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RENOVAÇÃO EDUCACIONAL: A EXPERIÊNCIA DO ENSINO VOCACIONAL NO
CONTEXTO DOS ANOS DE 1950-1960
Angela Rabello Maciel de Barros Tamberlini
Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, Brasil
angmlini@gmail.com
RESUMO
Este texto aborda o Ensino Vocacional do Estado de São Paulo, valendo-se de fontes
documentais, orais e bibliográficas, buscando compreendê-lo em conexão com o rico contexto
da época, marcado pela pujança dos movimentos sociais e políticos em um período
democrático, caracterizado por iniciativas voltadas à modernização do país, à difusão da cultura
urbana e à aposta na renovação educacional como fator de desenvolvimento nacional, visando
reinventar o Brasil. Logramos, a partir do histórico da renovação, estabelecer os pontos de
contato entre esta experiência e o ímpeto renovador presente nos trabalhos do Centro Regional
de Pesquisas Educacionais de São Paulo e na criação da Faculdade de Educação da USP,
iniciativas estas que seriam ceifadas pelo golpe militar, tidas como subversivas.
Palavras-chave: Renovação Educacional. Ensino Vocacional. Universidade de São Paulo.
EDUCATIONAL RENEWAL: THE EXPERIENCE OF VOCATIONAL EDUCATION
IN THE CONTEXT OF THE YEARS 1950-1960
ABSTRACT
This paper investigates Vocational Education in the State of São Paulo, making use of
documental, oral, and bibliographical sources, in an effort to understand the topic in relation to
the complex context of the times, marked by the strength of the social and political movements
in a democratic period, characterized by initiatives aimed at the Country’s modernization, the
expansion of urban culture, and the belief on educational renewal as a tool to achieve national
development, aiming to reinvent Brazil. The investigation of educational renewal’s history
allowed us to establish the points of connection between this experience and the impetus for
renovation present in the works of São Paulo’s Regional Center of Educational Research and
in the creation of the USP’s School of Education, initiatives which would later be confronted
and treated as subversive by the military coup.
Key-words: Educational Renewal. Vocational Education. University of São Paulo.
RENOVACIÓN EDUCATIVA: LA EXPERIENCIA DE LA ENSEÑANZA
VOCACIONAL EN EL CONTEXTO DE LAS DÉCADAS DE 1950 Y 1960
RESUMEN
Este texto aborda la Enseñanza Vocacional en el Estado de São Paulo, utilizando fuentes
documentales, orales y bibliográficas, buscando comprenderla en relación con el rico contexto
de la época, marcado por la fuerza de los movimientos sociales y poticos en un período
democrático, caracterizado por iniciativas encaminadas a la modernización del país, la difusión
de la cultura urbana y el compromiso con la renovación educativa como factor de desarrollo
nacional, con miras a reinventar Brasil. A partir de la historia de la renovación, logramos
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establecer los puntos de contacto entre esta experiencia y el ímpetu renovador presente en el
trabajo del Centro Regional de Investigación Educativa de São Paulo y en la creación de la
Facultad de Educación de la USP, iniciativas que serían interrumpidas por el golpe militar,
considerados subversivos.
Palabras clave: Renovación Educativa; Educación Vocacional; Universidade de São Paulo.
RENOUVEAU PÉDAGOGIQUE: L’EXPÉRIENCE DE L’ENSEIGNEMENT
VOCATIONNEL DANS LE CONTEXTE DES ANNÉES 1950-1960
RÉSUMÉ
Ce texte aborde l’Enseignement Vocationnel dans l’État de São Paulo, avec le soutien de
sources documentaires, orales et bibliographiques, cherchant le comprendre en relation avec le
contexte riche de l’époque, marqué par la vigueur des mouvements sociaux et politiques dans
une période démocratique, caractérisée par des initiatives avec le but de la modernisation du
pays, de la diffusion de la culture urbaine et de l’engagement pour le renouveau pédagogique
en tant que facteur de développement national, visant à réinventer le Brésil. Nous avons réussi,
par moyen de l’histoire du renouveau, à établir les points de contact entre cette expérience et
l’élan rénovateur présent dans les travaux du Centre Régional de Recherches Pédagogiques de
São Paulo et dans la création de la Faculd’Éducation à l’USP, des initiatives qui seraient
proscrites et considérées comme subversives après le coup d’État militaire.
Mots-clés: Renouveau Pédagogique; Enseignement Vocationnel; Université de São Paulo.
INTRODUÇÃO
No bojo das comemorações dos 60 anos da criação da Escola de Aplicação da Faculdade
de Educação da Universidade de o Paulo e dos 50 anos da criação da Faculdade de Educação
da USP, que até 1970 era Departamento de Educação da então Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da mesma universidade, visamos investigar uma das mais marcantes experiências de
renovação educacional que ocuparam lugar de destaque na historiografia da educação brasileira,
cujo legado, pressupostos teóricos, metodologia arrojada e fundamentação social e política,
merecem destaque devido à sua relevância.
Pesquisamos o Ensino Vocacional, projeto pedagógico implementado na rede estadual
paulista, na década de 1960, devido a sua singularidade, posto que se destacou pela inovação
pedagógica, pela reformulação curricular que empreendeu, pelos fundamentos filosóficos que
nortearam a experiência, pela adoção dos métodos ativos, de novas formas de avaliação,
reorganização da arquitetura escolar, interação com a comunidade e profunda sensibilidade às
características dinâmicas da história e das transformações sociais. Comprometido com o seu
tempo e atento às principais mazelas do país, o Ensino Vocacional se destacou pela contribuição
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que deixou à nossa educação. Por sua proposta inovadora também recebia os estudantes das
licenciaturas da FEUSP como estagiários em seus estabelecimentos e teve pontos de contato
com projetos e concepções presentes no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, na gestão
de Anísio Teixeira, no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, vinculado à
USP e com pesquisadores da própria universidade que atuaram no CRPE-SP.
Com o intuito de reformular o ensino secundário, adequando-o às exigências do
aprofundamento do processo de industrialização da época e à necessidade premente de
democratizar o acesso a patamares mais elevados de escolarização aos nossos jovens, buscando
romper com a dualidade estrutural que caracterizava, sobretudo, a formação no ensino
secundário, o Ensino Vocacional objetivava aliar a formação geral e a formação profissional
em uma proposta arrojada que articulava o conhecimento à vida, e valorizava as várias
dimensões da cultura humana. A partir de uma brecha na legislação da reforma do ensino
estadual paulista, a Lei nº 6.052, de 03/02/1961, quando ainda vigoravam as Leis Orgânicas do
Ensino, promulgadas na Era Vargas, foi possível proceder à criação do Serviço de Ensino
Vocacional, o SEV, posteriormente respaldado pela nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei nº 4.024 de 20/12/1961, em seu artigo 104.
