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DE MEMÓRIAS E AFETOS:
DIÁLOGOS COM EX-ALUNOS DOCENTES DA FEUSP
Elizabeth dos Santos Braga
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Brasil
elizabeth.braga@usp.br
Roni Cleber Dias de Menezes
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Brasil
roni@usp.br
RESUMO
O presente artigo resulta da análise de depoimentos produzidos em outubro de 2019 quando da
comemoração dos 50 anos da crião da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(Feusp) e dos 60 anos da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo (EA-Feusp) junto a seis ex-alunos(as) da Feusp, os(as) quais, tendo ingressado no
curso em distintos momentos, tornaram-se, anos depois de terem concluído a graduação em
Pedagogia, docentes na instituição. Com o material buscou-se tematizar a elaboração das
memórias pelos sujeitos a respeito da própria instituição, de seus itinerários formativos e dos
nexos destes com os acontecimentos mais amplos na esfera potica, social, cultural e
educacional.
Palavras-chave: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Memória. Roda de
conversa.
ON MEMORIES AND AFFECTIONS:
DIALOGUES WITH FORMER STUDENTS PROFESSORS OF FEUSP
ABSTRACT
This article results from the analysis of statements produced in October 2019 when
commemorating the 50th anniversary of the creation of the Faculty of Education of the
University of São Paulo (Feusp) and the 60th anniversary of the School of Application of the
Faculty of Education of the University of São Paulo (EA-Feusp) with six former students of
Feusp, who, having joined the course at different times, became, years after completing their
graduation in Pedagogy, professors at the institution. With the material, we tried to thematize
the elaboration of memories by the subjects about the institution itself, their formative
itineraries and their connection with broader events in the political, social, cultural and
educational spheres.
Keywords: Faculty of Education of the University of São Paulo. Memory. Conversation
circle.
A PROPOS DE SOUVENIRS ET D'AFFECTS :
DIALOGUES AVEC DES ANCIENS ÉLÈVES MEMBRES DU CORPS
ENSEIGNANT DE LA FEUSP
RÉSUMÉ
Cet article résulte de l'analyse de témoignages produits en octobre 2019 lors de la
commémoration du 50e anniversaire de la création de la Faculté d'Éducation de l'Université de
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São Paulo (Feusp) et du 60e anniversaire de l'École d'Application de la Faculté d'Éducation de
la Université de São Paulo (EA-Feusp) auprès de six anciens élèves de la Feusp, qui, ayant
commencé le cours à différents moments, sont devenus, professeurs de cette institution, des
années après avoir obtenu leur diplômes en pédagogie. A partir de ce matériel, nous avons
cherché à thématiser l'élaboration de souvenirs par les sujets sur l'institution elle-même, ses
itinéraires de formation et leur lien avec des événements plus larges dans de différentes
sphères : politique, sociale, culturelle et éducative.
Mots-clés: Faculté d’Éducation de l’Université de São Paulo. Mémoire. Cercle de conversation.
DE RECUERDOS Y AFECTOS:
DIÁLOGOS CON PROFESORES EX ALUMNOS DE LA FEUSP
RESUMEN
Este artículo resulta de la análisis de testimonios producidos en octubre de 2019, en las
celebraciones de los 50 os de la creación de la Facultad de Educación de la Universidad de
São Paulo (FEUSP) y los 60 años de la Escuela de Aplicación de la Facultad de Educación de
la Universidad de São Paulo (EA-FEUSP), por seis ex alumnos de la facultad que, habiendo
ingresado al curso de Pedagoa en diferentes momentos, se convirtieron, años después de
terminar la licenciatura, en profesores de la institución. Con el material se buscó tematizar la
elaboración de memorias por los sujetos sobre la propia institución, sus itinerarios formativos
y su nexo con acontecimientos más amplios en los ámbitos potico, social, cultural y educativo.
Palabras clave: Facultad de Educación de la Universidad de São Paulo. Memoria. Círculo de
conversación.
Não há paraíso nem para a memória nem para o esquecimento.
Só o trabalho de ambos e modos de trabalho que têm uma história.
Uma história a se fazer.
(Marcel Detienne, A invenção da mitologia, 1992, p. 14)
INTRODUÇÃO
A história da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp) remonta
aos primeiros anos da década de 1930, quando é criado o Instituto de Educação em São Paulo
(1933), decorrente da publicação do Código de Educação, durante a gestão de Fernando de
Azevedo à frente da Diretoria de Instrução Pública do estado de São Paulo. Em 1934 o Instituto
de Educação é incorporado à recém-criada Universidade de São Paulo (USP)
1
, ato que aparece
1
Conforme Bontempi Jr. (2011), tal incorporação, excetuando-se as justificativas de razoabilidade técnica,
administrativa e epistemológica, integrava a própria configuração do campo educacional naqueles anos 1930, em
que [...] uma conjunção de fatores, tais como disputas internas pelo poder na universidade, interesses profissionais
dos discentes, rivalidades entre as áreas do conhecimento e lutas por status” (BONTEMPI JR., 2011, p. 188),
desempenharam impacto decisivo na configuração das propostas e modelos de formação docente tanto no interior
da USP quanto dos dirigentes e intelectuais da educação do período.
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no Decreto de fundação de 25 de janeiro. Quatro anos depois, em 1938
2
, com o Decreto
Estadual 9.268-A, de 25 de julho, o Instituto de Educação é extinto e, como Seção de Educação
(4ª Seção), passa a fazer parte da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (FFCL-
USP). No mesmo ano, em consequência do Decreto Estadual 9.403, de 10 de agosto, definiu-
se a transferência do pessoal lotado no Instituto e de seu acervo para a 4ª seção da FFCL-USP
3
(ANTUNHA, 1975). Com a supressão do Instituto de Educação, a formação de professores
secundários se concentrou na FFCL-USP, por meio de sua Seção de Educação, ficando a
formação docente em vel primário a cargo da Escola Normal Caetano de Campos.
As a definição do primeiro regimento interno da FFCL-USP, instituído por força do
Decreto 12.038, de 7 de julho de 1941, em conformidade com as alterações promovidas pelo
Decreto 12.511, de 21 de janeiro de 1942, a Seção de Educação passa se chamar Seção de
Pedagogia, organizando-se então em três cadeiras: Administração Escolar e Educação
Comparada, História e Filosofia da Educação e Psicologia da Educação. Como assinala Santos
(2015), a cadeira de Didática Geral e Especial “[...] compunha uma seção distinta e não era
parte da Seção de Pedagogia da FFCL-USP”, tendo se reunido apenas em 1962, quando da
criação do Departamento de Educação (SANTOS, 2015, p. 46). Em 1962, com a criação do
Departamento de Educação, o curso de Pedagogia é reestruturado, tendo sido estabelecidos dois
grandes núcleos: um de natureza “comum”, destinado aos estudantes matriculados nos diversos
cursos da FFCL, e que contava com as disciplinas de Pticas de Ensino, Metodologia e
Didática; e outro de caráter específico”, abarcando nomeadamente três áreas de atuação:
Administração Escolar e Educação Comparada, História e Filosofia da Educação e Metodologia
Geral de Ensino e Disciplina Autônoma de Orientação Educacional (VIDAL; BONTEMPI JR.;
SALVADORI, 2016). Conforme esses autores,
[...] a disposição interna do Departamento de Educação em três cadeiras
apresentava sinais daqueles que viriam a ser os três departamentos da
Faculdade de Educação, separada da Faculdade de Filosofia, Ciências e
2
As instituições que antecederam a Faculdade de Educação Instituto de Educação (1933-1938), Seção de
Educação da FFCL-USP (1938-1942) e Seção de Pedagogia da FFCL-USP (1942-1962) funcionaram no edifício
que abrigava a então Escola Normal Secundária de São Paulo, Escola Normal Caetano de Campos, situada na
Praça da República e que atualmente abriga a Secretaria estadual de Educação. A partir de 1962, quando é criado
o Departamento de Educação, as atividades são transferidas para um prédio do CRPE-SP (Centro Regional de
Pesquisas Educacionais de São Paulo), localizado na Cidade Universitária, na antiga Fazenda Butantã, zona Oeste
da cidade de São Paulo. Com a criação da Faculdade, em dezembro de 1969, o curso de pedagogia permanece no
mesmo local, onde se mantém aos dias atuais, com algumas ampliações e intervenções no prédio original
(ANTUNHA, 1974; FÉTIZON, 1994; BONTEMPI JR., 2011; SANTOS, 2015).
3
Em 1939 a Seção de Educação passa a se chamar Seção de Pedagogia, “[...] acompanhando o novo formato
previsto para funcionar em todas as universidades brasileiras pelo Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril” do mesmo
ano (VIDAL; BONTEMPI JR.; SALVADORI, 2016, p. 1424-1425) e depois, em 1962, Departamento de
Educação (ANTUNHA, 1975, p. 35).
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Letras, criada a partir do Decreto 52.326 de 1969, que aprovava o Estatuto da
Universidade de São Paulo. (São Paulo, 1969, p. 242). (VIDAL; BONTEMPI
JR.; SALVADORI, 2016, p. 1431)
Assim, a área de Administração Escolar e Educação Comparada engendrou o
Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA) (separando-se deste
a disciplina de Educação Comparada, que veio a se integrar ao EDM); de Metodologia Geral
do Ensino surgiu o Departamento de Metodologia Geral de Ensino e Educação Comparada
(EDM); e da área de História e Filosofia da Educação resultou o Departamento de Filosofia da
Educação e Ciências da Educação (EDF) (SANTOS, 2015, p. 181). Nesses moldes, criada
formalmente pelo decreto supra, de 16 de dezembro de 1969, cuja promulgação resultou dos
efeitos produzidos pela Reforma do Ensino Superior (Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968),
nascia a Faculdade de Educação, a qual principia suas atividades em de janeiro de 1970.
Penin e Souza (2010) assinalaram que a reforma universitária que levou à criação da
Feusp trazia em seu bojo a intencionalidade de organizar um currículo de matiz mais técnica,
[...] isolando as demandas da educação fundamental das demandas da universidade como um
todo(PENIN; SOUZA, 2010, p. 19). Ainda conforme as autoras, [...] a rápida expansão do
ensino superior privado e o freio colocado sobre o crescimento das universidades blicas
tentaram desarticular a relação entre a formação de pesquisadores e a formação de professores”
(idem, p. 19). O enfrentamento a essas duas disjuntivas atravessou a hisria da Faculdade de
Educação nesses pouco mais de 50 anos de vida. A organização do curso, os itinerários
formativos, o fortalecimento institucional da pesquisa obtido com a criação do Programa de
Pós-graduação, em 1971 , a interlocução com outras unidades de ensino na própria USP, com
outras instituições de ensino superior e com atores variados do campo educacional, o
movimento estudantil e as demandas postas pelas necessidades de formação e qualificação
docente, em perspectiva diacrônica, são outros temas que regularmente comparecem nas
tentativas de se debruçar sobre a história da Feusp. No exercício que segue, espécie de exegese
sobre a reelaboração de alguns desses temas por parte de ex-alunos e ex-alunas da instituição e
atualmente docentes na casa, lançamo-nos ao empreendimento de inteligir a propósito de como
as memórias estudantis acionam a verve analítica na reconfiguração dos itinerários individuais
e destes em conexão com a faculdade e, em função das circunstâncias, em comércio também
com aspectos mais gerais do desenvolvimento das ciências da educação, da formação docente,
do movimento estudantil e da potica educacional.
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RODA DE CONVERSA COM EX-ALUNOS(AS) QUE SE TORNARAM DOCENTES
Em 2019 foram celebradas duas efemérides na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (Feusp). Os 50 anos da criação do próprio estabelecimento de ensino
superior e os 60 anos da Escola de Aplicação da Feusp
4
. Ao longo de todo o ano, variadas
atividades foram realizadas para celebrar e refletir, incluindo seminários, exposições, varal de
memória, mesas-redondas, entrevistas e rodas de conversa com ex e atuais funcionários
docentes e não docentes e estudantes, além de publicações acadêmicas.
Este artigo focaliza uma dessas atividades, realizada em 30 de outubro de 2019,
representada por uma roda de conversa com ex-alunos(as) do curso de Pedagogia que
posteriormente se tornaram docentes na instituição, observando-se, tanto quanto foi possível
um equilíbrio entre os participantes quanto aos departamentos que atualmente integram na
qualidade de professores(as). Participaram da roda as ex-alunas
5
Maria Cecilia Cortez
Christiano de Souza (1969-1972)
6
, Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento (1976-1981)
7
,
Carlota Josefina Malta Cardozo dos Reis Boto (1980-1983)
8
e Sonia Maria Portella Kruppa
(1980-1985)
9
e os ex-alunos José Sérgio Fonseca de Carvalho (1983-1989)
10
e Marcos Garcia
Neira (1991-1996)
11
. A condução esteve a cargo dos autores do presente artigo e contou ainda
4
A criação da Escola de Aplicação da Feusp está relacionada à Escola de Demonstração, erigida pelo Centro
Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE-SP) em 1959, no local em que atualmente está instalada
a Feusp. Um pouco antes da extinção oficial do CRPE-SP, que ocorre em 1974, a Escola de Demonstração é
vinculada à Feusp, em 1972, assumindo seu nome atual, Escola de Aplicação (GORDO, 2010, p. 47-48).
