de
produção”, ou seja, é a própria catalogação.
Voltando às etapas do “estado do conhecimento” estabelecidas por Romanowski e Ens
(2006) temos as últimas. A sexta etapa se dedica à leitura das publicações, com elaborações de
sínteses, “considerando o tema, os objetivos, as problemáticas, metodologias, conclusões, e a
relação entre o pesquisador e a área” (ROMANOWSKI, ENS, 2006, p. 43), enquanto a sétima
é a organização das sínteses produzidas e a última etapa aborda a análise e as conclusões sobre
esse processo. Estas etapas serão abordadas no próximo subtítulo.
O ENCONTRO COM AS PESQUISAS
O “estado do conhecimento” se tornou uma das principais etapas para a reflexão e escrita
final da pesquisa de Mestrado do qual faz parte, pois abrange a temática “atendimento à
infância” a partir de diferentes cadas e diferentes olhares. Além disso, o recurso trouxe
contribuições importantes para a produção de um panorama sobre o atendimento à infância. As
pesquisas encontradas não são citadas neste artigo, pois o objetivo aqui é demonstrar como foi
realizado o “estado do conhecimento” e não dissertar sobre as categorias construídas e nossas
análises realizadas. Entretanto, é importante destacar algumas reflexões feitas durante a leitura
dos artigos.
Para Ferreira (2002, p. 265), quando o pesquisador organiza os artigos encontrados em
sua busca ele tem dois momentos distintos: o primeiro está relacionado aos dados biográficos,
ou seja, a própria catalogação já explanada; e o segundo momento é quando “o pesquisador se
8
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
pergunta sobre a possibilidade de inventariar essa produção, imaginando tendências, ênfases,
escolhas metodológicas e teóricas, aproximando ou diferenciando trabalhos entre si, na escrita
de uma história de uma determinada área do conhecimento”. Ou seja, é quando o pesquisador
realiza a leitura das pesquisas e produz análises em busca de algo que as aproxime ou de algo
que as diferencie entre si.
Para Romanowski e Ens (2006, p. 39), realizar um “estado do conhecimento” não deve
se restringir a identificar a produção sobre determinada temática, “mas analisá-la, categorizá-la
e revelar os múltiplos enfoques e perspectivas”. Portanto, após a leitura dos artigos encontrados
e selecionados produziu-se uma análise sobre cada um em forma de resumo. Ferreira (2002)
questiona se a leitura dos resumos é suficiente para compreender as pesquisas, por isso, no
“estado do conhecimento” aqui relatado os trabalhos foram lidos na íntegra e assim, elaborados
resumos que abarcam os destaques das pesquisas.
Soares (2000, p. 9) também afirma que o pesquisador precisa ordenar o conjunto de
informações e resultados obtidos no “estado do conhecimento”, criando uma “ordenação que
permita a indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, aparentemente
autônomas, a identificação de duplicações ou contradições e a determinação de lacunas ou
vieses”. Portanto, após ler, analisar e produzir sínteses ou resumos é preciso organizá-los.
Então, observando os artigos lidos e as diferentes temáticas que apareceram optamos por
organizá-los em grupos temáticos. Os grupos serviram para separar os artigos que se
aproximavam, e assim, os resumos produzidos com breves análises dos trabalhos foram
separados e agrupados.
A organização não se deu de forma cronológica, como se esperaria de um “estado do
conhecimento” na área da História, mas aconteceu conforme as aproximações das temáticas
dos trabalhos. Dessa forma, as temáticas passeiam pelas décadas, sem uma ordem cronológica
definida. Os grupos temáticos criados estão expostos no Quadro 2, bem como o número de
trabalhos em cada um. Ressalta-se que houve grupos com apenas um trabalho, mas é justamente
porque eles não se aproximavam de nenhum outro.
QUADRO 2 Grupos temáticos
Número de artigos
1
5
3
9
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
3
1
7
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).