Em um período marcado por grandes transformações, tanto na vida cultural, como no
que concerne ao desenvolvimento científico e do mundo do trabalho, havia uma grande
defasagem entre a educação e as necessidades de desenvolvimento econômico e social do
Brasil. As leis do Estado Novo, destinadas a formar as “individualidades condutoras da nação
(ROMANELLI, 1995), se contrapunham às exigências de renovação e democratização do
ensino. As décadas de 1950 e 1960 se caracterizaram pela efervescência dos movimentos
sociais e poticos, pela forte atuação de uma juventude preocupada com as questões sociais,
por movimentos estudantis que abraçaram a causa da educação popular influenciados pelos
trabalhos e projetos de Paulo Freire e pela disseminação das ideias de diversos autores que
questionavam o capitalismo e seu modelo excludente, em uma época marcada por
reivindicações por inclusão social, cultural, educacional e participação política. Tensões e
contradições sociais e poticas também ganharam maior força neste período.
O Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Luciano Vasconcellos de Carvalho,
homem com capacidade de ousar, ligado aos movimentos progressistas da Igreja Católica,
buscava reformular o ensino secundário. Para regulamentar as diretrizes da reforma do Ensino
Industrial de São Paulo, decidiu nomear um grupo de especialistas em educação, dentre eles a
Professora Maria Nilde Mascellani, para delinear um novo tipo de ensino secundário.
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O secretário, aberto a mudanças, havia conhecido o trabalho realizado pela
Professora Maria Nilde, em 1959, na implementação das classes
experimentais do Instituto Narciso Pieroni do município de Socorro, no
interior do Estado de o Paulo que, adotando o ensino renovado, inovou na
metodologia e nas práticas pedagógicas e propiciou um aprimoramento
cultural e social ao seu alunado. Entusiasmado com esta pedagogia, ao
conhecer a experiência de Socorro, Luciano de Carvalho criou o Serviço de
Ensino Vocacional, o SEV, sob a coordenação da Professora Maria Nilde,
órgão destinado a coordenar as Unidades de Ensino Vocacional, diretamente
subordinado à Secretaria Estadual de Educação, e não à Coordenadoria de
Ensino Normal, como costumava acontecer (TAMBERLINI, 2018, p.2).
A partir de 1962 foram criados os primeiros ginásios, hoje correspondentes às séries
finais do ensino fundamental e, nos anos seguintes, foram instaladas as outras escolas, uma na
capital e cinco no interior do Estado. Em 1968 houve a implementação do curso noturno, com
currículo e estrutura adequados para receber os alunos e alunas que trabalhavam e o segundo
ciclo, correspondente ao atual ensino médio. A proposta curricular, objetivos, fundamentação
teórica, novas formas de avaliação, promoção da cultura local, forte interação com a
comunidade, discussão de temas atuais, maior protagonismo dos alunos, práticas pedagógicas
peculiares, eram marcas destas escolas, atentas à diversidade de seus estudantes. Valorizando
as estruturas coletivas e a participação no espaço público, debatendo questões relativas aos
problemas locais e nacionais, o Ensino Vocacional se tornou alvo de perseguições pelo regime
militar vigente na época, que o considerou subversivo. Com o progressivo recrudescimento do
regime, as perseguições se intensificaram, sobretudo após a edição do Ato Institucional nº 5, o
AI-5, culminando com a invasão concomitante de todas as escolas pelo exército e a polícia
federal, em 12 de dezembro de 1969, até a extinção do Ensino Vocacional, com a edição do
Decreto Estadual 52.460 de 05 de junho de 1970.
No período da ditadura militar e até a década de 1990, não havia muitos trabalhos
acadêmicos que abordassem esta pedagogia diferenciada, exceto algumas obras com teor mais
crítico que, a partir de análises genéricas, englobando sob a definição de escola nova”
diferentes experiências de renovação educacional, a caracterizaram como dispendiosa, mais
atenta aos aspectos psicológicos da formação de seu alunado, em detrimento da formão lógica
(RIBEIRO e WARDE, 1980), sem proceder a uma análise mais profunda ou detalhada de seus
documentos ou de suas práticas pedagógicas. Da década de 1990 em diante, dissertões e teses
de ex-professores e pesquisadores, começaram a ser elaborados, podendo contar com a
constituição dos acervos do Centro de Documentação e Informação Científica “Professor
Casimiro dos Reis Filho”, CEDIC, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
organizado em 1990, por iniciativa da Professora Maria Nilde Mascellani e do Centro de
Memória da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, fontes que
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também consultamos, com especial destaque para a tese de doutorado da referida professora,
defendida na FEUSP em 1999 e publicada, após o seu falecimento, em 2010.
A análise mais atenta dos documentos, impressos de circulação interna, materiais de
imprensa da época, textos de docentes que protagonizaram a experiência apresentados em
simsios e o recurso aos depoimentos da ex-coordenadora e ex-professores, nos permitiram
concluir que entender como pessoas e grupos experimentaram o passado torna possível
questionar interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas”
(ALBERTI, 2010, p.165).
Buscamos registrar a memória desta pedagogia instigante, objetivando nesta pesquisa
elucidar a renovação metodológica empreendida nestas escolas, sua proposta curricular, seus
pressupostos teórico-metodológicos, o conceito de formação subjacente a sua proposta, seu
significado social e político, compreendido à luz do contexto sócio histórico em que estava
inserida, marcado por fortes contradições, quando as forças de esquerda lutavam pelas reformas
de base, por movimentos de cultura e educação popular e pelo nacionalismo
desenvolvimentista, enquanto o empresariado nacional em articulação com empresários
multinacionais e generais pertencentes aos quadros da Escola Superior de Guerra, ESG,
abraçavam a doutrina da interdependência (SAVIANI, 2008).
A análise mais abrangente, contextualizada e atenta à totalidade da história, como
concebe Vilar (1992), nos afasta da incompletude de visões fragmentadas da realidade social.
Procuramos elucidar os vínculos da pedagogia Vocacional com a comunidade, pontos
de contato com as ideias, modelos pedagógicos e autores de destaque da época, e as tensões e
enfrentamentos com o regime ditatorial que lhe valeram perseguões e a pecha de subversiva,
destacando seu legado e a atualidade de suas contribuições para repensar a educação pública de
qualidade, socialmente referenciada, com timbre humanista, que pode ser lida como inspiração
para o combate aos problemas seculares de nossa educação.
A RENOVAÇÃO EDUCACIONAL E SEU CONTEXTO HISTÓRICO
Antes de abordarmos o Ensino Vocacional propriamente dito, consideramos pertinente
tecer algumas considerações importantes sobre o ensino renovado ou a escola nova.