5
Em parênteses os anos de início e término do curso de Pedagogia.
6
Maria Cecilia Cortez Christiano de Souza é professora titular aposentada da Feusp. Professora na graduação e
pós-graduação, ao longo de sua trajetória acadêmica, Maria Cecilia pesquisou os seguintes temas: relações étnico-
raciais na escola; memória e cultura escolares; história das instituições escolares; história da profissão docente;
arquivos e documentação escolares; formação de professores; história da psicologia e da psicanálise na educação
brasileira.
7
Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento é professora associada do quadro ativo de docentes da Feusp. Atuando
na graduação es-graduação, pesquisa atualmente os seguintes temas: educação infantil (com destaque à temática
das creches); sociologia da infância; relações geracionais, políticas públicas e direitos da inncia.
8
Carlota Josefina Malta Cardozo dos Reis Boto é professora titular da Feusp e, no presente, chefe do Departamento
de Filosofia da Educação e Ciências da Educação, gestão 2021-2023. Professora na graduação e na pós-graduação,
pesquisa atualmente os seguintes temas: história da cultura escolar; história da escola e dos processos de
escolarização; história do pensamento e das práticas pedagógicas; história dos intelectuais e historiografia;
filosofia e história das ideias pedagógicas; circulação cultural e história transnacional da educação; direitos
humanos, democracia, política e memória.
9
Sonia Maria Portella Kruppa é professora doutora da Feusp. Atuando na graduação e na pós-graduação, pesquisa
atualmente os seguintes temas: Estado; políticas públicas; planejamento e avaliação; organismos multilaterais de
cooperação (Banco Mundial); educação de jovens e adultos; formação de professores; economia solidária.
10
JoSérgio Fonseca de Carvalho é professor titular e, no presente, presidente da Comissão de Pós-graduação
em Educação da Feusp, gestão 2020-2022. Professor na graduação e na pós-graduação, pesquisa atualmente os
seguintes temas: direitos humanos, democracia, política e memória; hermenêutica e educação; potica e educação
nas obras de Hannah Arendt e Jacques Rancière.
11
Marcos Garcia Neira é professor titular e, no presente, diretor da Feusp, gestão 2018-2022. Professor na
graduação e na s-graduação, pesquisa atualmente os seguintes temas: educação física escolar; currículo;
formação de professores; teorias pós-críticas.
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com o contributo das funcionárias do Setor Técnico de Comunicação e dia da faculdade,
Lilian Curiel Passeri e Maria Clara Bueno, responsáveis por gravar a atividade e,
posteriormente, realizar todo trabalho de edição do material audiovisual.
FIGURA 1 - Roda de conversa - Biblioteca da Feusp - 30 de outubro de 2019
Da esquerda para a direita: Sônia Maria Portella Kruppa, Marcos Garcia Neira, José Sérgio, Fonseca
de Carvalho, Carlota Josefina Malta Cardozo dos Reis Boto, Maria Letícia Barros, Pedroso
Nascimento e Maria Cecilia Cortez Christiano de Souza.
Fonte: Acervo do Setor de Comunicação e Mídia da Feusp.
Para além da riqueza de cada um dos itinerários dos/as participantes, tivemos a fortuna
de abranger, exclusivamente nos referindo ao períodos em que cada um cursou a graduação,
um arco temporal que vai do início dos anos 1970 quando ingressa na Feusp Maria Cecília
Cortez até a primeira metade dos anos 1990 época de estudos de Marcos Garcia Neira,
percorrendo, desse modo, épocas distintas que puderam ser sopesadas a partir de ângulos que
se diferenciaram tanto pelas experiências individuais quanto pelas configurações temporais a
que cada um dos integrantes esteve afeto.
Alguns aspectos dos relatos
12
dos participantes da roda se repetem, com suas
respectivas particularidades, em fuão das perguntas feitas pelos condutores/entrevistadores,
do período histórico em que viveram antes, durante ou logo após a ditadura militar no Brasil
12
Os relatos foram transcritos por Beatriz Braga Coelho. Os nomes dos sujeitos estão abreviados pelas primeiras
letras e os cortes realizados marcados por [...]. Foi feita uma seleção em função do que queamos realçar e algumas
marcas de oralidade foram retiradas, assim como pequenas alterações feitas para melhorar a leitura e a
compreensão. Os fragmentos das falas foram revistos pelos entrevistados e alguns sugeriram pequenos acréscimos
ou alterações. Quando os relatos são citados no corpo do texto aparecem em itálico e, no caso de ênfase em algum
trecho, este é posto em negrito.
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e da própria situação da roda de conversa. Optamos por comentar alguns desses aspectos,
muitas vezes entretecendo e realçando elementos da história coletiva. Também mantivemos a
ordem do dia da roda de conversa, já que algumas falas aparecem como respostas ou
comentários às precedentes. Além disso, os relatos estão quase na íntegra, pois entendemos que
seus autores são personagens importantes da(s) história(s) contada(s) e vivida(s). Suas vozes
são nossa matéria-prima. A cada um(a), agradecemos enormemente por compartilhar conosco
e com a posteridade tão ricos depoimentos que mesclam histórias de sujeitos individuais, de
grupos e da instituição.
MEMÓRIAS DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
A primeira participante a se debruçar sobre sua experiência feuspiana foi Maria Cecilia
Cortez, que inicia o curso de Pedagogia ainda em 1969, vivenciando concomitantemente, assim,
o processo de transformação de Departamento de Educação em Faculdade de Educação.
Anteriormente, entre 1966 e 1968, cursara Ciências Sociais na FFCL-USP. São vários aspectos
invocados em suas reminiscências. Prendendo-nos a um elemento associado à alteração da
configuração formal do curso de Pedagogia naquela virada dos anos 1960 para 1970, ressalta
na fala de Cecília Cortez o componente da forte vivência extraescolar dos estudantes,
favorecido pela manutenção das mesmas turmas durante os anos de formação, mas também
indicativo de um traço da sociabilidade acadêmica e de outras condições que atuavam na vida
dos(as) alunos(as) na São Paulo da época. Cecília viveu também o recrudescimento da ditadura
militar pós 1968. Ainda na FFCL, não apenas assistiu como foi alvo da perseguição estudantil
que se intensificou ao longo de seu último ano no curso de Ciências Sociais, ocasionando rias
pries e mortes. Todo esse cenário impactou os rumos seguidos já na Feusp. Conforme Cecília,
seu perfil de aluna era já outro em comparação com a época em que cursara Ciências Sociais.
O medo da vigilância a acompanhou nesses anos de graduação. Ao mesmo tempo, ao revisitar
em lembraa esse período inicial da Feusp, uma imagem bastante forte se projeta na memória:
a de alguns de seus professores que teriam desempenhado um papel preponderante não apenas
do ponto de vista da expertise dos respectivos campos de atuação, mas também pela inspiração
como modelos intelectuais, especialmente no contraponto à tradição catedrática que se fazia
presente no tirocínio de rios docentes naqueles primeiros anos da nova instituição.
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FIGURA 2 - Turma do Curso de Pedagogia - diurno - 1972
Cecília Cortez é a aluna ao fundo, à direita.
Fonte: Acervo pessoal da Profa. Cecília Cortez
E: Bom dia, s estamos aqui na biblioteca da Feusp, na comemoração dos 50 anos da
Faculdade, e dos 60 anos da Escola de Aplicação. Vamos, então, hoje, ter o prazer de ouvir
nossas queridas colegas e nossos queridos colegas que foram alunos daqui da Faculdade, e
vão contar um pouco das suas histórias para nós. Então, gostaríamos de começar pela
Cecilia, pedindo para você contar um pouco da sua trajetória na Feusp, como aluna, o que
você fez aqui, em que época.
MC: Eu entrei aqui na Faculdade em 69, ? Eu tinha sido aluna do Colégio de Aplicação.
Não era bem Escola de Aplicação, era o colégio mantido pela Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras da USP, inclusive pelo Departamento de Educação. Foi um pouco pela
experiência do Colégio de Aplicação que resolvi fazer Pedagogia. Mas antes eu tinha feito
Ciências Sociais, e peguei o auge das manifestações estudantis de 66, 67, 68, uma época
muito brava. Tinha casado com um colega no primeiro ano de Ciências Sociais, e [...] a
gente tinha uma turma grande, todo mundo praticamente se conhecia naquela época na
Filosofia [FFCL], pessoas de todos os departamentos.
13
A gente [...] vivia indo às festas,
frequentando bares, vivia acampando. Quase ninguém conhecia Paraty ou Ubatuba. Não
havia a estrada Rio-Santos, nem a Tamoios; aquilo era mato. [...]. E aí esse clima agitado
e criativo foi interrompido pela radicalização da repressão em 68. Uma vez eu fui presa
numa passeata. A agitação era tanta em 1968, quando quase não havia aulas, [que] resolvi
13
Segundo a entrevistada, faziam parte dos movimentos e se conheciam, além dos alunos da FFCL, estudantes da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), do Direito, da Medicina e da Poli (Escola Politécnica) da USP.
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sair de Ciências Sociais e vir para a Pedagogia. [...] Eu vivia tão apavorada por conta de os
colegas sendo presos... muita gente então morreu, desapareceu. Resolvi ser uma aluna
exemplar. Eu achava que estávamos sendo vigiados, seguidos [...] Como eu tinha a opção
de fazer a Orientação Educacional e o Departamento de Filosofia da Educação era o
departamento que dirigia a O.E., me aproximei dos professores de Filosofia da Educação.
Tínhamos professores ótimos, o Villa Lobos, a Maria da Penha, Roque Spencer Maciel de
Barros, mas principalmente três me marcaram muito: o Professor Mário, o Professor
Celso e um professor que tinha acabado de chegar, Baltazar Barbosa. Eles, além de serem
professores, e de dar aula, convidavam alguns alunos para formar grupos de estudo com
eles. Embora a gente ficasse calada quase sempre era difícil atingir o nível deles
percebíamos o empenho deles na formação da gente. Os outros professores
principalmente da Filosofia ainda vinham muito de uma tradição de cátedra, eles faziam
questão de construir uma “persona”, quase um personagem teatral. Eno muitos fumavam
cachimbo, faziam longas pausas na aula, depois diziam frases de efeito. A gente não
conversava com eles, a não ser em sala de aula, [...] pouca gente ousava fazer perguntas.
Foi um momento de um clima muito pesado… Eles tinham passado pela experiência das
Comissões Paritárias
14
então, entraram em atrito muito forte com os alunos, e aquilo
naquele tempo, quando os alunos ousaram ultrapassar aquela altura em que eles se
colocavam, era traumático para eles. Então, havia uma certa desconfiança geral dos alunos,
a não ser por esses três professores que eu mencionei. E no fim, depois de tudo isso, quando
foi fundada a Faculdade, havia uma demanda muito grande por professores. Uma das
iniciativas na fundação da Faculdade foi retirar a matéria de Psicologia Educacional do
Instituto de Psicologia, assim como a de Sociologia da Educação das Ciências Sociais. Até
então, eram dadas nos barracões aqui da cidade universitária, em aulas televisionadas para
80, 90 pessoas. Havia uma televisão muitas vezes no saguão, outras vezes em uma sala e
nela um professor ficava falando de experiências com ratos, de Pavlov, de reforço positivo
ou aversivo. Era uma coisa tremendamente chata. E uma das iniciativas dos colegiados aqui
da Faculdade de Educação foi chamar licenciados em Psicologia e Pedagogia, depois de
Sociologia, e fazer uma espécie de processo seletivo interno, para que a Faculdade
assumisse as aulas e se encarregasse dessas disciplinas na graduação, na licenciatura. E aí,
num desses processos seletivos, fui contratada. Só que, em função da ajuda a amigos
perseguidos políticos fui presa durante poucos dias, um s depois do contrato… E aí foi
uma luta para o contrato sair, ? Porque até hoje eu não sei direito o que que houve, mas
14
As Comissões Paritárias foram comissões compostas por docentes e estudantes das diversas unidades da USP,
constituídas no desenrolar dos trabalhos da Comissão de Reestruturação da Universidade (1967-1968), colegiado
formado previamente à conclusão da reforma universitária da Universidade de São Paulo, de 1969 (SANTOS,
2015, p. 177).