Os grupos temáticos auxiliaram a compreender o panorama gerado pelos trabalhos, que
abarcam diferentes períodos históricos, além das diferentes temáticas. Assim, tornou-se mais
fácil compreender como aconteceu o atendimento à infância no contexto brasileiro, auxiliando
na contextualização histórica do projeto. Kuhlmann Jr. (2015, p. 6) destaca a importância em
observar as histórias do atendimento à infância, ou mais recentemente, da Educação Infantil,
pois “quando se desvaloriza a história por ela se ocupar do que já passou, o risco está na ilusão
de se inventar a roda novamente”.
O grupo temático “Estado da Arte” engloba um artigo que realiza um levantamento
bibliográfico sobre a mesma temática do projeto, porém resgatando trabalhos anteriores ao
período selecionado. O segundo grupo “Concepção de infância e sua relação com o atendimento
à infância” é composto por cinco trabalhos que realizam panoramas sobre a concepção de
infância e como ela influenciou diretamente à infância, ou ainda, descrevem o cenário geral
deste atendimento. O próximo grupo reúne 3 trabalhos com a temática “Concepção de infância
e de atendimento a partir da visão de personagens importantes” e apresentam estes personagens,
suas ideias e mudanças que realizaram no atendimento à infância.
A “Perspectiva de impressos sobre a infância e o atendimento” também foi abordada em
três artigos e compõe um grupo temático. O grupo temático “Associação destinada à
filantropia” é composto por um trabalho que apresenta uma associação, a filantropia era uma
atitude comum para suprir as necessidades de atendimento da infância. Os demais trabalhos,
totalizando sete, agrupados em “Histórias de instituições de atendimento ou de municípios”,
apresentam estas histórias a partir de diferentes espaços.
Uma das decisões que permitiu encontrar trabalhos relevantes e construir este panorama
o mais completo possível foi a busca pelos artigos diretamente nas revistas, sem a utilização de
portais únicos e descritores genéricos. Assim, foi possível elencar um maior número de
trabalhos, que não teriam sido encontrados nos repositórios, como foi observado na
“contraprova” realizada, que encontrou um número consideravelmente menor de artigos. Esta
amplitude permitiu a leitura e compreensão de mais pesquisas que corroboraram com o projeto.
10
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os artigos estudados neste “estado do conhecimento” permitiram uma construção
histórica do atendimento à infância no contexto brasileiro, e revelaram questões importantes
que o permearam, como, por exemplo, o Higienismo. O Higienismo no Brasil ocorreu no final
do século XIX e início do século XX, se caracterizando por ser um movimento de valorização
e promoção da saúde da população, principalmente por meio do ensino de cuidados e hábitos
de higiene (CARVALHO, 2006). A partir dessa e de outras questões foi possível perceber como
interesses políticos direcionaram as modalidades de atendimento à infância, ora recolhendo
crianças abandonadas para “limpar as ruas” e ora permitindo a entrada das mulheres mães no
mundo do trabalho.
A Educação Infantil, hoje, apresenta traços de várias experiências anteriores
relacionados ao caráter assistencial e ao caráter educacional. Porém, como destaca Kuhlmann
Jr. (2015, p. 7) “a história, embora tratando do passado, do que já aconteceu, é dinâmica e exige
a ampla pesquisa e a crítica das fontes, que renova interpretações e exige procedimentos
próprios de investigação e análise”. Ou seja, mesmo que a temática tenha sido pesquisada,
ela pode vir a ser observada de outra maneira, com outra metodologia ou a partir de outro objeto.
Ao observar as metodologias escolhidas nas pesquisas percebe-se uma similaridade que
privilegia documentos escritos, o que chama a atenção para um possível detrimento de fontes
diversas, como por exemplo, a memória, estudada pela História Oral. A História Oral não serve
como coadjuvante para preencher lacunas deixadas pelos outros documentos e também não é a
verdade em si, como qualquer outro documento também não o é, porém, como destacam
Grazziotin e Almeida (2012, p. 29) “ao trabalhar com memórias, encontramos um conjunto de
traços e recordações em que foi possível perceber formas de pensar, causas, ocasiões ou fatos
que, de alguma maneira, permitiram construir um sentido e uma organização para as Histórias
que escolhemos contar”. Ou seja, a História Oral tem muito a contribuir com a pesquisa sobre
o atendimento à infância e foi pouco ou nada utilizada nas pesquisas encontradas no “estado do
conhecimento”.
