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QUANDO OBJETOS GANHAM VOZ: O CURSO DE MUSEOLOGIA DA UFRGS
PELAS RELAÇÕES DE AFETO PRODUZIDAS NA VIVÊNCIA UNIVERSITÁRIA
Ana Carolina Gelmini de Faria
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
carolina.gelmini@ufrgs.br
Eráclito Pereira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
eraclito@ufrgs.br
RESUMO
O programa de extensão Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias preserva e investiga o
itinerário da Museologia na referida universidade, com ações de salvaguarda e comunicação
voltadas para a preservação desse recorte da História da Educação. A pandemia da Codiv-19
estimulou a equipe a executar estratégias de nculo identitário no decorrer do isolamento
social. Uma das propostas foi a elaboração da subcolão Afetividades Sonoras, que tem por
objetivo coletar narrativas orais vinculadas ao patrimônio histórico-educativo pela perspectiva
dos sujeitos envolvidos. A iniciativa estimula a partilha de experiências que a dimensão material
o contempla isoladamente. Esse processo valoriza as pessoas e suas relações, estas mediadas
pelos objetos.
Palavras-chave: Patrimônio histórico-educativo. Coleções digitais. Afetividades sonoras.
CUANDO LOS OBJETOS GANAN VOZ: EL CURSO DE MUSEOLOGÍA DE LA
UFRGS POR LAS RELACIONES AFECTIVAS PRODUCIDAS EN LA
EXPERIENCIA UNIVERSITARIA
RESUMEN
El programa de extensión de Museología en la UFRGS: trayectorias y memorias preserva e
investiga el itinerario de la Museología en esa universidad, con acciones de salvaguardia y
comunicación encaminadas a preservar esta sección de la Historia de la Educación. La
pandemia de Codiv-19 estimuló al equipo a implementar estrategias de vinculación de identidad
durante el aislamiento social. Una de las propuestas fue la elaboración de la sub colección
Afectividades sonoras, que tiene como objetivo recoger narrativas orales vinculadas al
patrimonio histórico y educativo desde la perspectiva de los sujetos involucrados. La iniciativa
fomenta el intercambio de experiencias que la dimensión material no considera de forma
aislada. Este proceso valora a las personas y sus relaciones, que están mediadas por objetos.
Palabras clave: Patrimonio histórico-educativo. Colecciones digitales. Afectividades
sonoras.
WHEN OBJECTS GAIN VOICE: THE MUSEOLOGY COURSE AT UFRGS BY THE
AFFECTIVE RELATIONSHIPS PRODUCED IN UNIVERSITY EXPERIENCE
ABSTRACT
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The extension program Museology at UFRGS: trajectories and memories preserves and
investigates the itinerary of Museology at the university campus, with safeguarding and
communication actions aimed at preserving this section of the History of Education. The Codiv-
19 pandemic encouraged the team to establish identity bond strategies during social isolation.
One of the proposals was the preparation of the Sonorous Affectivities sub-collection, to collect
oral narratives linked to historical and educational heritage from the perspective of the involved
subjects. The initiative encourages the sharing of experiences that the material dimension does
not consider in isolation. This process values people and their relationships, which are mediated
by objects.
Keywords: Historical and educational heritage. Digital collections. Sonorous affectivities.
QUAND LES OBJETS GAGNENT DE LA VOIX: LE COURS DE MUSEOLOGIE A
L'UFRGS PAR LES RELATIONS AFFECTIVES PRODUITES DANS
L'EXPERIENCE UNIVERSITAIRE
RÉSUMÉ
Le programme d'extension Muséologie de l'UFRGS: trajectoires et mémoires préserve et
enquête sur l'itinéraire de la Muséologie dans cette université, avec des actions de sauvegarde
et de communication visant à préserver cette section de l'Histoire de l'éducation. La pandémie
de Codiv-19 a stimu l'équipe à mettre en œuvre des stratégies de lien identitaire pendant
l'isolement social. L'une des propositions était l'élaboration de la sous-collection Sonore-
Affectivités, qui vise à collecter des récits oraux liés au patrimoine historique et éducatif du
point de vue des sujets concernés. L'initiative encourage le partage d'expériences que la
dimension matérielle ne considère pas isolement. Ce processus valorise les personnes et leurs
relations, qui sont médiatisées par des objets.