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eu sei que devo a minha carreira ao Professor Roque Spencer Maciel de Barros, ele era
ligado aos Mesquitas, ao Jornal “O Estado de São Paulo”. Ele e os redatores do jornal
tinham posições muito bem definidas no campo da direita, mas eram liberais que prezavam
os seus jornalistas e professores. Disseram que ele trancou meu contrato na sua gaveta e,
graças a isso, conseguiu que o contrato continuasse. Foram arrancadas páginas do início do
contrato, deve ter sido um quiproquó danado, né? Mas, enfim, depois disso eu me tornei
professora. [...] Então, você entrava como auxiliar de ensino, e em turno parcial, né? E, aí,
você precisava trabalhar em mais lugares também, eu tinha filhos... E uma das coisas
que fiz, além de trabalhar em pesquisa, foi ter dado aula no ensino fundamental, e depois
para as crianças pequenas, de três anos, também [...] o que foi uma coisa ótima, para mim,
como professora universitária. Também naquela época não havia ainda curso de pós-
graduação, foi inaugurado depois. E quando foi inaugurado a gente tinha que fazer pelo
menos umas doze disciplinas de pós, era um curso intenso. E ao mesmo tempo, por conta
desse monte de disciplinas que eram dadas e que todo mundo tinha que fazer
obrigatoriamente, as aulas de graduação ficaram a cargo desses professores iniciantes; os
antigos professores só davam aula de pós, com exceção do Professor rio, Professor
Celso e Professor Baltazar [...]. Foi uma época muito difícil. Eu espero que um dia eu
possa compensar os meus alunos, porque eu era uma professora inexperiente Eu
procurava me esforçar ao máximo, mas tinha falhas como professora.
E: Como todos nós no início de carreira, não é isso?
FIGURA 3 - Turma da Pedagogia - diurno - 1972
Cecília Cortez é a segunda, da esquerda para a direita.
Fonte: Acervo pessoal
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O clima de comemoração marca a roda de conversa, os relatos produzidos e a
introdução da entrevistadora. A memória coletiva afeta a realidade social e um dos meios pelos
quais isso ocorre é a comemoração. A comemoração envolve tanto estabelecer quem somos
agora, como seres sociais, quanto envolve constituir o que aconteceu no passado” (Middleton;
Brown, 2006, p. 80). As comemorações inscrevem os acontecimentos no quadro dos jogos
identitários”, celebrando o pertencimento, constituindo-nos (ainda que com ambivalência ou
limpando o passado) como sujeitos poticos (Candau, 2016). Ricoeur (2007) nos alerta para o
problema da mobilização da memória a serviço da reivindicação da identidade, o que desagua
no excesso de memória, ou nos abusos da memória (inclusive, título do artigo de Todorov).
Nesse contexto, Cecilia dá sequência a seu relato recordando a experiência no Colégio
de Aplicação
15
, onde cursou o antigo clássico, atribuindo a ela parte da motivação que a levou
a entrar para a Pedagogia. Em seguida, relembra os primeiros anos no curso de Ciências Sociais,
de agravamento da perseguição à comunidade universitária pela ditadura militar. Ela e outros
entrevistados (Letícia, José Sérgio, Sonia) contam sobre experiências de medo, mortes e prisão
de amigos (ou própria), professores cassados, colegas que eram informantes ou que rechaçavam
os que participavam em assembleias... experiências de sofrimento que produziram sentidos de
desconfiança dos alunos por uma parcela dos professores, dos estudantes entre si, sensação de
vigilância. Ao traçar os contornos da memória coletiva e da memória histórica, Halbwachs
(1990) considera que a primeira surge dos grupos de que fazemos parte e que as memórias
individuais se banham nas “correntes de pensamento coletivo” e vão se inserindo em quadros
sociais e históricos (para o sujeito, à medida que vai tomando consciência da significação
histórica dos acontecimentos). É algo vivo, que depende de nossas experiências e relações, por
exemplo, com pessoas mais velhas, que trazem relatos de outros tempos, ou mesmo livros,
gravuras e quadros num museu, hábitos e lugares... Ele afirma que
[...] se a memória coletiva não tivesse outra matéria senão séries de datas ou
listas de fatos históricos, ela não desempenharia senão um papel bem
secundário na fixação de nossas lembraas. [...] Não é na história aprendida,
é na história vivida que se apoia nossa memória. (HALBWACHS, 1990, p.
57, 60)
15
O Colégio de Aplicação se inicia por um connio firmado em 1957 pela FFCL-USP com a Secretaria da
Educação para administrar a São autônoma do colégio Estadual Presidente Roosevelt, situado à Rua Gabriel dos
Santos. Ele funcionou oficialmente até 1970, oferecendo curso secundário em níveis ginasial e colegial (clássico
e científico) nos períodos diurno e noturno. Em 1959, foi regularizada pela Secretaria de Educação a instalação de
classes experimentais em diversos estabelecimentos de ensino (Monaco Janotti, 2021).
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As falas da professora Cecilia lembrando a antiga aluna de Ciências Sociais são
tocantes nesse sentido de uma hisria vivida: “[...] peguei o auge das manifestações estudantis
de 66, 67, 68, uma época muito brava [...]”, [...] esse clima agitado e criativo foi interrompido
pela radicalização da repressão em 68. Uma vez eu fui presa numa passeata.”, Eu vivia tão
apavorada por conta de os colegas sendo presos... muita gente então morreu, desapareceu.
Ela foi um personagem da história que agora narra. Ela viveu esse tempo. E lembra como parte
do grupo de estudantes do final da década de 1960.
As marcas da cultura e do movimento estudantil, este já mais organizado e, como
salienta o entrevistador no fragmento a seguir, de um tempo diferente “em relação a esses anos
mais duros [mencionados pela colega] que [ela] não passou”, aparecem nas recordações da
Maria Letícia Nascimento, que cursou a Pedagogia já mais ao final na década de 1970. Ambas
Cecilia e Letícia trazem vivências estudantis muito importantes, para além do trabalho nas
disciplinas com os professores bares, viagens, festas, acampamentos, teatro, música e outras
tantas atividades culturais que a ditadura interrompeu, censurou (mas não abafou porque a
juventude resistiu) e que hoje, década de 2020, a pandemia impediu.
16
[...]
R: [...] E é claro que queremos ouvir da Maria Letícia as peculiaridades, ou seja, as
marcas distintivas do seu ingresso e da sua trajetória enquanto aluna da graduação, mas eu
queria adicionar ainda uma questão. Ouvindo o relato da Professora Maria Cecília, do ponto
de vista da cultura estudantil, que tipo de avaliação pode ser feita em relação a esses anos
mais duros que você não passou, que tipo de comparação pode ser feita entre a geração à
qual você pertenceu aqui na graduação e aquela da constituição da Faculdade?
ML: [...] Falando eno da minha época, meu ingresso aqui como estudante aconteceu em
1976, ainda no vestibular do CESCEA
17
; não havia a FUVEST
18
. E para mim foi uma
surpresa a estrutura que havia na USP e, particularmente, na Faculdade de Educação,
porque era tudo muito sério, diferente das escolas que tinha frequentado. A primeira aula
que eu frequentei foi a aula da Professora Gilda Naécia, e eu cheguei atrasada; era o
primeiro dia, eu nunca tinha pisado por aqui, não sabia como era, quanto tempo levava para
chegar na FE; e foi um susto, porque ela me lançou um olhar muito duro [...] e esse foi o
meu ingresso. Eu ingressei no período vespertino e, na minha turma, havia pessoas que
hoje em dia a gente encontra fazendo carreira na pesquisa (Moyses Kuhlmann Jr), no
16
Uma das maiores queixas dos alunos dos cursos online em 2020 e 2021 foi a ausência do ambiente universitário
e da interação com colegas, dos corredores, das cantinas, do forró, das festas e saraus...
17
Centro de Seleção de Candidatos às Escolas de Administração, instituição criada em 1967 para unificar o
vestibular da área de Humanas de algumas instituições em São Paulo.
18
Fundação Universitária para o Vestibular, criada em 1976, ligada à Universidade de São Paulo.
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magistério (Robinson Janes), na docência do ensino superior. Nós éramos, digamos assim,
pessoas muito interessadas em fazer teatro, em ouvir música, havia um interesse muito
grande em participarmos de outras atividades culturais que não só a faculdade. Em relação
à faculdade e às pessoas aqui, uma das coisas que me chamava muita atenção é que a turma
do vespertino era composta por muitas professoras da rede, e era uma turma mais dura,
mais difícil de penetrar. E, nesse sentido, em 77 eu me transferi para o período noturno.
Era uma turma mais flexível, que trabalhava em outras atividades, era um pessoal muito
mais interessante. E aí que eu acho que foi a grande descoberta da minha vida; foi aí o peso
da faculdade na minha vida. Não pela preparação que eu tive a partir dos inúmeros cursos
de História e Filosofia da Educação, que eram uma tônica mesmo, da faculdade, mas
também pela possibilidade de participar do movimento estudantil. Porque, se não houve
essa participação no final dos anos 60, quando eu ainda fazia o ginásio, nos anos 77, 78,
houve a volta do movimento estudantil. E para s, para o grupo que eu fazia parte aqui,
era fundamental ir para as assembleias, discutir, votar, trazer as decisões para compartilhar
com os colegas da FE. Isso para mim foi uma aprendizagem enorme, porque eu jamais
tinha pensado em participar. Eu me lembro das assembleias da História, que era com muita
gente, e havia então as duas chapas, a Libelu e a Refazendo, e havia toda uma estrutura de
participação. E aqui era uma situação muito difícil, porque a Faculdade de Educação era
muito fechada, eno nós tínhamos uma dificuldade muito grande para entrar em sala, para
contar o que tinha havido, os próprios colegas nos rechaçavam muito. Bom, mas esse foi
um aspecto que eu acho que foi muito formativo no tempo que eu passei aqui na Faculdade
de Educação. E, falando dos conteúdos, da Filosofia, da História, evidentemente alguns
professores foram muito marcantes para mim como o Professor Mário Pires Azanha. Eu
confesso que eu me preparei muito para fazer a disciplina dele porque ela era muito difícil,
ele tinha uma maneira de trabalhar que era bastante exigente; eno, eu me preparei muito,
e fui fazer a disciplina com dois outros colegas que tinham um pensamento muito
divergente, com quem foi um prazer fazer essa disciplina: o Pasqual Pelegrino Neto e o
Edson Kozminski. E mais para o final do curso, eu gostei muito de ter aula com as
Professoras Heloysa Dantas e Marta Maria Chagas Carvalho, que me apresentaram autores
muito interessantes com os quais eu pude trabalhar e trabalho até hoje, por exemplo, os
livros História Social da Criança e da Família, do Ariès, e a Mistificação Pedagógica, do
Charlot. E a Heloysa Dantas, que trabalhava com o Wallon, acabou sendo, posteriormente,
minha orientadora de mestrado; foi muito marcante também isso. Eu posso dizer que nós
fizemos parte de um grupo que tentou enfrentar, não de forma muito direta, a estrutura que
havia na Faculdade de Educação. Então, nós ocupamos uma sala vazia, que era um tipo de
depósito, pensando já num centro acadêmico isso foi em 77, se não me engano. E nós
íamos ocupávamos literalmente para lá para ler, discutir, conversar, exatamente com
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essa intenção. E o centro acadêmico acabou sendo criado, não enquanto eu ainda fazia
faculdade, mas em anos posteriores. Foi muito boa também essa experiência. E aprender a
ir para as manifestações fora da USP e a correr da repressão. Essa foi uma aprendizagem
que eu tive também nessa época em que passei aqui. Eu fiz eno o curso entre 76 e 80. De
fato, eu terminei a faculdade em 81 e, quando terminei, fui trabalhar com educação; eu
achava que tinha que conhecer um pouco melhor esse campo em que tinha entrado, porque
eu não vim do magistério. Na verdade, a minha relação com educação começou a ser
travada na Faculdade de Educação, nesse sentido profissional mesmo. Então, eu passei num
concurso, trabalhei na prefeitura, fui professora de escolas alternativas [...].
Houve um concurso na área em 2006, no campo da educação infantil e eu acabei voltando
para cá como docente, em 2007. Foi um grande prazer poder rever pessoas de que eu
gostava muito. Eno, foi muito interessante poder reencontrá-las, e poder trabalhar, de
alguma maneira, devolvendo aquilo que eu tinha recebido aqui. Tentando oferecer [...] aos
estudantes, elementos que os formassem enfim, é uma pretensão mas, que os
formassem o bem quanto eu fui formada aqui, né? Essa clareza eu sempre tive ao longo
de toda a minha carreira na educação, de que a formação que eu obtive como aluna sem
dúvida, eu tive que ler e estudar muitas coisas foi muito sólida, e nesse sentido eu
consegui ter sucesso em todas as ações ligadas à educação nas quais eu me envolvi ao longo
da minha vida. Então voltei, estou aqui, muito feliz de poder participar dessa nossa
conversa hoje.