Cabe explicitar que muitas foram as escolas que, no decorrer da história, a partir do final
do Século XIX, foram designadas como “escolas novas”, tendo como marca, grosso modo, a
adoção de experiências de vanguarda em âmbito mundial. Ao afirmar a radical diversidade da
psique infantil, recorriam à contribuição da psicologia e dos métodos ativos, colocando no
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centro dos processos educativos a criança e suas necessidades. De modo geral as escolas
renovadas receberam as marcas dos movimentos de emancipação das massas populares nas
sociedades ocidentais, reformulando a concepção do próprio papel da escola, rejeitando o seu
caráter elitista (CAMBI, 1999). Inovaram à medida que respeitavam a natureza global da
criança, não cindindo conhecimento e ação, nem atividade intelectual e atividade prática, o que
acabou por pavimentar o caminho para o questionamento da dualidade estrutural presente nas
configurações de instituições educacionais destinadas aos alunos em função de sua classe
social. A defesa da democracia e a promoção da participação ativa na vida social e potica,
assim como a valorização da autonomia e liberdade pessoal, constituíram importantes
características destas escolas.
Embora as escolas novas nasçam e se desenvolvam como experimentos
isolados, ligados a condições particulares e a personalidades excepcionais de
educadores, elas, justamente porque tiveram imediatamente ampla
ressonância no mundo educativo, propiciaram uma ria de pesquisas no
campo da instrução, destinadas a transformar profundamente a escola, não só
no seu aspecto organizativo e institucional, mas também, e talvez sobretudo,
no aspecto ligado aos ideais formativos e aos objetivos culturais (CAMBI,
1999, p.514).
Valendo-se da consolidação do campo das Ciências Sociais e da Psicologia, ocorrida na
segunda metade do Século XIX, estas correntes educacionais passaram a valorizar a
contribuição das ciências naturais e sociais, defendendo a secularização da cultura e se
inspirando em um ideário democrático e progressista, marcado pela defesa da participação ativa
dos cidadãos na vida social e potica. Para além de muitos objetivos e aspectos comuns, como
aqui assinalados, também diferenças entre os vários projetos pedagógicos que as
sustentavam, fundamentados em proposições de cunho liberal progressista, socialistas e
libertárias. As várias matrizes teóricas, explícitas ou subjacentes aos seus documentos e práticas
pedagógicas, podem nos apontar possíveis aproximações entre os diferentes modelos criados
sob a ampla sigla da escola nova.
As concepções pedagógicas e as formulações escolanovistas iriam se tornar
conhecidas e difundidas no Brasil a partir da década de 1920, cunhada como a década do
entusiasmo pela educaçãoe do “otimismo pedagógico(NAGLE, 1974), quando as reformas
estaduais começaram a ser implementadas por diferentes educadores e os debates sobre
educação ganharam relevância e dimensão nacional. Em 1924 fora criada a Associação
Brasileira de Educação, a ABE, espaço onde ocorreram muitos destes debates que redundaram
na elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, enfatizando a função
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social da escola e as propostas de reforma ancoradas nas acepções da escola nova, sob a
inflncia do pensamento de Dewey. Defendendo um programa nacional de reorganização da
educação, em oposição às reformas locais, parciais e fragmentadas, os signatários do manifesto
defendiam a educação como direito de todos e dever do Estado, sem excluir classe social.
Abordavam o aspecto político da educação, questionando a dualidade estrutural do sistema
educacional, em prol de um sistema unificado. Defendiam a autonomia da função educativa e
formação universitária para os professores em todos os níveis. O movimento era a vanguarda
na época, ameaçando os privilégios das elites, à medida que defendiam a educação pública,
laica, com as mesmas oportunidades educacionais para alunos e alunas, sob a responsabilidade
do Estado. Propunham a modernização do sistema educacional, contrapondo-se à escola
tradicional, mas não questionavam o estado burguês.
Importa destacar que este grupo não era homogêneo, havendo muitas diferenças entre
as suas concepções poticas e filoficas. Segundo Fernando de Azevedo, um de seus principais
expoentes,
Nesse período crítico, profundamente conturbado, mas renovador e fecundo,
que sucedera a um longo período orgânico, de domínio da tradição e de ideias
estabelecidas, a vida educacional e cultural do país caracterizou-se pela
fragmentação do pensamento pedagógico, a princípio, numa dualidade de
correntes e, depois numa pluralidade e confusão de doutrinas, que mal se
encobriam sob a denominação genérica de “Educação Novaou de “Escola
Nova”, susceptível de acepções muito diversas (ROMANELLI, 1995, p. 129-
130)
Nesta plêiade de concepções, cabe assinalar como denominador comum o empenho
destes intelectuais em “secularizar a cultura. Um ponto importante desta secularização para a
qual trabalharam incansavelmente foi operar a passagem da escola enquanto extensão do campo
familiar, privado e religioso para o espaço público da cidade” (NUNES, 1998, p.2).
Tratava-se de valorizar a ciência, a indústria e a democracia, vislumbrando um outro
futuro que rompesse com as concepções religiosas e particularistas, buscando a transformação
dos costumes urbanos, no trato do corpo, no uso do espaço e do tempo e na convivência social.
Ainda que houvesse concepções passíveis de questionamento, e vertentes diversas entre
os educadores, alguns com formulações higienistas que posteriormente viriam a abandonar,
cabe destacar, no campo mais voltado à inclusão social, ligado à vertente histórico-sociológica
dos educadores escolanovistas, a brilhante trajetória de Anísio Teixeira, um de nossos maiores
educadores, profundamente comprometido com a defesa da educação sob a responsabilidade
do Estado. Ocupou vários cargos públicos, desde a década de 1920, em rios locais e períodos
da história de nosso país, combatendo a desigualdade social e a dualidade presente em nosso
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sistema educacional, que oferecia formação instrumental para o trabalho para as classes
populares e educação para a fruição da cultura às elites. Concebia a educação como uma prática
atravessada pela ciência e pela arte. Em sua gestão em diferentes cargos públicos articulou o
saber popular ao acadêmico, enfrentando a tutela da igreja e as ideias conservadoras do governo
federal do período Vargas: perseguido, deixou de atuar na esfera pública até o final do Estado
Novo (NUNES, 2001).
Com a redemocratização, após 1945, retomou os trabalhos no âmbito público, dentre os
quais destacamos, por ter maior ligação com o nosso tema, a brilhante gestão à frente do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais, CBPE, que instituiu no Rio de Janeiro, quando ocupou a
direção do INEP, de 1952 até 1964, quando, novamente perseguido pela ditadura civil-militar,
é afastado de suas funções. O CBPE visava coordenar estudos sociológicos, antropológicos,
estatísticos e históricos sobre a realidade brasileira, com o intuito de tornar o INEP um indutor
de políticas públicas e, não mais, um espaço para clientelismo. Anísio criou ainda os Centros
Regionais de Pesquisas Educacionais, CRPEs, em Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo
e Porto Alegre que realizavam diversos trabalhos em interação com as universidades destas
cidades (NUNES, apudVERO; BRITTO, 2002).