Mots-clés: Patrimoine historico-éducatif. Collections numériques. Sonore-affectivités.
INTRODUÇÃO
O presente texto tem por desafio abordar a importância de ações de salvaguarda e
comunicação voltadas para a preservação de memórias da educação, essas vinculadas a
diferentes materialidades do cotidiano do Curso de Bacharelado em Museologia e do Programa
de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Criados em 2008 e 2017, respectivamente, ambos integram uma história do ensino
superior relativamente recente no Brasil, no entanto, esses treze anos de trajetória concentram
uma produção de vestígios que dão suporte às práticas educativas e culturais desenvolvidas por
discentes, docentes e técnicos-administrativos. Quando esse percurso concluiu dez anos, a
equipe envolvida com a formação identificou a importância de um gerenciamento dessa história
universitária, lembrar é resistir, e a Museologia é uma área de conhecimento que lida
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diretamente com o exercício da memória. Esse processo reflexivo e criativo resultou o programa
de extensão Museologia na UFRGS: Trajetórias e Memórias
1
.
Assim, a partir da apresentação da iniciativa, iremos aprofundar a produção de
memórias relacionadas às vivências vinculadas à UFRGS por meio da subcoleção Afetividades
Sonoras. Essa foi concebida no decorrer do isolamento social para contenção da Covid-19, com
o objetivo de valorizar as pessoas que dão sentido à formação em Museologia na UFRGS. Tem
por diferencial a estratégia de compartilhamento de áudios associados às evincias visuais,
valorizando a subjetividade da memória das/des/dos narradoras/es - dimensão que os
documentos por si não guardam.
PRESERVAÇÃO, PESQUISA E DIFUSÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
EDUCATIVO: O PROGRAMA DE EXTENSÃO MUSEOLOGIA NA UFRGS:
TRAJETÓRIAS E MEMÓRIAS
A iniciativa do programa de extensão Museologia na UFRGS: Trajetórias e Memórias
é produto de uma demanda recorrente em relação à preservação de registros institucionais
vinculados à educação. Surgiu em 2017 quando discentes, docentes e técnicos-administrativos
iniciaram um debate sobre os dez anos do curso de graduação em Museologia da UFRGS ao
identificarem que indícios de sua história não estavam sendo salvaguardados e que estes se
caracterizariam como um acervo vinculado à História da Educação da Museologia no Brasil.
Portanto, a iniciativa do programa de extensão é decorrência de um desejo de memória,
constituindo uma coleção visitável composta por um patrimônio histórico educativo. Sobre essa
perspectiva, Felgueiras (2005, p. 92) analisa:
O património é visto inserido num espaço de vida, organizado e edificado,
povoado por conjuntos de objetos portadores de formas, imagens, significados
e valores. Património que é "ressignificado" primeiramente pelas
comunidades que o herdam e pode e deve ser partilhado por grupos mais
vastos e afastados, como contributo para a formação de um imaginário
comum, que pode ser fortalecido por laços afectivos. Ao falarmos de
heraa educativa partilhamos quer o sentido afectivo, inerente à nossa
condição comum de aluna/o que fomos, e de professor/a, que somos, quer
ainda a perspectiva de uma história social, que trabalha a cultura material [...].
Se as ideias e teorias pedagógicas podem ser conhecidas atras de escritos,
as rotinas do quotidiano escolar e das vivências da condição [...] de aluno/a e
de professor terão de ser investigadas através das memórias e materiais a elas
associados.
1
Para conhecer o programa de extensão Museologia na UFRGS: Trajetórias e Memórias, disponível em:
http://memoriamslufrgs.online/tainacan/. Acesso em: nov. 2021
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A proposta de reunir um patrimônio histórico educativo, bem como partilhar uma
heraa educativa como Felgueiras (2005) sinaliza, demandou da equipe debates teórico-
metodológicos. Partiu-se da premissa de que os registros da história da Museologia na UFRGS
potencializam investigações sobre a/o profissional museóloga/o, a formão em Museologia no
Ensino Superior, o campo museal no Rio Grande do Sul, a produção acadêmica museológica
no Brasil e que, enquanto militantes em prol da preservação, pesquisa e difusão da memória
social e do patrimônio cultural, não poderíamos corroborar com um processo de dissociação e
perda de informação de fontes documentais vinculadas a esses processos. De acordo com Souza
(2007, p. 169):
É preciso ter em vista que os artefatos são produtos do trabalho humano e
apresentam duas facetas: eles têm uma função primária (uma utilidade prática)
e exercem funções secundárias, isto é, simbólicas. Significa considerar que os
artefatos são indicadores de relações sociais e como parte da cultura material
atuam como direcionadores e mediadores das atividades humanas, o que
confere aos objetos um significado humano.