FIGURA 4 - Profa. Maria Letícia Nascimento na Feusp em 1980
Fonte: Acervo pessoal.
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Ao lado dos ensinamentos [...] nos inúmeros cursos de História e Filosofia da
Educação [...]”, a possibilidade de participar do movimento estudantil o que não aconteceu
quando ela cursara o ginasial foi assim considerada: [...] a grande descoberta da minha vida;
foi aí o peso da faculdade na minha vida.Segundo Santos (2003), Marc Bloch não associava,
como Maurice Halbwachs as memórias coletivas a práticas sociais empíricas, estando as
representações coletivas nos escritos do primeiro mais ligadas a uma construção simlica com
uma dinâmica própria (e a ciência da história, a uma “progressiva inteligibilidade do mundo”).
Halbwachs “[...] sempre associou o significado das representações coletivas ao de práticas
coletivas” (SANTOS, 2003, p. 42). O relato da Letícia parece ilustrar uma máxima do sociólogo
francês: as lembranças dependem do engajamento do indivíduo a grupos (em constante
movimento) e dos lugares que neles ocupa. “E para nós, para o grupo que eu fazia parte aqui,
era fundamental ir para as assembleias, discutir, votar, trazer as decisões para compartilhar
com os colegas da FE. Ela menciona as assembleias da História (com certeza um grupo
importante para ela como estudante de licenciatura), as chapas Libelu
19
e Refazendo
20
, a
estrutura de participação”, o rechaço dos colegas da Pedagogia quando o grupo participativo
voltava para dar os informes, devido à estrutura fechada da Faculdade de Educação”. Esses
aspectos, esses sentimentos que se mesclam às lembranças, têm relação com a sua participação
no movimento estudantil. Talvez isso marque até mesmo a forma de ela caracterizar a “turma
do vespertino” e aturma do noturno” (com a qual mais se identificou) e a consideração de que
[...] aprender a ir para as manifestações fora da USP e a correr da repressão fora uma
importante experiência dos tempos de Feusp. “É nesse sentido que existe uma memória coletiva
e os quadros sociais da memória, e é na medida em que nosso pensamento individual é colocado
19
Libelu (Liberdade e luta) foi uma tendência do movimento estudantil brasileiro da década de 1970, ligada ao
trotskismo e ao jornal O Trabalho, que era editado, à época, pela Organização Socialista Internacionalista (OSI).
A Libelu ficou conhecida por ser a primeira tendência política a defender a palavra de ordem “Abaixo a Ditadura”
publicamente. Ela participou ativamente da reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), da União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e teve muitos de seus militantes em importantes diretórios e
centros acadêmicos do país. A Libelu foi dissolvida na primeira metade da década de 1980, com a integração de
alguns de seus quadros ao Partido dos Trabalhadores (PT). Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Liberdade_e_Luta.
Acesso em 21 de dezembro de 2021.
20
A Refazendo surge em meados dos anos 1970, unindo estudantes de diversos cursos universitários, tendo como
base seus centros acadêmicos. Chegam a vencer, inclusive, as eleições para o DCE-Livre da USP. Além da atuação
no espaço universitário, a Refazendo passa a organizar, então, diversas lutas político-culturais, que levaram a
enfrentamento com as forças de repressão do Estado.
Fonte: http://www.mnemocine.com.br/pdp/framerefazendo.htm. Acesso em 21 de dezembro de 2021.
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nesses quadros e participa dessa memória que ele é capaz de se lembrar” (HALBWACHS,
1952, p. VI).
21
Ricos elementos ligados às características mais salientes do corpo estudantil também
aparecem na fala de Maria Letícia como, por exemplo, a confirmação da presença majoritária
das mulheres e, outrossim, discrepâncias entre o perfil do alunado das turmas do vespertino e
do noturno. Mais do que uma idiossincrasia superficial, tais diferenças sugerem e,
obviamente, não determinam a constituição de facetas da cultura escolar em sincronia com
aspectos sociais e profissionais do recrutamento dos/as estudantes. O relato aponta para a
presença em maior número de alunas que já atuavam nas redes de ensino, ou seja, as discentes
detinham uma experiência profissional ao adentrar nos bancos escolares da Feusp, o que
tornava a turma do vespertino, no julgamento da Letícia, “mais dura, mais difícil de penetrar”.
Por outro lado, no noturno, conquanto fosse composto por alunos/as que também
trabalhavam, embora sem o traço mais definido de atuação nas redes de ensino, a disposição
para o engajamento político, para a mobilização em relação a pautas contemporâneas do
movimento estudantil, fazia-se mais presente, o que constituiu um fator relevante para que
transferisse sua matrícula do vespertino para o noturno.
DAS EXPERIÊNCIAS MEMORÁVEIS
E, considerando-se os quadros sociais, a memória coletiva da Faculdade de Educação
da USP, o que vai se tornando memorável para esse grupo de ex-alunas e ex-alunos?
O que é produzir memória? O que torna uma experiência memovel? Para
quem? O que pode ser considerado uma experiência partilhada? Como um
fato adquire o estatuto de acontecimento? Como a meria é constituída,
instituída, sustentada, legitimada, regulada, apagada? (SMOLKA, 2011, p.
140)
No relato da Maria Letícia e no da Carlota Boto uma experiência partilhada se fez
memovel e adquiriu o estatuto de acontecimento: a criação do Centro Acadêmico.
[...]
R: [...] Carlota, bom dia. [...] Gostaria que vorecuperasse aspectos da sua relação com
os professores que desempenharam um papel importante na sua formação, levando em
21
“C’est em ce sens qui’il existerait une mémoire collective et des cadres sociaux de la mémoire, et c’est dans la
mesure où notre pensé individuelle se replace dans ces cadres et participe à cette mémoire qu’elle serait capable
de se souvenir (HALBWACHS, 1952, p. VI).
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consideração sua trajetória posterior, do ponto de vista dos temas que vovai perseguir
nos seus trabalhos de pesquisa, e também daquilo que você pôde, nesses anos de formação,
identificar a partir da prática dos seus professores, aquilo que de certa forma depois se
apropriou, sistematizou, realizou um trabalho, pôde depois usar ou pensar a respeito desses
modelos na sua prática docente. Então gostaria que você falasse também um pouco a
respeito da sua atuação estudantil aqui.
E: Eu queria lembrar também o contexto político, porque você já entra num outro contexto,
década de 80, então um período, , de mais abertura política. Pediria, então, também que
você fizesse esse comentário.
C: É muito bom estar aqui com vocês, entre amigos e amigas desta faculdade, de várias
gerações e poder falar um pouco da minha trajetória. Em relação aos professores que eu
tive, eu entrei aqui quando, na verdade, eu ainda estava fazendo o curso de magistério. Eu
estava fazendo o quarto ano de magistério quando eu entrei, em 1980. [...] Eu pensava que
ia ser uma continuidade natural dos meus estudos, mas foi uma grande surpresa, porque eu
percebi que a Faculdade me trazia a oportunidade de pensar educação de maneira muito
diferenciada, de pensar educação em termos sistêmicos, como eu nunca tinha visto, porque
no curso de magistério a gente aprende mais como ser professor, como dar aula disso ou
daquilo, que também era uma dimensão importante, mas a Faculdade me abriu os
horizontes. Fora isso, eu tive professores muito bons, eu tive professores, como o Professor
Celso, o Professor rio, eu lembraria da Professora Beatriz tizon foi uma
professora extraordinária na minha trajetória. Depois, uma outra geração de professores em
que eu incluo a Cecilia Cortez, a Professora Roseli Fischmann, a Marília Sposito, a Marta
Carvalho, o Fernando Motta. Todos, e cada um na sua disciplina, permitiram que a gente
pudesse ter um olhar para a educação muito privilegiado. Desde o início, eu me interessei
pelo campo da História da Educação. Eu me lembro das aulas da Beatriz Fétizon, de
Estrutura e Funcionamento do Ensino de e Graus em que a professora recuperava a
história da escola brasileira do período republicano, e isso para mim foi muito importante.
Depois, quando eu tive aula com a Marta Carvalho, eu percebi que o campo que eu queria
me especializar era especificamente o campo da História da Educação. Nisso, eu senti
necessidade de me aprofundar nos estudos históricos. Eu fui fazer curso de História, ao
mesmo tempo em que eu fazia aqui o mestrado em História da Educação. No que diz
respeito àqueles anos, do ponto de vista político, era um momento em que a ditadura
estava se distendendo, havia abertura, e o movimento estudantil, na trilha do que foi
construído pela geração anterior, era muito pungente. Então, eu participava do movimento
estudantil. Eu participei desde o início da chapa que deu o nome de Paulo Freire para o
centro acadêmico, embora eu não tenha sido protagonista daquele movimento. Na verdade,
quem eram as lideraas naquela geração eram a Márcia Pompeu, [...] de saudosa memória,
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recentemente faleceu, a Lourdinha, a Márcia Ana, o Robinson Janes [ ]. Eles, na verdade,
dirigiram esse movimento que, dando continuidade ao que a geração da Letícia tinha feito,
consolidou o projeto de construção de um centro acadêmico. Havia antes um centro de
estudo, se não me engano, chamado Roldão Lopes de Barros e que a gente substituiu pelo
que se passou a chamar de “Centro Acadêmico Paulo Freire”. O Celso Beisiegel, na época,
disse que nós fizemos mal, porque o Roldão havia sido uma pessoa importante na história
da nossa instituição e de certa maneira nós apagamos, quer dizer, contribuímos para o
apagamento dessa memória, o que me deixa um pouco confusa em relação aorito dessa
transformação que nós fizemos.
22
Depois, acho que na minha trajetória também foi
importante a organização das Semanas de Educação, que foi um outro momento da história
do centro acadêmico; o centro acadêmico naquela época não tinha mais uma chapa com
presidente, secretário, tesoureiro, etc. A gente tinha uma proposta autogestionária de centro
acadêmico. Isso foi junto com uma geração que me sucedeu, que foi a geração do Professor
Elie Ghanem, de Sociologia da Educação, com a Teresinha Pinto, a Luiza Andrada e Silva,
o Sebastião Haroldo, a Lucinha, a Cuca, o Sérgio. Na verdade, a construção mais
importante que s pudemos fazer nesse período foi a organização das Semanas de
Educação, que foram, pelo que eu me lembro, duas. [...] Depois eu dava aula durante todo
o período em que eu estudei aqui. Eu estudava à noite, lecionava em colégios particulares
pela mane à tarde. Em 1983, eu prestei um concurso para trabalhar na rede pública da
Prefeitura de São Paulo. Mas fui reprovada no exame médico porque foi constatado que eu
tinha um nódulo na corda vocal. Por essa razão, minha experiência na escola pública se
resume ao ano em que eu trabalhei como assessora cnica da Escola de Aplicação, entre
1984 e 1985. Logo em seguida, eu acabei entrando no mestrado, em História e Filosofia da
Educação e me vinculei como Auxiliar de Ensino na UNESP. Mas toda a minha carreira é
absolutamente tributária da minha formação, recebida nesta Faculdade de Educação.
Os últimos anos de curso da Maria Letícia foram os primeiros da Carlota. Letícia conta
como foi a ocupação da sala que era uma espécie de depósito (para ler, discutir e conversar).
Carlota conta da criação e escolha do nome do Centro Acadêmico. Ambas relacionam a crião
do Centro Acadêmico ao movimento estudantil. Interessa-nos aqui observar como elas contam
22
Há um dado sugestivo na advertência feita pelo Prof. Celso Beisiegel a respeito da mudança de nome do Centro
Acadêmico da Feusp de Prof. Roldão Lopes de Barros para Prof. Paulo Freire. Fez-nos lembrar, na ocasião da
realização da roda de conversa, da lebre passagem, n’Os Lusíadas (Canto VI), em que o Velho do Restelo
censurava os marinheiros pela ambição desmesurada, para a capacidade destes (a cobiça também é um vício
denunciado pelo personagem camoniano, porém, não foi este adjetivo que nos acorreu àquela altura) em se lançar
a tão imprudente empresa (CAMÕES, 2007). Mesmo sendo a natureza, as circunstâncias e os suportes que matizam
os dois episódios tão diversos, produziram-se duas imagens, dois pares, que nos reportaram a associar as figuras
venerandas do Prof. Celso Beisiegel (mais ainda veneranda pelo fato da imagem ter se produzido depois de sua
morte, ocorrida em novembro de 2017) e do Velho do Restelo e, por outro lado, os marinheiros portugueses aos
alunos e alunas da Feusp.