Articulando uma agenda voltada aos intelectuais progressistas, Anísio pensava tornar
visíveis pela investigação e pela pesquisa os caminhos promissores rumo a uma escola atenta
aos processos de aprendizagem, portanto, atenta aos alunos e a suas aptidões prévias
(GONÇALVES; ZITKOSKI, 2019). Defendia um ensino que se adaptasse ao aluno e não o
contrário, disposto a combater uma “seletividade perversa que sempre esteve presente na
organização do ensino em nosso país. Concebia a educação como “sendo um processo de
cultivo ou de cultura, há de ser sempre algo em permanente mudança, em permanente
reconstrução, a exigir, por conseguinte, sempre novas descrições, análises novas e novos
tratamentos” (TEIXEIRA, 1957, p.5, apud GONÇALVES; ZITKOSKI, 2019, p. 355).
Para tal intento, Anísio estruturou o CBPE “em divisões autônomas: Divisão de
Pesquisa Educacional (DEPE), Divisão da Pesquisa Social (Deps), Divisão da Documentação
e Informação Pedagógica (Ddip) e Divisão de Aperfeoamento do Magistério (DAM)”
(GONÇALVES; ZITKOSKI, 2019, p.357). O CRPE de Recife, sob a direção de Gilberto Freire,
teve a participação de Paulo Freire de 1958 a 1963, e seguia o mesmo modelo do CBPE, com
as mesmas divisões autônomas e teve muita proximidade com o CRPE-SP em sua primeira fase
(GOUVÊA, 2018).
Importa frisar que os centros de pesquisa do INEP interagiram entre si, e também com
as organizações dos movimentos sociais e populares e os influenciaram: o Movimento de
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Cultura Popular, MCP, de Recife, ao qual Paulo Freire pertenceu, também tinha uma
organização interna em divisões autônomas e era ligado ao poder municipal do Recife, na
gestão de Miguel Arraes.
Seminários, pesquisas sociais, palestras sobre arte e educação, cursos de formação de
supervisores de ensino, formação de pesquisadores e planejadores, e a irradiação regional da
educação e cultura do nordeste, voltadas à compreensão da educação e cultura nacionais,
caracterizaram as atuações do CRPE- Recife, que promovia estudos de comunidade e de
manifestações da cultura popular.
No CRPE de São Paulo, sob a direção de Fernando de Azevedo e seus primeiros
assistentes, Antônio Cândido e Florestan Fernandes, a sociologia educacional ganha destaque,
tratada e concebida como ciência, com metodologia científica e rigor acadêmico. Florestan
participou das discussões sobre a criação dos centros de pesquisa do INEP, na perspectiva de
intervenção na realidade educacional do país. Dedicou-se à difusão e elaboração de obras e
pesquisas ligadas à sociologia da educação, bem como Antônio Cândido que se dedicou a
estudar as diferenças entre o campo e a cidade e seu significado para a educação (BEISIEGEL,
2013; FREITAS, 2014). Esboçava-se uma compreensão e análise mais abrangente das questões
da educação.
Em um período marcado pela industrialização acentuada, pela “modernização
civilizadora” contrapondo-se à sociedade atrasada e arcaica, investia-se fortemente na
urbanização. Amplos contingentes populacionais migravam do campo para a cidade em busca
de trabalho e melhores condições de vida em um período em que o país ainda tinha a sua
população majoritariamente vivendo no meio rural.
Ao apontar as contradições sociais presentes neste processo de urbanização que
desconsiderava as condições sociais, econômicas e culturais das crianças oriundas do campo ou
das periferias urbanas, submetidas a formas culturais diversas da sua cultura rústica, em
instituições com um patrimônio cultural próprio das camadas sociais de maior nível econômico,
as contribuições de Florestan e Antônio Cândido deixaram relevante legado. Estudos de
Florestan a respeito da configuração cultural da vida urbana brasileira nos apontam os nexos
entre cultura, infância e cidade”.
Florestan foi um dos intelectuais que insistiu para que os estudos a respeito da
infância se sobrepusessem aos estudos acerca das crianças e suas dificuldades
escolares. Ou seja, de suas intervenções, o CRPE-SP recebia constantes
estímulos para que a análise do modo de viver predominasse sobre as análises
de desempenho (FREITAS, 2014, p.689).
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Dante Moreira Leite e Luiz Pereira inspiraram-se no legado dos dois grandes mestres,
Florestan e Antônio Cândido, e efetuaram pesquisas relevantes na área da sociologia
educacional, conscientizando os educadores sobre o contexto em que o aprendizado ocorre.
Luiz Pereira investigou o funcionamento da escola primária em bairro proletário, a área
onde os alunos residiam, suas características, experiências, expectativas de futuro, motivações,
valores. Efetuou rias outras pesquisas empíricas. Buscou compreender a situação educacional
à luz da teoria sociológica, revelando que o rendimento escolar depende de maior ou menor
grau de integração entre variáveis intraescolares e extraescolares, sendo, portanto, um problema
social.
Dedicando-se a estudar temas da realidade brasileira, as questões regionais, as
comunidades, concebendo a educação popular de outra forma, voltada à participação social e
política, não mais restrita a “ler, escrever e contar”, por meio de uma escola elementar
fragmentada ou supletiva, o CBPE e os Centros Regionais concebiam cultura e educação como
formas de impulsionar o desenvolvimento regional e a democratização de nossa sociedade.
Estabeleceram diálogo entre o conhecimento da situação local e a questão educacional.
Colocaram em xeque os fundamentos homogeneizantes da escola seriada e seus
todos de avaliação, bem como as concepções recorrentes acerca da mensuração da
inteligência das crianças.
O CRPE-SP, criado em 1956, era “parte de um ambicioso projeto de Anísio Teixeira
com a intenção explícita de colocar as Ciências Sociais a serviço da reconstrução educacional
do país” (BEISIEGEL, 2013, p.595), fruto de convênio celebrado entre o INEP e a USP, com
a participação dos departamentos de Pedagogia, Sociologia e Antropologia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Congregando pesquisadores que
eram, ou tinham sido ligados à Faculdade de Filosofia, o Centro era quase uma extensão desta.
Em 1962, por iniciativa de Laerte Ramos de Carvalho, o Departamento de Pedagogia, à época
pertencente à Faculdade de Filosofia, e por ele chefiado, teve as suas instalações transferidas
para a Cidade Universitária, momento em que se ampliou a colaboração entre as duas unidades.
Pesquisadores do CRPE passaram a atuar no Departamento de Pedagogia e muitos de seus
docentes também passaram a atuar em pesquisas nas diferentes divies do Centro. Ele se
revestiu de importância ímpar, tornando-se referência na formação de pesquisadores no campo
educacional.
Maria Nilde Mascellani foi aluna do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, tendo concluído o bacharelado em 1957 e a
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licenciatura em 1958. Foi aluna de Florestan Fernandes e de Antônio Cândido, professores com
os quais teve muita proximidade durante muitos anos.
“Continuou na vida universitária especializando-se em Planejamento de Currículo no
Centro Regional de Pesquisas Educacionais, centro implantado na USP em convênio com o
Ministério da Educação e Cultura e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais”
(CHIZZOTTI, apud FÁVERO, BRITTO, 2002, p. 785-786).