Moreno-Martínez (2010) corrobora o apontamento de Souza (2007): as mudanças de
atitude de instâncias acadêmicas, poticas e sociais cada vez mais visam estratégias de
compreensão das relações humanas, fomentando exercícios que potencializam interpretações
sobre os valores associados às evidências que, sob o efeito da função simlica, constituem na
perspectiva desse estudo um patrimônio histórico-educativo. Sobre o contexto que impulsiona
essas iniciativas, o autor analisa:
La salvaguarda, conservación, estudio y difusión del patrimonio histórico-
educativo ha recibido los últimos veinte años y, en nuestro país especialmente,
durante la primera década del nuevo milenio, una atención inusitada desde
instancias académicas, políticas y sociales. Los cambios operados en los
paradigmas científicos, las políticas públicas tendentes a preservar el
patrimonio y las identidades culturales o los movimientos sociales de
recuperación de la memoria han favorecido la emergencia y desarrollo de una
creciente sensibilización por un amplio elenco de restos materiales e
intangibles que, en el ámbito educativo, habían estado tradicionalmente
olvidados y menospreciados. Estos cambios de actitud han supuesto la
revaloración de un legado que ha comenzado a ser apreciado y reconocido
como un conjunto de bienes culturales, como patrimonio histórico-educativo
que, más allá de su valor como objetos o testimonios en mismos, son
capaces de ayudarnos a conocer, si somos capaces de interpretarlos y
comprenderlos, la memoria y la historia de nuestras tradiciones y prácticas
educativas. (MORENO-MARTÍNEZ, 2010, p. 315).
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Para construir uma potica de preservação, pesquisa e difusão do patrimônio histórico-
educativo em enfoque foi tomado como ponto de partida o ciclo da informação, a fim de
estabelecer procedimentos e diretrizes que auxiliassem o processo de produção de
conhecimento e seu fluxo. Dodebei (2002) contribui para o debate ao analisar essa dinâmica
(FIGURA 1):
FIGURA 1 - Ciclo da informação
Fonte: DODEBEI, 2002, p. 25.
De acordo com Dodebei (2002) este modelo sistêmico possibilita a análise da produção,
acumulação e uso da informação sob duas dimensões: a primeira enquanto transferência da
informação e a segunda, já na condição de documento (transferência de informação + operação
de atribuição de memória), pela estrutura das instituições de preservação de memória social.
Seis etapas fundamentam essa dinâmica: no universo da informação - 1) assimilação:
apropriação da informação gerada pelo conhecimento; 2) produção de conhecimentos:
informações produzidas pela sociedade e disponibilizadas por rios segmentos; no momento
da utilização destas informações que as interseções de significados vão ocorrer; 3) registro:
suportes para informações, seja textuais, visuais, sonoras, tridimensionais - no universo do
documento; 4) selão e aquisição: planejadas em função das características da instituição que
mantém acervos documentais, funcionando como filtros da sociedade da informação, a fim de
favorecer o equilíbrio entre as necessidades de informação do público usuário e a oferta da
sociedade [processos redutores]; 5) organização de memória documentária: organização da
representação do conhecimento, fundamentado em processos e produtos da condensação de
conteúdos informativos no registro; 6) disseminação da informação: transmissão das
informações adquiridas para a geração de novos conhecimentos.