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esses fatos que se tornaram acontecimentos para muitos dos estudantes da Feusp. Letícia não
conta como um indivíduo, mas como um grupo. Começa como um testemunho: Eu posso dizer
que nós fizemos parte de um grupo que tentou enfrentar, não de forma muito direta, a estrutura
que havia na Faculdade de Educação. Então, nós ocupamos uma sala vazia, que era um tipo
de depósito, pensando num centro acadêmico isso foi em 77, se não me engano. E nós
íamos ocupávamos literalmente para lá para ler, discutir, conversar, exatamente com essa
intenção. Usa a primeira pessoa do plural (exceto no início e quando duvida da própria
memória) e chega mesmo a usar o termo “grupo”. Ela fala em nome desse grupo. Buchanan e
Middleton (1995) analisam, na perspectiva da psicologia discursiva, de análise da conversação,
a relação entre a recordação, o pertencimento a um grupo (“membership”) e a identidade. Da
fala da Carlota, queremos ressaltar os seguintes aspectos: Ela inicia contextualizando
historicamente o momento vivido pelo movimento estudantil o contexto de abertura política.
No que diz respeito àqueles anos, do ponto de vista político, era um momento em que a
ditadura estava se distendendo, havia abertura, e o movimento estudantil, na trilha do que
foi construído pela geração anterior, era muito pungente. Interessante o uso do termo
construído pela geração anteriorde estudantes, como um legado. Carlota usa a primeira
pessoa do singular para contar da sua participação na chapa que deu o nome de Paulo Freire ao
CA, mas se posiciona como uma participante comum, nomeando os protagonistas, as
“lideraas” do movimento, talvez uma preocupação marcada pelo lugar da historiadora. Eles,
na verdade, dirigiram esse movimento que, dando continuidade ao que a geração da Letícia
tinha feito, consolidou o projeto de construção de um centro acadêmico. Esse enunciado
circunscreve o caráter de acontecimento ao fato contado e imprime a devida importância do
mesmo para o grupo de alunos.
Um feito ligado ao CA, apontado por Carlota, é a organização das Semanas de
Educação
23
, localizado em um outro momento da história do centro acadêmico”. A ex-aluna
destaca a sua proposta autogestionária (que interessantemente caracteriza as Semanas de
Educação até hoje) e menciona que a organização das Semanas de Educação foi “a construção
mais importante que nós pudemos fazer nesse período”, recordando nominalmente a geração
de colegas que a sucedeu.
23
As Semanas de Educação são um evento anual criado pelo Centro Acadêmico da Feusp na primeira metade da
década de 1980. Após passar por uma interrupção, anos depois é retomado em 2003, na oportunidade, com
organização mista de docentes e estudantes. Depois de nova interrupção, a organização passa a ser realizada
novamente pelos estudantes desde 2017, durante o segundo semestre de cada ano, mas não sob a
responsabilidade do Centro Acadêmico Professor Paulo Freire (CAPPF).
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Carlota, assim como Cecilia, Letícia e os demais colegas da roda, destaca o importante
papel exercido por professores que tiveram na Feusp, para sua formação, aprofundamento
teórico
24
e escolha da área de especialização posterior e pesquisa, no seu caso, Hisria da
Educação, o que a levou ainda a fazer uma outra graduação, em História. Alguns trechos nas
falas de todos os entrevistados mesclam reverência, gratidão, reconhecimento e admiração por
professores da Feusp, que foram exemplos, abriram portas”, mostraram caminhos,
convidaram-nos a assumir cargos desafiadores, impediram-nos de abandonar o curso. Mais uma
vez, as análises de Halbwachs sobre as difereas entre lembraas dos alunos e dos mestres,
sobre a maior efemeridade das lembraas dos segundos (pois as turmas mudam todos os anos
enquanto o professor se repete), contribuem para colocarmos em perspectiva esse movimento
de memória coletiva:
Vejam um professor que ensinou durante dez ou quinze anos em um liceu. Ele
encontra um de seus antigos alunos, e mal o reconhece. Este fala de seus
colegas de outrora. Ele recorda os lugares que ocupavam nos diversos bancos
da sala de aula. Evoca muitos dos acontecimentos de ordem escolar que se
produziram nessa sala de aula, durante esse ano, [...] tais partes do curso, tais
explicões que impressionaram particularmente os alunos, ou lhes
interessaram. Ora, é bem possível que, de tudo isso, o professor o tenha
guardado nenhuma lembrança. Entretanto, seu aluno não se engana. [...] Como
esqueceu tudo isso? E como acontece que salvo um pequeno número de
reminiscências muito vagas, as palavras de seu antigo aluno não despertem
em sua memória nenhum eco de outrora? É porque o grupo que constitui uma
classe é essencialmente efêmero [...] O ano acabado, os alunos se dispersam,
e essa classe definida e particular não se reorganiza nunca mais. É preciso não
obstante distinguir. Para os alunos, ela vive por algum tempo ainda; pelo
menos, a ocasião freqüentemente se lhes oferece para nela pensar, e dela
lembrar-se. [...] As informões que este lhes comunicou levam sua marca;
frequentemente, quando nelas repensarem, através e além desta noção,
perceberão o mestre que lhes revelou, e seus companheiros de classe que as
receberam ao mesmo tempo que eles. (HALBWACHS, 1990, p. 29)
Participamos de grupos e essa participação nos marca, mas não participamos da mesma
maneira, dos mesmos lugares, nos mesmos papéis, com a mesma intensidade. E essa diferente
participação é marcada inclusive pela nossa vida depois desse tempo compartilhado (no caso,
todos se tornaram professores, o que torna suas memórias também mais duradouras acerca de
um passado numa instituição de educação).
Ao final de seu relato, Carlota nos conta um pouco de suas experiências como
professora, mas é mais da posição de aluna que ela narra. Assim como grande parte do relato
de José Sérgio. Isso tem relação com as perguntas dos entrevistadores, mas também com o
24
Alguns mencionam até mesmo assuntos, autores e livros trabalhados nas aulas ou prestam homenagem aos(às)
orientadores(as) de mestrado e/ou doutorado como Letícia, Marcos, José Sérgio e Sonia.
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acontecimento da roda de conversa e com o que unia a todos os entrevistados terem sido
alunos da Feusp , ainda que em diferentes momentos.
DUAS REALIDADES, DOIS LUGARES
Carlota, assim como Letícia, se surpreendeu com a estrutura do curso a
Faculdade me trazia a oportunidade de pensar educação de maneira muito diferenciada, de
pensar educação em termos sistêmicos, como eu nunca tinha visto (comparada à sua
experiência no magistério). José Sérgio Carvalho também se surpreende, mas comparando a
experiência na Faculdade de Educação com a que teve no Curso de Filosofia na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e no período cursado na França.
E: Sérgio, a gente queria saber um pouco da sua trajetória, como que você veio aqui
para a educação, quais os seus interesses e desejos…
JS: Bom, eu, tal como a Cecília, eu vim para como segunda graduação. A minha primeira
graduação foi em Filosofia, eu ainda muito novo, 1978, sem ter a menor ideia, nunca havia
estudado filosofia. A opção pela Filosofia veio, portanto, de um desejo político, por estar
contra a ditadura militar. Eu não tinha a menor condição, inclusive, de ler aqueles textos.
Mas, fui pouco a pouco me familiarizando. Eu fiquei até 81, e em 82 fui terminar a
graduação em Filosofia na Universidade de Strasbourg, na França. Em seguida, prestei o
vestibular para cá. Mas, para mim, há um contraste muito grande entre o que foi a minha
experiência na Filosofia, pensando como aluno, e o que foi a minha experiência na
Faculdade de Educação, como aluno em diálogo com o momento político. Eu sempre conto
aos meus alunos que é extremamente significativo o fato de que eu não tinha amigos no
Departamento de Filosofia, e isso não se deve necessariamente à característica daquele
público, mas ao fato de que, no Departamento de Filosofia, nos anos 70, ninguém confiava
em ninguém. O que a gente sabia o tempo inteiro era que havia colegas que eram
informantes. E como você fica amigo de alguém que você não sabe se entrega a sua
posição? [...] Eu vim, na verdade, por uma certa decepção. Quando eu fui para Strasbourg,
eu tive muito contato com a anistia internacional, e ali vivi um clima de muita liberdade
política. E a formação era muito fortemente marcada pela leitura estrutural do texto;
então você não podia sair do texto, em hipótese alguma; não tinha cabimento fazer relações.
E, quando eu volto, eu falo: “Não”. Eu já tinha tido alguma experiência como professor,
tinha gostado, voltei a lecionar, e acho que, como todo mundo da minha geração, eu
apostava que a verdadeira transformação social não viria do pensamento filosófico, viria
da prática educativa. Então, na época, eu havia lido alguns livros sobre educação,
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notadamente do Freire e do Celso. Aí, eu pensei: “Vou estudar lá, onde esse professor dá
aula”. Não tive aula com ele [Celso] porque justamente quando entrei, ele virou diretor, ou
pró-reitor, logo em seguida, da graduação. Nem com o Zé Mário; justamente no semestre
em que ele ia dar aula para a minha turma, ele foi fazer a livre-docência. Mas, para mim, a
Faculdade de Educação tinha essa questão de que eu vim achando que aqui era o lugar
verdadeiramente da milincia política, que não enxergava como militância na escola
pública necessariamente, mas como militância política. [...] Então, foram duas experiências
de graduação completamente diferentes, a Faculdade de Filosofia e a Faculdade de
Educação. Foi a primeira vez que eu me senti acolhido na USP. Eu me sentia próximo aos
meus colegas, admirava os meus professores. Tem uma coisa interessante, ? Os
professores que me marcaram não eram da área de Filosofia. Tive muitos cursos de
Filosofia, mas, assim, tive um professor que foi reiteradas vezes, o que sempre dava Lógica
e Psicologia…
[...]
JS: [...] O que mais me chamou a atenção, na graduação, foram os cursos de Sociologia e
de Psicologia, nos quais eu tive contato muito forte com os clássicos do pensamento. Eno
eu li Durkheim, Weber, Mannheim, Bourdieu e a mesma coisa na Psicologia, que eu tive
aula com a Cecilia [Cortez]. […] A Cecilia deu Freud para a gente ler, a Lisandre [Maria
Castello] que depois vai se tornar a minha orientadora, deu Piaget; a Heloysa Dantas, que
era uma professora extraordinária. [...] Quem me marcou profundamente foi o Franklin
Leopoldo e Silva na Filosofia, o rio um homem de uma inteligência brutal; eu
ficava assustado com o caráter agudo do pensamento dele, a capacidade de questionamento,
muito detido no texto, enfim. Ali foi um encontro mesmo e eu acabei fazendo o doutorado
com ele. [...]
Acho que a recepção dos alunos foi muito positiva; eu tinha muita experiência, fui professor
de Filosofia no ensino médio. Também de início eu não tinha a menor noção do que era ser
um professor universitário. Achava que era a mesma coisa que eu fazia no ensino médio,
aqui. Essas coisas de pesquisa, comissões... Eu não tinha ninguém na minha família que
tivesse vivido a universidade, eu achava que era um professor e: “Poxa, que legal, agora eu
dou menos aulas, são duas turmas”. Eu estava em peodo parcial, então eu continuei
dando aula no ensino dio; depois eu fiquei aqui, e eu fui me dando conta do que
era o trabalho e nesses primeiros anos o que sempre me segurou foram os alunos, né? [...]
Teve um trabalho aqui que eu gostei muito de fazer, que era um trabalho de formação de
professores na rede pública municipal, de educação e direitos humanos. Foram aí acho que
oito anos de um curso longo, que me marcou muito, porque criou um vínculo muito forte
com a rede municipal. Eu tinha um vínculo com a rede estadual, por questões de trabalho,
eu era muito mais próximo da rede estadual, mas ali foi um vínculo grande.
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E: E eu vou te dizer que os professores da rede municipal também não se esqueceram desse
curso. [...] Eu tive um feedback num trabalho em escola municipal e as professoras
comentaram de você, como foi bom.
JS: [...] A outra experiência que eu guardo com muito carinho são os meus grupos de
estudo. Tanto como participante a Carlota e eu participamos do grupo do Zé Mário; foi
extremamente formativo , e eu estou agora no segundo grupo de estudos que eu coordeno,
esse [...] quatorze anos [...] em Educação e Pensamento Contemporâneo. Acho que
isso me marcou muito, porque é um contato muito próximo, é muito formativo. Eu tive
gente que ficou oito anos no grupo de estudos.