destaque, ainda, para as poucas pesquisas que apresentam uma abordagem histórica,
com caráter historiográfico, pois a maioria realiza somente uma descrição dos acontecimentos,
construindo uma teoria, mas não problematizando as questões que permeiam. Assim, os
documentos analisados legitimam as teorias esperadas, sem uma margem para interpretação e
sem hipóteses contrárias. uma pesquisa amparada pela História Cultural, como o projeto ao
qual pertence o “estado do conhecimento” aqui apresentado, procura questionar a verdade
11
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
legitimada. Pois, como afirma Pesavento (2014, p. 115), em uma pesquisa historiográfica “há
mais dúvidas do que certezas, o que compromete o pacto da História com a verdade”, assim,
busca-se uma versão possível, uma verossimilhança com um compromisso com a verdade, mas
sem nomear-se a verdade em si.
Apesar de adotarem metodologias diferentes da que será utilizada na pesquisa a qual o
“estado do conhecimento” pertence, os trabalhos foram importantes para a construção do
contexto histórico, pois apresentam diferentes perspectivas sobre o atendimento à infância, a
partir de diferentes décadas. Ferreira (2002, p. 270) afirma que esse conjunto de trabalhos que
encontramos em um estado do conhecimento” produz uma “rede de vários fios que se cruzam,
que se rompem, que se unem, que se questionam dependendo do ponto que se estabelece como
partida em cada texto”. Assim, apesar dos rompimentos e das ressalvas, há uniões e pontos que
contribuem.
A autora destaca, ainda, que quando pesquisamos sobre uma temática, “é possível ler
em cada resumo e no conjunto deles outros enunciados, outros resumos, outras vozes, e perceber
a presença de certos aspectos significativos do debate sobre determinada área de conhecimento,
em um determinado período” (FERREIRA, 2002, p. 270). Ou seja, em cada artigo que lemos,
em cada resumo que produzimos, encontramos um pouco do que outro autor já nos disse e um
pouco do que o próximo nos dirá, e nesse encontro o pesquisador se encanta produzindo um
levantamento bibliográfico sobre a sua temática de pesquisa.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Rodrigo Saballa de. A emergência das Instituições de Educação Infantil. Revista
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPEL, Pelotas, n. 20, p. 115-134, set. 2006. Disponível
em: https://seer.ufrgs.br/asphe/article/view/29261/pdf. Acesso em: 11 nov. 2021.
FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas “Estado da Arte”.
Educação & Sociedade, Campinas, ano XXIII, 79, p. 257-272, ago. 2002. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/es/a/vPsyhSBW4xJT48FfrdCtqfp/?lang=pt&format=pdf. Acesso em:
11 nov. 2021.
GRAZZIOTIN, Luciane Sgarbi S.; ALMEIDA, Dóris Bittencourt. Romagem do Tempo e
Recantos da Memória: Reflexões metodológicas sobre História Oral. São Leopoldo: Oikos,
2012, 112 p.
KUHLMANN JR, Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. 7 ed.
Porto Alegre: Editora Mediação, 2015, 192 p.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica,
12
Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 9, p. 1-12, e023025, 2023.
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17253
Ridphe_R
2014, 132 p.
ROMANOWSKI, Joana Paulin; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do tipo
“Estado da arte” em Educação. Diálogo Educacional, Curitiba, v. 6, n.19, p.37-50, set./dez.
2006. Disponível em:
https://periodicos.pucpr.br/dialogoeducacional/article/view/24176/22872. Acesso em: 11 nov.
2021.
SOARES, Magda Becker; MACIEL, Francisca. Alfabetização: Série Estado do Conhecimento.
Brasília: MEC/Inep/Comped, 2000. Disponível em:
http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484330/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o/f9ddff4f-
1708-41fa-82e5-4f2aa7c6c581?version=1.3. Acesso em: 11 nov. 2021.
Recebido em: 01 de março de 2023
Aceito em: 11 de dezembro de 2023