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As três últimas etapas apresentadas por Dodebei (2002), que comem a memória
documentária, não existem de maneira independente, ao contrário das etapas que configuram o
universo da informação. A complexidade informativa dos objetos atribuídos de memória
documentária impõe desafio às equipes encarregadas de sua documentação. A noção de coleção
e de suas funções são fundamentais para a execução da seleção e aquisição; organização de
memória documentária e disseminação da informação. De acordo com Loureiro e Loureiro
(2013, p. 7):
Coleções desempenham três funções principais: a primeira é uma “função de
conservação”, na medida em que “todo objeto não preservado e não registrado
é condenado à inacessibilidade e à perda”. Essa observação vale não apenas
para objetos tangíveis, “que desaparecem da memória dos homens e sofrem
os estragos do tempo”, mas também para os intangíveis, como dados,
enunciados, imagens e sons”. A segunda função relaciona-se ao acesso, pois
uma coleção é concebida para permitir ou, ao menos, facilitar o acesso aos
objetos que a compõem”. Deve ser dotada de uma “dupla acessibilidade”
simultaneamente física e intelectual; deve ser não apenas acessível em seu
conjunto, mas também propor os meios para o alcance e apreeno de seus
objetos”. A terceira função relaciona-se à identificação e à descoberta, pois “o
usuário de uma coleção que não foi construída por ele próprio ou que ele não
frequenta regularmente, tem acesso frequentemente por acaso, a objetos cuja
existência ignorava”. Uma das grandes questões envolvidas na gestão das
coleções seria, assim, “a busca do justo equilíbrio entre boa conservação e boa
acessibilidade.
Tendo por desafio mapear relações possíveis de serem evocadas em evidências
produzidas no cotidiano da formação em Museologia na UFRGS, foram concebidos sete eixos
norteadores:
- Coleção Institucional: Visa-se recolher e estabelecer correlação com sistemas da UFRGS que
salvaguardam a documentação produzida na fase de planejamento, implantação e
desenvolvimento da graduação em Museologia, de especializações episódicas na área e da pós-
graduação em Museologia e Patrimônio da UFRGS;
- Coleção Ensino: A coleção compreende o patrimônio e práticas educativas vinculadas às
disciplinas;
- Coleção Pesquisa e Extensão: Abrange registros produzidos a partir de ações, projetos e
programas de extensão e pesquisa fomentadas pelo corpo funcional da Museologia da UFRGS;
- Coleção Exposições Curriculares: Propõe-se reunir registros vinculados às duas disciplinas
obrigatórias de criação, desenvolvimento e exibição de uma exposão curricular: BIB03215.
Projeto de Curadoria Expográfica e BIB03217. Prática de Exposições Museológicas;
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- Coleção Eventos: A coleção compreende registros de eventos produzidos ou com parceria de
representação discente, docente e técnico-administrativa vinculada ao curso de graduação em
Museologia e/ou pós-graduação em Museologia e Patrimônio da UFRGS;
- Coleção Saída de Campo: Visa-se recolher registros das vivências vinculadas às saídas de
campo realizadas pela graduação em Museologia e pós-graduação em Museologia e Patrimônio
da UFRGS;
- Coleção Itinerários: Propõe-se realizar entrevistas com pessoas que possuem relação com a
criação e desenvolvimento do curso de graduação em Museologia, especializações episódicas
e da s-graduação em Museologia e Patrimônio da UFRGS. Esta colão será fundamentada
na metodologia da História Oral.
Definidas as linhas temáticas de coleta museal, o desafio foi constituir um processo
teórico-metodológico voltado para gestão de acervos, estabelecendo diretrizes e padrões entre
a equipe a fim de assegurar que as informações vinculadas aos itens preservados fossem
documentadas e facilmente recuperáveis. Tal exercício exigiu se ater às características básicas
de um sistema de recuperação de informação, também denominado na Museologia como
sistemas de documentação museológica (FERREZ, 1991), uma vez que o programa de extensão
tem entre suas finalidades a coleta, processamento, armazenamento e disponibilização de
informações referentes ao patrimônio histórico-educativo salvaguardado, de maneira a facilitar
seu acesso por futuros/as usuários/as. Sobre os sistemas de informão Ferrez (1991) salienta
que suas partes devem ser inter-relacionadas de forma a constituir um todo coerente, que
intermedia fontes de informação e usuárias/os, cabendo ter em vista seus objetivos, função e
componentes:
Objetivos * conservar os itens da coleção
* maximizar o acesso aos itens
* maximizar o uso da informação contido nos itens
Função * estabelecer contato efetivo entre as fontes de informação (itens) e as/os usuárias/os,
isto é, fazer com que estes, através de informação relevante, transformem suas
estruturas cognitivas ou os conjuntos de conhecimento acumulado.