Assim como no relato da Cecilia, José Sérgio contrasta a experiência lá e cá, na
vivência de um momento político e suas reverberações nos comportamentos e afetos. Para os
dois e para muitos alunos na Feusp atual, a Pedagogia foi ou é o segundo curso. Embora o
primeiro curso da Cecilia fosse Ciências Sociais, ela descreve de modo intrigante o
comportamento de professores de Filosofia: Os outros professores principalmente da
Filosofia ainda vinham muito de uma tradição de cátedra, eles faziam questão de construir
uma persona, quase um personagem teatral. Então muitos fumavam cachimbo, faziam longas
pausas na aula, depois diziam frases de efeito. José Sérgio também se queixa no seu relato,
o especificamente dos professores, mas da dificuldade de leitura dos textos (para um aluno
recém-ingressante no curso da FFLCH), da exigência da chamada “leitura estrutural”, na
Universidade de Strasbourg, e da diferença do posicionamento dos colegas frente à vivência
dos anos finais da ditadura militar. Este trecho é tocante: [...] para mim, há um contraste muito
grande entre o que foi a minha experiência na Filosofia, pensando como aluno, e o que foi a
minha experiência na Faculdade de Educação, como aluno em diálogo com o momento
político. Eu sempre conto aos meus alunos que é extremamente significativo o fato de que eu
não tinha amigos no Departamento de Filosofia, e isso não se deve necessariamente à
característica daquele público, mas ao fato de que, no Departamento de Filosofia, nos anos
70, ninguém confiava em ninguém. O que a gente sabia o tempo inteiro era que havia colegas
que eram informantes. E como você fica amigo de alguém que você não sabe se entrega a sua
posição? [...] Então, foram duas experiências de graduação completamente diferentes, a
Faculdade de Filosofia e a Faculdade de Educação. Foi a primeira vez que eu me senti
acolhido na USP. Eu me sentia próximo aos meus colegas, admirava os meus professores.
Essas palavras que mesclam o estar no lugar de aluno e de professor, lembram o belo texto de
Simmel (1983) sobre o estrangeiro que se relaciona ao sentir-se estranho e o que ele aborda
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sobre o par unificado proximidade/distância. Também a ideia marxista do Homo Duplex
trabalhada por Vigotski no seu também belo texto A psicologia concreta do homem (2000).
Como pessoas duplas, trazemos em nós relações intersubjetivas, significados
atribuídos pelos outros. E, muitas vezes, essa convivência não é tranquila. É
dramática. O conceito de drama” que Vigotski toma emprestado de Politzer,
refere-se tanto às relações sociais como aos conflitos/confrontos/encontros
intrapessoais. (BRAGA, 2011, p. 115, grifo da autora)
Além de comparar duas realidades, José Sérgio fala, mais do que as entrevistadas
anteriores, de sua experiência como docente, de como se tornou professor. Compartilhando
como Cecilia suas dificuldades relacionadas à inexperiência de ser um(a) professor(a)
universitário/a e, ao mesmo tempo, a incorporação de outras experiências no magistério (ela
como professora de crianças pequenas, ele do ensino médio), ele vai se dando conta da
reciprocidade formativa (com alunos, professores da rede, grupos de estudo). São rios tempos
tempo do vivido como aluno, tempo do vivido como professor, tempo de se debruçar sobre o
vivido [...] e aí eu fui me dando conta do que era o trabalho e nesses primeiros anos o que
sempre me segurou foram os alunos, né? que vão se inscrevendo na narrativa, forma por
excelência, segundo Ricoeur (1994), de estruturação da vida humana, de organização da ação.
Ao explicar a perspectiva ricoeuriana, assim se expressa Leonor Arfuch (2010):
Relação de não coincidência, distância irredutível que vai do relato ao
acontecimento vivencial, mas, simultaneamente, uma comprovação radical e,
num certo sentido, paradoxal: o tempo mesmo se torna humano na medida em
que é articulado sob um modo narrativo. Falar do relato, então, dessa
perspectiva, não remete apenas a uma disposição de acontecimentos
históricos ou ficcionais numa ordem sequencial, a uma exercitação mimética
daquilo que constituiria primariamente o registro da ação humana, com suas
lógicas, personagens, tensões e alternativas, mas à forma por excelência de
estruturação da vida e, consequentemente, da identidade [...] (ARFUCH,
2010, p. 112, grifos da autora)
Marcos Neira também ocupa, em grande parte do seu relato, as duas posições aluno
e professor e trata de duas realidades uspianas o curso de Educação Física e a Faculdade de
Educação contando-nos das vicissitudes e encontros que vão configurando sua trajetória.
[...]
E: Marcos, você também vem de duas formões, Educação Física e Pedagogia. A gente
queria escutar um pouco, como foi essa passagem, por que voveio para cá, e também
que você conte um pouco sobre os vários lugares que ocupou aqui.
M: [...] Então, o curso de Educação Física, [...] lá nos anos 80, era extremamente técnico
[...]. Ele ainda estava regulado pela resolução de 1969; era o famoso 3 mais 1; os
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conhecimentos pedagógicos ficavam como um apêndice. Normalmente, naqueles anos
hoje eu vejo que é muito diferente , a formação era um ensinar a fazer para que dali se
abstraísse como se ensinaria. E nós não tínhamos muita afinidade com os professores e
professoras que trabalhavam com a Psicologia da Educação, a antiga Estrutura e
Funcionamento, a Didática. [...] Só que no meu caminho aconteceu uma coisa interessante:
havia um excesso de vagas para trabalhar na rede estadual [...] em 1986 havia um projeto
especial, o ciclo sico. Então, o mero de vagas de professores de Educação Física
cresceu gigantescamente. Eu fui fazer um trabalho da disciplina, “Estudos dos problemas
brasileiros”, imposta pela ditadura, [...] e a diretora me ofereceu aulas. [...] Estava no
primeiro ano da faculdade, não sabia nada e comecei a trabalhar com as crianças daquela
primeira série; na verdade Ciclo Básico Inicial (CBI). [...] E a rede estadual vivia também
um momento de repensar suas práticas, o ciclo sico era uma experiência em que nós
tínhamos a oportunidade de conversar bastante com outros colegas; havia um professor de
Matemática naquela escola que também era alguém bastante proativo, envolvido com essas
questões da educação, da política. Ele até sugeriu algumas obras da área da educação, para
que a gente pudesse se aprofundar… [...] E, aí, faço o concurso para a rede municipal, bem
no momento que o Professor Paulo Freire estava assumindo como secretário municipal e,
na escola que eu escolhi, havia uma coordenadora pedagógica que foi uma pessoa
determinante na minha vida, a Professora Sandra infelizmente falecida, nunca tive a
chance de dizer isso para ela, mas fica aqui o registro conduzia as reuniões pedagógicas
e nos apresentava Vigotski, Piaget, Paulo Freire, de uma maneira que eu comecei a achar
aquilo sensacional. Aí, o que eu pensei naquele momento: O que eu tenho que fazer
mesmo é Pedagogia, eu quero ser pedagogo”. E, como havia uma divio muito grande
entre as escolas de ensino fundamental, na época EMPG (Escola Municipal de Primeiro
Grau) e EMEI [Escola Municipal de Educação Infantil], eu pensei assim: Vou fazer
Pedagogia e vou me tornar diretor de EMEI [...]”, porque [...] a gente não dava aula nos
anos iniciais, não existia essa atribuição, e aí eu sempre fazia projetos para trabalhar com
os pequenos, porque eu gostava bastante. Então eu pensava: Vou para a EMEI, vou ser
diretor, poxa, vai ser uma maravilha, conseguir fazer uma contribuição importante”. E para
ser pedagogo? [...] Aí, fiz o vestibular e ingressei, e todos aqueles conhecimentos que lá na
Educação Física, a gente não valorizava, não tinha contato, de repente no primeiro ano, era
aquilo… O curso não era esse que nós temos hoje. Ele dava uma formação para atuar no
magistério, ou no magistério das disciplinas pedagógicas; era o que a gente chamava de
habilitações. Até a metade do segundo ano, nós íamos todos juntos, era uma turma à tarde,
outra à noite, 60 vagas em cada e, a partir do segundo semestre do segundo ano a gente
escolhia entre dois percursos: ou mais para as psicologias, ou para a área das outras ciências
da educação. E eu me impactei com essa carga muito grande de conhecimentos que eu
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entendia, naquele momento, que estavam muito distantes da prática pedagógica, mas que
ajudavam a entender o fenômeno pedagógico, o fenômeno educacional, de uma maneira
mais ampla. [...] E eu fui perseguindo aqueles saberes que, no meu entender, contribuiriam
para a ptica pedagógica. Então, eu fui me aproximando e querendo qualificar o trabalho
que eu fazia na escola. Por isso que eu escolhi essa ramificação da psicologia, [...]
naquele momento nós tínhamos várias psicologias, [...] e cada uma se dedicava a um autor
Vigotski, Piaget, Wallon... era um caminho muito interessante. E aí, fui me
aprofundando, fiquei bastante tempo na faculdade, porque, trabalhando, era pai novo; não
dava conta de fazer o curso no tempo ideal. [...] Eu fui pensando na prática, cada vez mais
me aproximando da discussão da psicologia, porque nos anos 90, era o referencial principal
para a gente fazer as intervenções. Eu preciso lembrar que os trabalhos da Emilia Ferreiro
estavam no auge, o socioconstrutivismo... tudo isso influenciava muito, e exercia um
impacto importante nas práticas. Bom, no finalzinho do curso, aconteceram dois fatos para
mim muito impactantes. A disciplina Prática do Ensino de Educação Física era oferecida
por um professor da Escola de Educação Física. [...] Aí, o EDM resolveu fazer um concurso
específico, para essa vaga. E foi aprovado um professor, infelizmente falecido, Mauro
Gomes de Mattos, e ele não conhecia nada de o Paulo. Então, havia um jornalzinho do
centro acadêmico, naquela época, onde eu havia publicado uma crítica à ausência, no curso
de Pedagogia, de qualquer disciplina que abordasse as questões do corpo. Bom, essa crítica
foi parar nas mãos desse professor ingressante. Aí, ele fez contato comigo, através da
Professora Tizuko [Morchida Kishimoto], com quem eu tinha afinidade. [...] Naquele
momento, a maioria das redes estaduais e municipais atribuía as aulas de Educação Física
para pedagogos e pedagogas. [...] Bom, ele criou uma disciplina, chamada “Introdução aos
estudos da Educação Física Infantil”, e [...] foi oferecida na minha turma [...] e eu fui
trabalhando junto, ajudando, sugerindo. [...] E comecei a achar: “Esse negócio de formar
professores também é legal, né?” [...] E, então, aconteceu uma coisa determinante: a
Professora Selma Garrido Pimenta coordenou um trabalho muito importante de formação
na rede municipal, em 1996 [...]. Ela chamou o Mauro para coordenar esse componente do
curso, Educação Física. Eu era professor da rede municipal e ele reuniu um pequeno grupo
de professores, me convidou para [...] participar. Bom, para mim foi uma abertura de portas.
Eu me encontrei nessa experiência de formar professores, colegas, coordenadores
pedagógicos e falei: “Olha, isso aqui pode ser um caminho”. E no final daquele ano também
duas coisas interessantes aconteceram: eu fiz um projeto para o mestrado, procurei a
Professora Marieta Nicolau, que tinha sido minha professora na graduação […]. O projeto
era “Como as aulas de Educação Física poderiam contribuir na alfabetização”. [...] Fiz o
mestrado, olhando a prática pedagógica, [...] a partir do referencial piagetiano [...]. Em
paralelo a isso, fiz um concurso na Escola de Aplicação, me tornei professor, pedi
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afastamento na prefeitura. [...] Terminado o mestrado, ingressei no doutorado, com a
mesma orientadora, com um outro objeto e, na conclusão, tive a oportunidade de ser
professor auxiliar do ensino, temporário, mas sempre trabalhando na rede municipal,
porque [...] apesar de ter sido uma experiência muito gratificante como funcionário da USP,
da Faculdade de Educação, [...] nos anos 90 o salário estava muito defasado. [...]. Só que,
logo que terminou o meu contrato de temporário, houve um processo seletivo, devido a
uma transformação grande no curso de Pedagogia que passou a ter duas turmas à noite e
foi necessária a contratação de um outro professor para a disciplina de “Introdução aos
Estudos da Educação Infantil” [...] que se torna um componente obrigatório no curso, [na
época] chamada Metodologia do Ensino da Arte e Movimento Corporal” [...]. Ingressei
naquele processo seletivo, de 2003 [...]. Eu tive uma coisa importante, que foi desenvolver
um trabalho de pesquisa na rede municipal de Osasco, e perceber que o referencial que eu
estava trabalhando a então não respondia àquilo que a realidade daquela escola estava
mostrando. E [...] fui deixando o referencial da psicologia [...] e me apropriando de um
referencial dos estudos culturais. Então, eu acho que eu marquei uma posição interessante
junto a um grupo bem consolidado de professores e professoras da rede para produzir uma
outra maneira de pensar a interveão pedagógica na educação física: a partir da cultura,
pensar como essa experiência para as crianças, jovens, adultos, idosos, na educação básica,
pode ajudar a ler, a pensar e reelaborar as práticas corporais e, assim, intervir na sociedade.
[...]
FIGURA 5 - Turma de Pedagogia - década de 1990
Marcos Neira é o primeiro à direita, sentado.