Foi neste período e neste ambiente do curso de Pedagogia da FFCL-USP e do CRPE-
SP, que unia “pesquisa sólida a temas férteis e inovadoras” (FREITAS, 2014) que Maria Nilde
obteve a sua formão universitária, embora já atuasse mais tempo no campo da educação.
Formada no curso normal, também lecionara no Grupo Escolar, tendo sido professora
secundária interina na rede pública, lecionando em Escola Normal e em ginásio estadual, am
de ter participado de projeto de alfabetização de adultos.
Também a partir de meados da década de 1950 as ideias e contribuições da vertente
francesa da renovação educacional, que sofreu a influência das concepções de intelectuais
comprometidos com as classes populares, defensores da educação integral e adeptos do
socialismo, começaram a ganhar espaço no Brasil e o Ensino Vocacional é também tributário
destas formulações pedagógicas.
ENSINO VOCACIONAL: CARACTERÍSTICAS QUE O TORNARAM UMA
PROPOSTA DIFERENCIADA
O Ensino Vocacional teve como embrião as já citadas classes experimentais de Socorro,
município do interior de o Paulo, primeiras classes experimentais do ensino secundário, onde
a Professora Maria Nilde havia trabalhado como professora de educação e orientadora
pedagógica, implementando o ensino renovado.
No caso do Ensino Vocacional, bem como na experiência de Socorro, a influência mais
marcante foi da École de Sèvres, surgida no pós-guerra, por iniciativa de pessoas vinculadas à
Resistência Francesa, visando formar para a democracia e transformação social. Muitos foram
os docentes brasileiros que estagiaram em Sèvres após a visita ao Brasil, em 1954, da Inspetora
Geral de Educação na França, Edmée Hatinguais, idealizadora da reforma educacional francesa
do pós-guerra que havia criado o Centre International d’Études Pédagogiques, CIEP, para
difundir as ideias das classes experimentais francesas, as classes nouvelles, e promover o
intercâmbio entre educadores de várias partes do mundo (TAMBERLINI, 2001; STEINDEL,
DALLARIDA, ARAÚJO, 2013). O professor Luiz Contier foi bolsista em Sèvres e,
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posteriormente, ao assumir a direção do Departamento de Educação do Estado de São Paulo,
lançou as bases para que se instalassem as classes experimentais secundárias, criadas em 1959,
iniciando com a instalão da classe experimental do Instituto Narciso Pieroni de Socorro.
A Professora Maria Nilde já contava com a experiência do trabalho em Socorro em sua
bagagem, além da formação obtida no curso de Pedagogia da USP e nos cursos do CRPE-SP,
quando designada para coordenar o Serviço de Ensino Vocacional. Preocupada com a formação
do homem brasileiro, situado em seu tempo, atenta às nossas condições sociais e culturais, via
no ensino renovado, pelo qual nutria simpatia e nas proposições francesas e, sobretudo, na
concepção de que a educação secundária deveria ter o seu acesso democratizado e não apenas
voltada aos extratos sociais mais altos, a inspiração para formar o aluno crítico, participativo e
engajado, ministrando-lhe uma educação que lhe propiciasse a autorrealização e inserção na
sociedade. O compromisso com a formação integral e a articulação do conhecimento com o
meio em que se vive, consubstanciados na reestruturação curricular, maior articulação das
disciplinas, forte interação entre professores e pais, maior permanência do corpo docente nas
escolas, com reuniões pedagógicas e adoção dos métodos ativos (VIEIRA, 2014), figuraram
nas orientações para implantação das classes experimentais no Brasil, notadamente no Estado
de São Paulo, inspiradas no modelo francês. A professora Maria Nilde teve contato com estes
modelos pedagógicos em circulação no período, com uma visão de mundo mais próxima das
concepções socialistas, presente nas formulações francesas, bem como já tivera contato com
projetos de renovação educacional sensíveis às questões sociais e à desigualdade presente em
nosso país, durante a sua formação universitária. E esteve sempre atenta às necessidades de
adaptá-las à nossa realidade, rechaçando modelos que implicassem uma mera transposição
cultural.
Com seu trabalho nas classes experimentais reconhecido pelo Secretário de Educação
de São Paulo, que a nomeou para participar da comissão de educadores e especialistas do Ensino
Industrial e Secundário, que redigiriam o decreto que iria regulamentar a Lei do Ensino
Industrial em São Paulo, foi possível estabelecer a criação de um óro especializado da
Secretaria de Educação para coordenar as unidades de Ensino Vocacional, órgão esse
denominado Serviço de Ensino Vocacional, SEV, sob a coordenação geral da Professora Maria
Nilde. A partir de uma brecha na nova legislação, foi possível criar o SEV, conforme
mencionamos, diretamente subordinado ao gabinete do secretário e não à coordenadoria de
Ensino sico e Normal como normalmente acontecia nesses casos, o que lhe conferia
autonomia e força política.
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Este se constituía em um verdadeiro sistema e contava, em sua estrutura
administrativa, com uma coordenadoria, uma equipe de assessores
administrativos e pedagógicos, uma equipe de pesquisa com sociólogos e
psicopedagogos, um setor de cursos e estágios, destinado à capacitação
pedagógica, um setor de despesa, outro de prédios e equipamentos e ainda um
setor de pessoal, outro de relações públicas e outro de audiovisual e
documentação, tendo também uma biblioteca (TAMBERLINI, 2016, p.123).
A estrutura do Serviço de Ensino Vocacional parece ter se inspirado na organização dos
Centros Regionais, com suas divisões autônomas e um sistema complexo.
A instalação das unidades escolares era precedida de uma pesquisa de sondagem da
comunidade escolhida, envolvendo um levantamento das atividades econômicas locais
predominantes, um estudo sobre as características da população, seu nível socioeconômico,
suas aspirações e expectativas em relação à escola desejada para os seus filhos e a receptividade
para um novo tipo de escola. Esta visão ampliada das questões educacionais também nos remete
às pesquisas sociais presentes no CRPE-SP, desenvolvidas por Luiz Pereira e Dante Moreira
Leite, que se dedicaram à sociologia educacional, valendo-se do legado de Florestan Fernandes
e Antônio Cândido.
Os três primeiros Ginásios Vocacionais foram implementados em 1962, em locais
escolhidos por apresentarem características diversas: em São Paulo, capital, um centro
cosmopolita; em Batatais, uma região agrícola, e Americana, industrial. Em 1963 foram criados
os ginásios de Barretos e Rio Claro e, por fim, em 1968, o de o Caetano: as escolas
funcionavam em período integral. Esta diversidade era desejada pela equipe que visava
contemplar as especificidades regionais na elaboração do currículo. As equipes designadas para
trabalhar nas diferentes escolas faziam um curso de treinamento para trabalhar nas unidades e
o trabalho era realizado em conjunto sob a coordenação da Profa. Maria Nilde. As pesquisas de
comunidade subsidiavam o planejamento curricular e eram realizadas periodicamente,
permitindo avaliar a receptividade do currículo pelos pais, facilitando assim o diálogo e a
integração escola-comunidade. A preocupação com as questões regionais e os estudos sobre
comunidades também foram preocupações presentes nos Centros Regionais (GONÇALVES;
ZITKOSKI, 2019).