Componentes· * Entradas: seleção
aquisição
* Organização e Controle: registro
número de identificação/marcação
armazenagem/localização
classificação/catalogação
indexação
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* Saídas: recuperação
disseminação (FERREZ, 1991, fl. 4)
A autora ainda destaca alguns pré-requisitos indispensáveis ao bom desempenho de um
sistema de informação: 1. Clareza e exatidão dos dados; 2. Definição dos campos de informação
que irão compor a base de dados do sistema; 3. Normas e procedimentos; 4. Controle de
terminologia; 5. Catálogos; 6. Numeração dos objetos; 7. Segurança da documentação
(FERREZ, 1991). Para suprir esses pré-requisitos optamos pelo sistema de informação e
desenvolvemos uma Potica de Acervo que contemple as práticas de incorporação e descarte
de acervo (critérios de incorporação, formas de aquisição, critérios para descarte, informativo
ao doador) e rotinas para a gestão do acervo.
A equipe do programa de extensão Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias
selecionou como repositório digital o Tainacan. Esse é um software brasileiro desenvolvido
pelo Laboratório de Intelincia de Redes da Universidade de Brasília, com apoio da
Universidade Federal de Goiás, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e
do Instituto Brasileiro de Museus. Segundo seus idealizadores:
O Tainacan é uma solução tecnológica para a criação de coleções digitais na
Internet. Pensado para atender a realidade das instituições culturais, ele é um
software gratuito, que permite a gestão e a publicação de acervos digitais de
forma fácil e intuitiva. Pode ser utilizado para o desenvolvimento de
repositórios e bibliotecas digitais, bem como ações de comunicação,
exposições e de difusão de acervos digitais. [...] O repositório é composto por
coleções que são compostas por itens. Os itens podem ser adicionados em
massa ou individualmente, diretamente do seu computador ou por vias
externas, por meio de importadores. De acordo com a necessidade de cada
coleção é possível configurar taxonomias, metadados e filtros específicos.
(TAINACAN, s.a., doc. eletr.).
O Tainacan foi idealizado no contexto de novas práticas de preservação da memória na
era da cultura digital. De acordo com Martins e Carvalho Júnior (2016), a virada do séc. XXI
teve como uma de suas marcas a possibilidade de a sociedade civil produzir e gestar coleções
de objetos digitais de seu interesse em sistemas de alta disponibilidade de serviços. Essas
experiências tiveram ressonâncias no campo museal, tornando emergencial que as instituições
elaborem e executem estratégias de acesso qualificado a informações em donio público,
integração das bases de dados e a digitalização dos acervos instituídos.
Importante salientar que o processo de disponibilização de um acervo digital exige uma
gestão contínua do processo de preservação, pesquisa e disseminação da informação. De acordo
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com o Instituto Brasileiro de Museus, a publicação on-line dos acervos culturais, como o
patrimônio histórico-educativo, tem como vantagem:
• Informações mais acessíveis e rapidamente localizáveis;
Possibilidade de enriquecimento da informação sobre os acervos, por meio
da coneo com projetos e com conteúdos específicos, de forma colaborativa
com outras áreas do museu e da sociedade;
• Possibilidade de vinculação com informões já existentes e de reutilização
dos acervos digitais em diferentes contextos e mídias, além de outras áreas e
funções da instituição: como marketing, educação, etc.;
• Facilidade de internacionalização dos acervos, agregando valor e relevância
social a sua instituição;
Em um mundo cada vez mais digitalizado, materiais digitais terão maior
durabilidade futura. (INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS, 2020, p. 19-
20).
Suportes informacionais como o Tainacan permitem não só armazenar dados, mas ousar
e propor experiências diferenciadas com o patrimônio preservado. A Museologia
Contemporânea defende que, mais do que os objetos, a atenção de seu exercício deve ser
voltada para as pessoas. Assumindo essa premissa enquanto desafio a coleção Afetividades
Sonoras foi idealizada.
MUSEOLOGIA, RELAÇÕES E AFETOS
Antes de tudo, os museus e o patrinio cultural são feitos de pessoas, por pessoas e
para pessoas. Ao longo dos anos a Museologia tem sido campo de experimentação de um
exercício multidisciplinar que tensiona e adensa diálogos nas áreas da educação, da memória e
do patrimônio cultural, evidenciando as sonoridades e sintomas que emanam de experiências
individuais e coletivas, singulares e plurais, e que constituem significativa colão de memórias
narrativas, oriundas das corporeidades que confluem nas experiências vividas/concebidas no
cotidiano dos diferentes grupos sociais.