Fonte: Acervo pessoal do Prof. Marcos Neira
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No relato do Marcos é forte a questão do aprendizado da profissão na prática e dentro
da escola (os alunos, o colega professor de Matemática mais experiente e proativo”, a
coordenadora pedagógica que conduzia as reuniões e o introduziu nos estudos de grandes
psicólogos, o que o levou a decidir fazer Pedagogia: [...] eu comecei a achar aquilo
sensacional. Aí, o que eu pensei naquele momento: O que eu tenho que fazer mesmo é
Pedagogia, eu quero ser pedagogo”). Importante aqui destacar o lugar do outro na constituição
do sujeito e do conhecimento e, particularmente, no caso do/a professor(a), na constituição de
saberes, práticas e do próprio sujeito-professor. Interessante notar que o entrevistado menciona
muitos outros ao longo de seu relato (como os professores da Feusp que também o ajudaram a
trilhar uma subárea que unia os dois interesses e cursos de sua vida, a coordenadora do curso
de formação, a orientadora de mestrado e doutorado).
Ao comentar sobre o memorial de Magda Soares
25
, onde a professora reflete sobre sua
trajetória intelectual, abordando o pprio processo de formação como professora e formadora
de professores, Fontana (2005) considera que
[o] processo em que alguém se torna professor(a) é histórico [...]. Na trama
das relações sociais de seu tempo, os indivíduos que se fazem professores vão
se apropriando das vivências práticas e intelectuais, de valores éticos e das
normas que regem o cotidiano educativo e as relações no interior e no exterior
do corpo docente. Nesse processo, vão constituindo seu “ser profissional”, na
adesão a um projeto histórico de escolarização. Somente o distanciamento da
experiência imediata e o confronto com outras perspectivas emergentes na
prática social tornam possível a esse indivíduo perceber-se no contexto em
que se foi constituindo professor(a), analisar a emergência, a articulação e a
superação das muitas vozes e das categorias por elas produzidas, para
significar os processos culturais, e então criticar-se (ou não) e rever-se (ou
não), aderindo (ou não) a um outro projeto de escolarização. (FONTANA,
2005, p. 50)
Os anos de experiência como professor universitário, a escrita de trabalhos acadêmicos
e mesmo os diferentes lugares que ocupou na Feusp, bem como sua constante preocupação com
o projeto de formação de professores da USP (visível na parte do relato em que descreve as
mudanças na estrutura dos cursos de licenciatura) foram experiências que o fizeram refletir
sobre o vivido, além da oportunidade de narrar a própria trajetória.
A importância atribuída à prática e ao conhecimento teórico voltado para a prática
educacional E eu me impactei com essa carga muito grande de conhecimentos que eu
entendia, naquele momento, que estavam muito distantes da prática pedagógica, mas que
ajudavam a entender o fenômeno pedagógico, o fenômeno educacional, de uma maneira mais
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SOARES, M. Metameria Memórias. Travessias de uma educadora. São Paulo: Cortez, 1991.
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ampla. [...] E eu fui perseguindo aqueles saberes que, no meu entender, contribuiriam para a
prática pedagógica. Então, eu fui me aproximando e querendo qualificar o trabalho que eu já
fazia na escola. o levou a valorizar em seu relato um trabalho de pesquisa junto a uma rede
municipal paulista (assim como fez JoSérgio) e o trabalho de intervenção por parte da
universidade, o que nos leva ao próximo relato.
DA IMPOSSIBILIDADE DE UM RELATO PURAMENTE AUTOBIOGRÁFICO
Sonia Kruppa inicia seu relato lembrando o tempo do curso normal e o contato com os
estudantes da Pedagogia na Rua Maria Antonia, como parte da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras (FFCL), o que, pela forma de sua fala, parece ser para ela uma época de ouro. Ao longo
de sua narrativa, relembra outros espaços e instituições que fizeram, direta ou indiretamente,
parte da história da Feusp, como o Instituto de Educação Caetano de Campos, o Centro
Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE), ocupando inclusive parte do prédio, e o Ginásio
Vocacional, experiência que teve a participação de membros do CRPE. Do Caetano de
Campos”, ela vai para o curso de Ciências Sociais, assim como a Cecilia, com a diferença que
essa última era ex-aluna do clássico do Colégio de Aplicação.
S: [...] Sou ex-normalista da Caetano de Campos. Minha história com a Faculdade de
Educação começa antes deste formato como uma unidade da USP. Sou do tempo do curso
de Pedagogia na Maria Antonia, da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Alguns
professores catedráticos do Instituto de Educação Caetano de Campos”, em especial o
Prof. Raphael Grisi, eram também professores do curso de Pedagogia, portanto, os seus
estagiários vinham cumprir suas horas de estágio na Caetano. Acho que essa recordação,
coloca-me frente a coisas que faço hoje: os estagiários do curso de Pedagogia dos anos 60
(estávamos no auge do movimento estudantil, na Praça da República) vinham para a
Caetano de Campos, de forma bastante interessante e propositiva, num estágio de
intervenção, eles tomavam as aulas nas mãos com eles eu estudei, por exemplo, Jackson
Lambert e seu livro Os dois Brasis. Com eles conheci a Maria Antonia. Na Caetano, tive
outra professora, a Sylvia Aranha de Oliveira Ribeiro, de Sociologia, uma pessoa que
continuou me encantando, ainda hoje trabalhando de forma engajada com quase 90 anos
com a população ribeirinha do Amazonas. Com ela, estudei a Encíclica Populorum
Progressio; minha formação segue a linha da Igreja Católica Progressista, com influência
da Juventude Universitária Católica (JUC). [...] Namoro e depois me caso com um
estudante da Escola de Aplicação da Faculdade de Filosofia e tenho contato com
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professoras do Ginásio Vocacional, que iluminavam esse movimento com uma ação muito
importante: uma proposta curricular engajada. [...] Presto meu primeiro vestibular em 1970
e venho para a cidade Universitária: uma das primeiras turmas dos “barracões”. Ali, cursei
as Ciências Sociais, mas eu sempre combinei por razões de origem, sou do Bixiga
estudo e trabalho. Fui professora efetiva da Prefeitura de o Paulo, dava aula numa escola
próxima ao Autódromo de Interlagos e, de lá, vinha para a Cidade Universitária à noite.
Nesse processo de ensinar, fui assumindo tarefas de coordenação e coloquei como um
desafio para mim mesma fazer o curso de Pedagogia. [...] Fui de uma turma muito
conhecida, que retoma o centro acadêmico a turma do Moysés Kuhlmann Jr. Tive um
problema de família: tive três filhos em três anos e meu filho mais velho teve um problema
forte de saúde. Desatenta, em razão desse problema, à mudança da data da matrícula, foi
cancelada a minha vaga no curso de Pedagogia. Posteriormente, fiz novo vestibular e
retornei ao curso. fui colega de outros tantos. A Tota [apelido da Carlota] está no meio
dessas minhas duas turmas. Fui colega do Elmir de Almeida, Célia Giglio, Sebastião
Haroldo de Freitas Corrêa Porto, Elie Ghanem, Marcos Mendonça, Teresinha Reis Pinto,
Lúcia Mara Mandel e do Daniel Revah, um grupo aguerrido. Eu era a mais velha do grupo.
[...] Éramos muito unidos e faamos coisas malucas e encantadoras: por exemplo, nós
interrompemos o curso da disciplina de Medidas Educacionais/Avaliação e demos a aula
durante um s inteiro, buscando estudar e debater o que a gente julgava ser importante
no tema. Então, eu tenho uma ligação com a Faculdade de Educação de muitos anos. Fiz
também a licenciatura de Ciências Sociais aqui. Então, [...] se estamos recuperando a
história, temos de dizer isso com todas as letras: como a Faculdade de Educação é vista?!
[...] Ela era/é vista de uma maneira muito crítica porque a formação que se tinha/tem aqui,
digamos, ela não tinha/tem, para uma ala de estudantes com a qual eu me identifico, um
caráter propositivo de intervenção. Eu atribuo isso exatamente a esse processo, que
origem à Faculdade de Educação, nos anos de 69, que é a reforma universitária, que é a
criação da Faculdade de Educação num quadro de profundo autoritarismo considero que
temos de recuperar a origem da Faculdade e o papel que é atribuído à educação no conjunto
da Universidade de o Paulo; embora a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras tenha
sido o terceiro andar da Caetano de Campos e, portanto, a formação de professores esteja
no centro da criação desta Universidade. Comemorar 50 anos e voltar no tempo pode
nos fazer pensar essa história e essa trajetória, não é? E indagar: qual é o nosso papel? Qual
é a nossa função? Aí, quero retomar um outro veio, que eu gosto muito: a origem da
Faculdade de Educação, os Centros Regionais de Pesquisa. Os Centros Regionais de
Pesquisa e um deles que ocupou este prédio, ou pedaços dele que ainda existem foram
criados para que os pesquisadores tivessem o comprometimento com as questões da
educação brasileira. Quais são as questões, qual é o estudo de realidade que a gente faz para
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pensar nosso projeto político-pedagógico e efetivamente a nossa ação de intervenção hoje
frente aos problemas do Estado brasileiro? Acho que esse confronto eu me recuso às
vezes a ir ao “vão da História”
26
para discutir os problemas do Brasil, porque acho que é
aqui no gramado da Feusp que deveríamos discutir. A Faculdade de Educação tem de
discutir, nesse momento dramático do Brasil, as questões que afetam o país. E, portanto,
fazer a crítica efetivamente a essa coisa, que eu julgo ter raízes em fatos já dos anos 69, que
é a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC. Que é uma marca, uma formatação brutal
de todos nós, num modelo que deveríamos questionar/romper. Então, como é que nós
enfrentamos essa discussão e pensamos, de uma maneira instigante, quais são os temas de
currículo que efetivamente despertem nos nossos jovens futuros professores a necessidade
de estudar os problemas do Estado brasileiro? [...] Retomando, minha formação na Feusp
teve momentos muito interessantes. Fui aluna da Professora Heloysa Dantas, a quem tenho
como referência de excelência docente. Se eu não abandonei a Faculdade de Educação,
devo isso à Mariazinha Fusari, uma pessoa doce e encantadora, extremamente gentil e
educada. Quando eu falava: “Mariazinha, eu tenho de sair daqui porque a periferia não é
aqui, ela não passa por aqui e é lá que eu quero estar”, ela me respondia: “Não, você está
completamente errada. A sua periferia está aqui. É aqui que se formam os professores e é
aqui que você tem de ficar”. Outro grande professor: José Mário Pires Azanha, por quem
eu tenho grande respeito com quem briguei e fiz as pazes. Em uma das greves dos anos
1980 eu estava em greve como docente de uma escola estadual eu vinha para a Feusp
como estudante e os funcionários de limpeza não eram terceirizados e, portanto, a
Faculdade de Educação ficava imunda [...]. De alguma maneira, nós limpávamos a sala
para ter aula, apagando a marca da greve dos funcionários. Questionei o Professor
Mário, por essa atitude. Como resposta, ele disse que discutia a greve com os pares, e
eu era uma estudante, e continuou a aula. Então, eu falei: Olha, professor, se o senhor
continuar dando aula, eu vou dizer para o senhor, eu estou em greve. O senhor não quer
discutir a greve, então eu estou fora do seu curso. Eu não posso fazer a greve com meus
colegas de manhã e desmontar a greve dos colegas funcionários, limpando a marca da
importância do trabalho deles; a sujeira indica como eles são essenciais”. E fui-me embora
da sala. Era uma disciplina que eu queria muito fazer. Não posso afirmar se foi devido a
esse diálogo, mas o Professor José rio, na semana seguinte, cancelou a disciplina
naquele semestre. Posteriormente, já no doutorado, perguntei a ele se me aceitaria de volta
como estudante e, só então, terminei essa disciplina e construí, nesse embate, uma relação
de muito respeito com esse Professor. Eno, essa minha trajetória e inquietação me
colocaram desde sempre na educação. Eu também tive um comprometimento muito grande
26
Refere-se ao amplo vão no térreo do prédio dos Departamentos de História e Geografia (FFLCH), onde ocorrem
muitas assembleias.
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com a gestão de sistemas públicos de educação: em 1989, assumi o cargo de Secretária de
Educação, Cultura e Esporte na primeira gestão de Celso Daniel, em Santo André e, de lá,
eu vim para São Paulo, para a secretaria ocupada pelo Paulo Freire foi um aprendizado
enorme e, terminado o governo, eu fui para Diadema com a Lizete Arelaro. Então, quando
eu volto para cá em meados dos anos 90 ainda sem acabar o doutorado digo à Maria
Vitória Benevides, minha orientadora e uma outra figura de referência da Feusp, que eu
não sabia se iria aguentar ficar na Faculdade de Educação, onde eu estava concursada,
embora sem ser em regime de dedicação exclusiva. Imediatamente, [...] Maria Vitória, de
uma maneira sábia, me colocou perto do Professor Paul Singer, que estava começando um
projeto, "Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares”. Participei da criação da
Incubadora em 98 e, quando o professor assume a Secretaria Nacional de Economia
Solidária, tenho o prazer inenarrável da criação da mesma junto ao Ministério do Trabalho
e Emprego, na primeira gestão do Presidente Lula, permanecendo afastada da USP de 2003
a 2005. Quando retorno, faço uma coisa de novo ousada: vou para a Operação Rondon. [...]