O currículo era nuclear e integrado, composto por áreas de conteúdo mais
intelectualizado, de áreas técnicas definidas em função das características das diversas
localidades em que as escolas estavam inseridas, reveladas nas pesquisas de comunidade
preliminarmente efetuadas e o eixo integrador do currículo era composto por Estudos Sociais,
que abrangia História e Geografia, ministradas por professores diferentes, em perspectiva
sociológica, objetivando propiciar um melhor conhecimento da realidade e o compromisso com
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a transformação social. Ainda havia Educação Musical, Artes Plásticas, oferecidas como
Práticas Educativas ao lado das áreas de cultura geral, valorizadas nesta proposta que as
considerava favorecedoras de um processo de humanização na formão oferecida, à medida
que contribuíam para a compreensão da dimensão mais profunda de existência humana e do
mundo construído. Dentre as áreas técnicas podemos destacar as Artes Industriais, Práticas
Comerciais, Práticas Agrícolas e Educação Doméstica. Nestes ginásios também havia uma
sondagem de interesses e aptidões dos alunos e um acompanhamento de seu desenvolvimento
por meio do registro nas Fichas de Observação do Aluno, as FOAS, onde os professores
anotavam, consultavam e verificavam a trajetória dos estudantes. Estas fichas permitiam que
os docentes tivessem um conhecimento mais geral e aprofundado dos diversos discentes,
compreendendo a melhor forma de promover o seu desenvolvimento e ajudá-los em eventuais
dificuldades. A integração curricular era garantida pelas unidades pedagógicas, consideradas
ferramentas responsáveis pela definição dos conceitos e da sequência de apresentação dos
conteúdos ensinados (MASCELLANI, 2010). O trabalho integrado visava à elaboração de
novos conhecimentos, à compreensão da complexidade do mundo e à ideia de que somos
capazes de modificar a realidade, tornando-nos agentes históricos e culturais. Trabalhando
interdisciplinarmente, o Ensino Vocacional utilizava o core-curriculum”, que era uma ideia ou
conceito que trabalharia uma sequência de problemas ligados à realidade dos alunos, problemas
estes que traduziriam questões universais refletidas no cotidiano: o core-curriculum’ unificava
estes problemas nas chamadas unidades pedagógicas. A pedagogia Vocacional ainda contava
com as instituições didático-pedagógicas que reproduziam situações características do mundo
do trabalho nas escolas, adequando-as à faixa etária dos alunos, crescendo em complexidade
em relação à série cursada. No primeiro ano os alunos administravam a cantina da escola, no
segundo ano, a cooperativa escolar, no terceiro, o banco escolar e na quarta série o escritório
contábil: estas atividades eram exercidas com a orientação dos professores das áreas
correspondentes, envolvendo níveis de conteúdos adequados à maturidade dos educandos,
visando não a aquisição de conhecimentos, mas também pretendendo propiciar vivências
concretas do mundo do trabalho e capacidade de organização. Essas iniciativas que,
efetivamente, aliam escola e vida, traduzem a mentalidade arrojada e inovadora de Maria Nilde
e sua equipe.
A avaliação dos alunos era constante e não se limitava a aspectos quantitativos: abrangia
todos os momentos do processo educativo. O aluno, conhecendo e assumindo os objetivos do
projeto pedagógico, se autoavaliava em todas as situações, com auxílio do docente que o
orientava quanto aos aspectos que deveria observar nas diversas etapas de formação. Não havia
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livro didático, o aluno, sujeito do conhecimento, era instado a buscá-lo, pesquisando,
estudando, orientado pelos professores, em ação didática que considerava a diversidade
concreta dos discentes. Essa avaliação qualitativa tinha o intuito de acompanhar o
desenvolvimento do aluno e não de puni-lo ou reprová-lo e se coadunava com a percepção dos
pesquisadores do CRPE-SP que defendiam a adoção de outras formas de avaliação que o
excluíssem as crianças pobres dos bancos escolares (FREITAS, 2014).
As atividades do Ensino Vocacional ainda abrangiam o estudo dirigido; estudo livre,
nas séries finais, quando os alunos adquiriam maior autonomia; estudo do meio, planejado em
articulação com os temas estudados nas diferentes áreas do currículo; além das ações
comunitárias. Para viabilizar o trabalho em grupo e o estudo dirigido, procedeu-se a uma nova
organização do espaço, do mobiliário da escola e de nova concepção arquitetônica para os
prédios escolares, buscando romper com o modelo hierarquizado de relação professor e aluno
(TAMBERLINI, 2016). Esta ruptura tamm estava presente nas formulações dos Centros
Regionais e na pedagogia freireana.
Os professores do Ensino Vocacional trabalhavam em regime de 40 horas semanais e
participavam de reuniões de planejamento, leitura e discussão de textos, reuniões com os pais,
atividades culturais, dedicando-se intensamente ao trabalho em contínuo processo de formação
e atualização.
Nos finais de semana, muitas atividades culturais eram desenvolvidas nestas escolas
comunitárias, que concebiam a educação como “integral e integrada, implicando em
estabelecimento de maior sintonia possível entre a vida escolar e a vida social em seu sentido
amplo(NEVES, 2010, p. 188). As escolas participavam de festas e eventos significativos da
comunidade, interagindo com os seus membros, promovendo Grupos de Teatro, Corais,
Galerias de Arte e Grupos de Dança, no interior da escola e nos espaços coletivos locais.
No Ensino Vocacional também se trabalhava com projetos, em diferentes
áreas, escolhidos em fuão do interesse do aluno e com a Ação Comunitária,
na qual os discentes, incentivados a assumir posição consciente e atuante em
sua comunidade, eram instados a buscar soluções para os problemas locais.
As concepções de pessoa e comunidade, oriundas do socialismo cristão de
Emmanuel Mounier, influente nos movimentos sociais, políticos e
educacionais dos grupos vinculados à Teologia da Libertação na década de
1960 estão presentes no período inicial da construção da proposta do Ensino
Vocacional, bem como as formulações de Paulo Freire e de outros autores
discutidos em período tão rico de nossa história, marcado por amplos debates
e efervescência cultural. Ser pessoa, na acepção de Mounier, implica agir e
engajar-se, ideias centrais desta pedagogia que se identifica como social
(TAMBERLINI, 2016, p. 127).
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Com base nos mesmos princípios, em 1968, já no período mais repressor do regime
militar, foram criados, junto ao Ginásio Vocacional do Brooklin, na capital, o período noturno
e o ciclo do ensino secundário (hoje ensino médio), ambos com programas fortemente
voltados ao mundo do trabalho. Os ginásios noturnos se destinavam aos jovens e adultos
trabalhadores, que retomavam os estudos escolares. Sua instalação também foi precedida de
pesquisas que investigavam o perfil socioeconômico dos potenciais alunos, seus hábitos
culturais, sua posição no mercado de trabalho, escala de valores, possíveis preconceitos,
dificuldade de expressão, noção de seus direitos e sua situação psicossocial. As pesquisas
permitiam incluir no currículo, além das áreas habituais, a legislação trabalhista, o acesso à
cultura, além da arte e literatura, disciplinas humanizadoras, que sempre compuseram os
currículos do Ensino Vocacional. Coerente com o Sistema Vocacional que concebia o currículo
como trajetória de experiências vividas pelos alunos e orientadas por objetivos definidos pelos
educadores”, o planejamento curricular do noturno é elaborado a partir “das necessidades dos
jovens e adultos” e estabelece como linhas orientadoras o debate sobre o trabalho e suas
implicações econômica, potica e cultural(MASCELLANI, 2010, p. 141).
Levando em conta a realidade do alunado do noturno, o curculo se adequava às suas
condições de vida, com uma estrutura em que as primeiras aulas eram de Educação Física, de
tomar banho, de comer no primeiro horário, depois vinham os outros horários (...)”. As
discussões e narrativas sobre as suas experiências de trabalho eram elaboradas de modo a
conduzir a “um pensamento globalizante, não fragmentado”, onde, segundo depoimento da ex-
professora Maria da Glória Pimentel (1997, apud TAMBERLINI, 2001, p.90) “os alunos
pudessem refletir sobre o seu trabalho e pensassem a própria prática.”
com um projeto mais avançado, concebendo o trabalho em acepção muito mais
complexa do que a simples formão técnica que a legislação do período previa, também em
março de 1968, foi criado o segundo ciclo. O grande diferencial desta proposta foi a introdução
da exigência da experiência do trabalho para efetuar a matrícula, exigência esta que implicava
que houvesse uma relação entre este trabalho e o conteúdo encontrado nos estudos, prevendo
assim, a integração entre a formão geral e a formação profissional. Conforme os Planos
Pedagógicos e Administrativos dos Ginásios Vocacionais, na página 361, “trabalho remunerado
também é considerado atividade curricular, enquanto previsto como obrigatório sob a forma de
emprego que todo aluno buscará (se já não o tiver) como condição para a matrícula”. Embora
nem todos os alunos da capital necessitassem de trabalhar, tratava-se, sobretudo, de uma opção
política, característica de uma proposta pedagógica que, concebendo o trabalho como o ato
criativo fundamental do ser humano, o instituía como constitutivo do processo educativo
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(NEVES, 2010, p.309). Identificamos nesta formulação a acepção gramsciana que concebe o
trabalho como princípio educativo, valorizando o trabalhador como agente criador da cultura e
da história. As turmas de segundo ciclo eram organizadas em subconjuntos profissionalizantes
de técnicos de nível médio: foram instalados os cursos de Eletrotécnica e Eletrônica,
Comunicações, Edificações, Serviço Social, Administração de Empresas e de Base. O currículo
era constitdo de uma parte geral, com áreas básicas destinadas a todos os alunos e áreas
específicas de acordo com cada subconjunto. O desenho se assemelhava ao dos ginásios e
Estudos Sociais continuava sendo o núcleo integrador do currículo, tendo papel central no
segundo ciclo, em que as Ciências Humanas compunham a área de Estudos Sociais, com
professores de Geografia, História, Sociologia, Economia, Psicologia e Filosofia, possibilitando
uma formação integral na perspectiva da formação humana.
O Ensino Vocacional angariou o respeito de educadores progressistas e ganhou
visibilidade na imprensa, fato que atraiu os interesses da clientela de maior renda que almejava
uma boa formação para os seus filhos. Para evitar que a clientela de elite que obtinha melhores
resultados nos exames de ingresso inviabilizasse a entrada dos alunos das classes populares, o
processo de seleção foi reformulado visando que as escolas se constituíssem “numa amostra
representativa da área a que tem servido” (GUARANÁ, 1969, p.2). Assim sendo, as vagas
foram oferecidas de acordo com o percentual obtido na caracterização de comunidade da
pesquisa inicial, constatando-se posteriormente que a reestruturação do processo seletivo
conduziu a uma quase identidade com a curva socioeconômica da comunidade. Esta espécie de
cota que se antecipava no tempo”, logrou, naquele momento, o intuito de combater as
assimetrias de oportunidades, visando garantir o direito à educação às pessoas de menor renda
do entorno das escolas.
no período final da experiência, tensões internas fizeram com que professores
conservadores do interior, que não se adaptaram ao sistema e não foram recontratados,
passassem a delatar os seus colegas como subversivos. O espaço e projeção adquiridos pelo
Ensino Vocacional acabaram por provocar controvérsias e gerar ciúmes e ressentimentos em
educadores incomodados por sua visibilidade: cresceram as críticas à inovação educacional e
às escolas experimentais, motivadas, talvez, pelo receio do espaço ocupado pelo SEV, que
gerava reação por parte de setores conservadores na própria universidade.
No âmbito externo, as difíceis relações com a ditadura civil-militar de então pioraram,
gradativamente, à medida que as denúncias cresciam e o regime se fechava. Após a
promulgação do Ato Institucional 5, o AI-5, as perseguições se avolumaram e, em
27/01/1969, pelo Decreto nº 51.319, o Serviço de Ensino Vocacional passou a ser subordinado
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à Coordenadoria de Ensino sico e Normal, perdendo autonomia e força potica. Alvo de
denúncias, as professoras Maria Nilde Mascellani e Áurea Sigrist foram afastadas de seus
cargos em 19/06/1969, acusadas de subversivas. Em um período de repressão intensa,
professores universitários e da educação básica perderam o direito à tedra.
Em 12/12/1969 houve, simultaneamente, a invasão das seis escolas pelo exército e a
polícia federal, com a prisão de pais, professores, alunos e funciorios, com apreensão de
livros e documentos da experiência, sendo que parte do material pedagógico foi destruída ou
queimada. Em 05/06/1970, o Decreto 52.460 fez com que os Ginásios Vocacionais
passassem a integrar a rede comum de ensino, com a instauração de inquéritos policial-militares
e a professora Maria Nilde foi cassada e aposentada com base no Ato Institucional nº5, o mais
fascista do período.