Todos na Feusp tinham de participar de algo semelhante: uma imersão num país que a gente
não conhece e que está nos desafiando. [...] Nessa viagem, fui com Circe Bittencourt,
professora aposentada da Feusp [...]. Ela também vem dessa formação ampla das equipes
docentes, às quais também pertenceu a Nídia Nacib Pontuschka. Também fui aluna de
outros chamados grandes professores”: o Villa Lobos e o Roque Spencer Maciel de
Barros, os liberais da Feusp, que eram efetivamente conservadores, ainda que competentes
naquilo que ensinavam. Não posso dizer queo eram aulas consistentes. Mas, havia uma
relação de forma e conteúdo com a qual eu não me adaptava: possivelmente por opções
políticas, a filosofia e a história nunca chegavam ao Brasil, ficavam nos ideais clássicos e
na Idade Média. Não fui aluna do Celso Beisiegel, [...] mas devo a ele muitas conversas
sobre a Educação de Jovens e Adultos e relativas a meu livro de Sociologia da Educação,
que ele prefaciou. Considero que, como estudante e professora, fui construindo um
conjunto de significados da docência que me levam a pensar a faculdade, a importância do
estágio e a importância da extensão. Afirmo que a extensão deve nos formar como
pesquisadores. Eu não consigo ficar na distância da realidade; como professora sou uma
profissional de intervenção na realidade. Encerro dizendo que eu cumprimento vocês por
essa iniciativa, e acho que a memória e a história devem servir para iluminar o presente,
sem o quê, elas não valem a pena de serem resgatadas. [...]
Assim como nos relatos de Cecilia, Letícia e Carlota, está realçada na narrativa da
Sonia a participação em grupos (como a Juventude Universitária Católica, o grupo do bairro do
Bixiga, os grupos de colegas de várias turmas, o movimento estudantil, a turma que retoma o
centro acadêmico”, o grupo de professores e coordenadores da rede...). Assim ela se expressa
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sobre o grupo da Feusp: [Éramos] um grupo aguerrido. Eu era a mais velha do grupo. [...]
Éramos muito unidos e fazíamos coisas malucas e encantadoras: por exemplo, nós
interrompemos o curso da disciplina de Medidas Educacionais/Avaliação e demos a aula
durante um mês inteiro, buscando estudar e debater o que a gente julgava ser importante no
tema. “A grande tarefa da sociologia seria mostrar que a materialidade [da memória] não
estava no corpo, mas na sociedade” (SANTOS, 2003, p. 49).
Além disso, Halbwachs e outro estudioso, Bartlett, psilogo britânico, mostraram
com veemência em seus trabalhos clássicos que a memória não diz respeito só ao passado. Para
ambos, a recordação é uma reconstrução, baseada nos interesses e condições do presente, e nas
intenções de quem recorda.
Dizemos a nós mesmos, às vezes, ao virar as páginas: 'Aqui está um episódio,
ou uma gravura, que eu reconheço, e que eu tinha esquecido'. Com isto
queremos dizer que ela se enquadra bem na noção geral de que poderíamos
ter sido capazes de imaginar a impressão ou o episódio, ou que havia ali uma
memória separada que, por alguma razão, sempre permaneceu conosco, no
sentido de que nunca perdemos a capacidade de reproduzi-la. Mas reproduzir
não é recuperar: é, ao contrário, reconstruir. (HALBWACHS, 1952, p. 92,
tradução nossa)
27
Foi demonstrado que uma grande parte do que se diz ser percebido é, de fato,
inferido. [...] mesmo os processos perceptivos mais elementares podem ser
mostrados com frequência como tendo o caráter de construção inferencial. [...]
ninguém que reflita sobre como o processo e o conteúdo da percepção o
determinados de forma variada estará propenso a conceder uma fidelidade
descuidada à teoria dos traços de memória sem vida, fixos e imutáveis.
(BARTLETT, 1977, p. 83, tradução nossa)
28
Sonia chega a fazer um comentário a esse respeito: Acho que essa recordação,
coloca-me frente a coisas que faço hoje [...] referindo-se ao estágio de intervenção. Diríamos
que as coisas que ela faz hoje fizeram-na recordar... Depois, de forma bastante peremptória, ela
conclama: Então, [...] se estamos recuperando a história, temos de dizer isso com todas as
letras: como a Faculdade de Educação é vista?! [...] Ela era/é vista de uma maneira muito
27
Nous nous disons il est vrai, par moments, en tournant les pages : ‘Voici un épisode, ou une gravure, que je
reconnais, et que j’avais oubliée.’ Nous entendons par là que cela s’accorde bien avec la notion générale que nous
aurions été peut-être capables d’imaginer la gravure ou l’épisode, ou, encore, qu’il y avait là un souvenir détaché
qui, pour une raison ou l’autre, nous est resté toujours présent, en ce sens que nous n’avons jamais perdu la faculté
de le reproduire. Mais reproduire n’est pas retrouver: c’est, bien plutôt, reconstruire (HALBWACHS, 1952, p.
92).
28
It has been shown that a great amount of what is said to be perceived is in fact inferred. […] even the most
elementary looking perceptual processes can be shown frequently to have the character of inferential construction.
[…] nobody who reflects upon how variously determined are the process and content of perception will be prone
to give a careless allegiance to the theory of lifeless, fixed and unchangeable memory traces” (BARTLETT, 1977,
p. 83).
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crítica porque a formação que se tinha/tem aqui, digamos, ela não tinha/tem, para uma ala de
estudantes com a qual eu me identifico, um caráter propositivo de intervenção. Eu atribuo isso
exatamente a esse processo, que dá origem à Faculdade de Educação, nos anos de 69, que é a
reforma universitária, que é a criação da Faculdade de Educação num quadro de profundo
autoritarismo considero que temos de recuperar a origem da Faculdade e o papel que é
atribuído à educação no conjunto da Universidade de São Paulo; embora a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras tenha sido o terceiro andar da Caetano de Campos e, portanto, a
formação de professores esteja no centro da criação desta Universidade. O autoritarismo
envolvido na crião da Faculdade de Educação é lembrado também por Cecilia, quando fala
das Comissões Paritárias e por Letícia, quando diz que ela e os colegas enfrentaram a estrutura
fechada da Feusp. Sonia nos faz um apelo: “Comemorar 50 anos e voltar no tempo só pode nos
fazer pensar essa história e essa trajetória, não é? E indagar: qual é o nosso papel? Qual é a
nossa função?” Voltamos ao apenas mencionado texto de Todorov:
O grupo que não consegue se desligar da obsessiva comemoração do passado,
o que é tanto mais difícil de esquecer quanto mais doloroso é, ou aqueles que,
dentro de seu grupo, o incitam a viver desta forma, merecem menos
consideração: neste caso, o passado serve para reprimir o presente, e esta
repressão o é menos perigosa do que a anterior. Sem dúvida todos têm o
direito de recuperar seu passado, mas não há motivo para erguer um culto à
memória por causa da memória; sacralizar a meria é outra forma de torná-
la estéril. Uma vez restaurado o passado, a questão deve ser: para que ele pode
ser usado e com que finalidade? (TODOROV, 2000, p. 33, tradução nossa)
29
Ainda uma última observação. A admiração pelos professores não apagou e não deve
apagar experiências difíceis, a vivência do contraditório, a complexidade das relações e,
portanto, da memória. Não poderíamos deixar de mencionar, então, a história da Cecilia sobre
o contrato de trabalho trancado da gaveta de um professor liberal para proteger sua inclusão nos
quadros da USP (mesmo ela tendo sido presa por alguns dias, por apoiar amigos perseguidos
políticos); a história da Letícia sobre o olhar duro da professora no seu primeiro dia de aula na
Feusp; a história da Sonia sobre a discussão com o professor sobre a greve dos funcionários que
ela defendia.
Se existe sempre a alternativa entre memória e esquecimento, é sem dúvida
porque nem tudo o que é memorizável é memorável e, sobretudo, porque nem
tudo pode sê-lo. [...] Na escolha dos acontecimentos destacados, esse
29
El grupo que no consigue desligarse de la conmemoración obsesiva del pasado, tanto más difícil de olvidar
cuanto más doloroso, o aquellos que en el seno de su grupo, incitan a éste a vivir de ese modo, merecen menos
consideración: en este caso el pasado sirve para reprimir el presente, y esta represión no es menos peligrosa que la
anterior. Sin duda todos tienen derecho a recuperar su pasado, pero no hay razón para erigir un culto a la memoria
por la memoria; sacralizar la memoria es otro modo de hacerla estéril. Una vez restablecido el pasado, la pregunta
debe ser: ¿para qué puede servir, y con qué fin? (TODOROV, 2000, p. 33).
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ordenamento das referências memoriais, é preciso observar o trabalho de
construção da identidade que vai se fundar sobre os memoranda, quer dizer,
as coisas “dignas de entrar na meria”. (CANDAU, 2016, p. 94)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de tanto tempo convivendo com esses relatos, já escritos, e com seus autores,
com as lembranças do dia da roda de conversa, dos gestos e das vozes, dos olhares e suspiros e
risos, para a elaboração desta reflexão possível para dois docentes que o viveram as épocas
narradas; depois também de mensagens trocadas com os entrevistados por whatsapp, por e-
mails, conversas telefônicas que levaram a novas hisrias, como poderiam estas não fazer parte
de nós? Fica-nos a força da narrativa: No plano mais profundo, o das medicações simbólicas
da ão, a memória é incorporada à constituição da identidade por meio da função narrativa”
(RICOEUR, 2007, p. 40).
Nas suas narrativas, ficam tributos a tantas pessoas, algumas falecidas, por quem
eles e elas fizeram questão de deixar registrada a gratidão, fica o que contaram, fica também o
que deixaram de contar, o que esqueceram, o que se comemorou, o que se deixou de
comemorar.
Assim como Freud mostrou que, no caso da meria individual seria mais
importante dar ateão aos esquecimentos do que às lembraas, é possível
que se compreenda melhor uma sociedade considerando o que ela não
comemora, mais do que o que ela comemora. (CANDAU, 2016, p. 150)
Ao final da roda, Sonia olhou pela grande janela de vidro do segundo andar da
biblioteca da Feusp, a Biblioteca “Professor Celso de Rui Beisiegel”, e fez este comentário:
S: Como mefora, essa árvore caída logo ali fora da biblioteca, meus filhos brincaram
muito nessa árvore caída, pequenininhos, e eu vejo as crianças brincarem nessa árvore hoje.
É uma marca, um lugar. Acho que, em certos espaços com certas marcas não devemos
mexer, o espaço nos traz referências. Tínhamos uma marca como FFCL no espaço da Maria
Antônia. Mas também, a biblioteca - essa biblioteca onde estamos - sempre para mim foi a
biblioteca do encontro, s vínhamos aqui para inúmeras reuniões, não é? Não sei se a
Cecilia se lembra disso. E era uma confusão, porque não era o local do silêncio, era o local
do encontro de estudantes antes das aulas. E como tínhamos de esperar o elevador que
descia os livros, lembram? Aquela portinha, que era um maior mistério, a gente o
chegava nas prateleiras. Era muito interessante como a gente a biblioteca antiga, ela tinha
seus mistérios e suas alegrias. Ela era um local onde s nos reuníamos, ela não era o
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local do silêncio, exato porque demorava para chegar os livros que a gente pedia, porque
tinha um outro sistema veja, possibilitava esse diálogo, esse aprofundamento, essa
conversa. Quem não se lembra do Roberto Caloto, com sua paciência em nos atender no
xerox da biblioteca? E do Paraná (Antonio Francisco), morador da FEUSP, que nos atendia
nos atropelos, sempre disponível para uma conversa? É preciso marcar e conservar espaços
de encontros. Pelo menos na memória eles estão.
Esse lugar de memória (NORA, 1993) que foi a comemoração de 2019 produziu
encontros, diálogos, lembranças de outros diálogos e de encontros. Também produziu desejo
de encontros e diálogos futuros, alguns possíveis apenas pela narrativa, pela leitura, como o
imaginado na carta aos alunos de 2069, escrita pela aluna de Pedagogia Millena Miranda para
a Revista Futuro do Pretérito, organizada pelos estudantes da Feusp (quando esta estará
celebrando os 100 anos). Seremos, então, todos, história(s).
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Recebido em: 25 de outubro de 2021
Aceito em: 26 de dezembro de 2021