Com a pecha de subversivo, o Ensino Vocacional foi extinto e perseguições e
investigações em relação aos seus funcionários e métodos de ensino foram efetuadas em vários
óros do aparato repressivo do Estado. É possível pesquisar as ações então empreendidas pelos
óros de informação, controle e repressão do período por meio de consulta ao Relatório do
Inquérito Policial Militar da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, do Arquivo
Público do Estado de o Paulo e do acervo do Departamento Estadual de Ordem Potica e
Social de São Paulo, o DEOPS/SP, além de documentos da Comissão Estadual de
Investigações, do Ministério Público Militar e do Superior Tribunal Militar. Como nos aponta
Stevolo (2021), as investigações e inquéritos ocorreram quando a ditadura empresarial-militar
arbitrariamente ims as reformas educacionais adequadas aos interesses empresariais e à
opção pelo alinhamento com os Estados Unidos. Cabe ressaltar que a imposição da reforma
educacional não foi a única razão das perseguições, nem exclui a motivação ideológica, posto
que a metodologia, práticas pedagógicas e fundamentos do Ensino Vocacional se
contrapuseram frontalmente ao regime discricionário, tendo se aproximado mais fortemente das
concepções socialistas, sobretudo no período final. E antes do AI-5 e das reformas que adotaram
o modelo americano para o nosso sistema educacional, por meio das Leis 5.540/1968 e
5.692/1971, investigações acerca de educadores populares e docentes da rede pública e da
universidade com projetos que se configuravam como contra-hegemônicos em relação à
ditadura já eram monitorados, bem como educadores populares e ativistas da esquerda calica,
do movimento estudantil e do Partido Comunista. Destacamos ainda que as propostas voltadas
à educação popular e a conscientização sempre geraram reação de setores conservadores de
nossa sociedade oligárquica. Sandra Cavalcanti, em 1960, elaborou um dossiê sobre Paulo
Freire, a pedido de Carlos Lacerda, temeroso de que o trabalho de alfabetização de adultos
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conscientizasse os trabalhadores, e os levasse a questionar o latifúndio e Anísio Teixeira, em
1962, chamado de “ideólogo do Movimento de Cultura Popular”, o MCP, foi convocado pelo
Comando do IV Exército para falar sobre o Livro de Leitura para Adultos do MCP
(COELHO, 1986, p.1, apud GONÇALVES, ZITKOSKI, 2019, p.359).
As experiências educacionais dos CRPEs, dos pesquisadores, educadores, estudantes e
artistas “voltadas para diminuir a distância e dialogar com os sujeitos em seus contextos vitais,
em suas identidades culturais” que promoveriam o desenvolvimento e a democratização do
país, sempre foram alvo da perseguição das elites, dos conservadores e das ditaduras.
Deste modo foi interrompida também a experiência do Ensino Vocacional, uma das
mais consistentes e significativas experiências pedagógicas já implementadas na escola pública
em nosso país. No mesmo ano em que viria a ser extinta pela truculência do regime ditatorial,
o Professor Antônio Cândido de Mello e Souza, um dos intelectuais mais respeitados da
Universidade de São Paulo, que também influenciara na formação de Maria Nilde, assim a
definia em matéria da Revista Visão, de São Paulo:
Os Ginásios Vocacionais são dos movimentos mais belos do Brasil. Ali se
formou uma atitude de admirável sensibilidade em relação ao mundo em que
vivemos, uma capacidade de construir as noções que me parecem as mais
capazes de desenvolver no jovem tanto a iniciativa pessoal, quanto o espírito
de grupo os dois grandes pressupostos, aparentemente inconciliáveis, de
toda educação que, em nossos dias, queira possuir um timbre humano.
Conhecendo há muitos anos a notável educadora que o organizou, e que fora
minha aluna distinta: conhecendo vários dos seus orientadores e professores,
compreendo perfeitamente que assim fosse, pois eles foram uma das equipes
mais dignas, mais animadas do desejo de servir à coletividade de que tenho
notícia. Possa o seu exemplo ser bem compreendido, corretamente avaliado,
para frutificar a serviço do bem público (SOUZA, 1970, p. 25, apud
TAMBERLINI, 2001, p.150).
CONCLUSÕES
O Ensino Vocacional constituiu uma experiência única na educação brasileira.
Fortemente comprometido com o seu tempo, enraizado na comunidade em que as escolas
estavam inseridas, com as quais interagia buscando não só atender-lhes as necessidades, mas
também contribuir com a formação de seu alunado de forma abrangente, além de promover a
cultura local e facilitar-lhes o acesso a outras manifestações culturais, sua proposta se
caracterizou por propiciar uma formação igualitária e humana aos seus discentes. Ao valorizar
a centralidade da história, acompanhando a dinâmica dos acontecimentos, com ampla
sensibilidade em relação às peculiaridades do público e do local atendidos, compreendendo a
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educação sob o prisma da totalidade orgânica, ao associar conhecimento e vida, já havia
compreendido a ideia de educação permanente e educação para a vida, hoje tão discutidas
(TAMBERLINI, 2005). Antecipou-se aos direitos previstos em nossa Constituição Federal, que
reza que o ensino noturno deve ser adequado às condições do educando, na estruturação de seu
curso noturno. Instituiu, adiante de seu tempo, uma espécie de “cota socioeconômica”, visando
garantir os direitos da população de baixa renda, não permitindo que estas escolas blicas de
qualidade se tornassem escolas de elite. Inovou na avaliação e na atenção à diversidade de seu
alunado, tendo compreendido, como os pesquisadores do CRPE-SP, que a inteligência das
crianças não se reduz à mensuração por testes, pautados na padronização cultural.
Articulando formação geral e formação profissional, almejou romper a dualidade
estrutural que sempre caracterizou o ensino secundário em nosso país, contribuindo
substantivamente para mudar os objetivos de uma escola pública de qualidade que, antes
voltada à formação das “individualidades condutoras da nação”, nesta proposta arrojada se
dedicou a permitir “que cada cidadão possa se tornar governante e que a sociedade o coloque,
ainda que abstratamente, nas condições gerais de poder fazê-lo (...)” (GRAMSCI, 1985, p.126).
Interagiu com as fontes do ensino renovado francês, mas também bebeu na fonte do
CBPE, do CRPE-SP, das contribuições de figuras notáveis como Anísio Teixeira, Paulo Freire,
Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Dante Moreira Leite, Luiz Pereira e toda uma geração
de intelectuais comprometidos com a defesa da educação pública e a emancipação das classes
populares, buscando enfrentar a desigualdade social tão aguda em nosso país marcado pela
mentalidade escravista. A perseverança, sensibilidade, competência, compromisso e visão
social, associados à densa formação acadêmica de Maria Nilde e sua equipe, fizeram de sua
proposta pedagógica uma experiência singular.
Amplo é o legado do Ensino Vocacional e muitas o as razões que até hoje nos instigam
a conhecê-lo e divulgá-lo, corroborando as considerações de Moraes e Silva (2018), quando
nos apontam que em uma legislação educacional historicamente marcada por estrutura
hierarquizada e desigual, que durante a maior parte do tempo vigorou em nosso país, tivemos
propostas educacionais que se contrapuseram aos modelos hegemônicos, elaborando projetos
pedagógicos diferenciados e includentes, de cunho libertário e emancipador .
REFERÊNCIAS
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Recebido em: 13 de dezembro de 2021
Aceito em: 16 de dezembro de 2021