Quando pensamos neste campo científico de experimentações é imprescindível
levarmos em consideração a fuão social do museu e o papel essencial de suas/seus
profissionais. A professora Heloísa Helena Costa (2020) aponta para a necessidade de (re)
pensarmos o bem cultural e sua valoração aos olhos do coletivo que o produziu/produz, assim
como, a nossa responsabilidade profissional e humana para com as relações e afetividades que
fazem dos espaços museológicos, suas narrativas e representações sociais presentes nos
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patrimônios culturais, efetivos instrumentos de construção da saúde cultural das cidades e de
suas gentes.
Considerando o bem cultural como algo que tem valor coletivo e um profundo
significado para o grupo que o criou, a tarefa do museólogo vai muito mais
além do que preservar objetos significativos para uma dada sociedade. Ao
observarmos essa profissão com olhar mais aguçado, procurando entender o
que é esse bem cultural de que tanto se fala, percebe-se que o museólogo é
responvel por preservar a alma das sociedades, por preservar a saúde
cultural dos grupos sociais. A questão inicial sugere que um profissional
museólogo, bem formado e consciente de seu papel social, responsabiliza-se
pela saúde cultural dos cidadãos, porque uma sociedade sem valores culturais
preservados fica doente e se deteriora, deixando o patrimônio em ruínas e o
sentimento das pessoas, despedaçado. (COSTA, 2020, p. 148).
Nesse sentido, se faz necessário seguir pensando e construindo uma Museologia cada
dia mais ajustada às necessidades do sentir-pensar das nossas comunidades, e que coaduna com
as metodologias pedagógicas, a fim de que suas/seus profissionais possam contribuir no
desenvolvimento de ações que possibilitem a reafirmação identitária, a valorização da memória,
a potencialização da produção científica dos diferentes meios onde se produz conhecimento,
proporcionando justiça cidadã e educação afetivo-cognitiva à luz dos processos museológicos
contemporâneos. Destarte, sejam igualmente desenvolvidas narrativas positivadas das
trajetórias e fazeres humanos em seus territórios culturais contribuindo assim, para a
valorização das interepistemologias que aí surgem e reverberam no cotidiano da universidade.
Ressaltamos a importância do Movimento Internacional para uma Nova Museologia -
MINOM que na Declaração do Rio - 2013, traz diretrizes para uma “Museologia do Afeto”, em
cujo teor defende “uma Museologia com intenção de mudança social, potica e econômica, a
partir da mobilização social” e recomenda que suas “considerações passem a representar os
princípios de uma museologia sensível e compreensiva, constituída de novas formas de
afetividade, respeito mútuo e indignação e com capacidade de escuta.” (CARTA DO RIO,
2013, doc. eletnico).
Walter Benjamin nos permite a compreensão de que [...] a experiência que passa de
pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas,
as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros
narradores anônimos” (BENJAMIN, 1994, p. 198) A escuta das memórias das pessoas que
participam da constante construção dessas sonoridades constituem-se no massapê que nos
convida a uma outra mirada: uma mirada que nos faça olhar para uma pedagogia do afeto, para
uma museologia do sensível, que permita enxergarmos a capacidade de estudantes, técnicas/os
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e docentes serem afetadas/des/dos pela sua própria compreensão de ser e estar no mundo,
apercebendo-se de que é necessário o afetar-se pelo que é belo e pelo que desacomoda e
constrange, e ainda assim se torna edificante, construtivo.
Pensando no exercício das experiências e vivências que perpassam o campo dos museus,
através das narrativas carregadas de distintas linguagens e expressões simbólicas, é possível
identificar e (re) estabelecer o diálogo com lugares outros, onde a palavra circula viva e,
andante, tal qual uma biblioteca ancestralmente humana, imbuída daquilo que atravessa
afetivamente nossas memórias e suas sonoridades.
QUANDO SE VOZ AOS OBJETOS: A SUBCOLEÇÃO AFETIVIDADES SONORAS
Apresentado anteriormente, uma das coleções que comem o programa de extensão
Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias é a denominada Itinerários. Sua concepção foi
motivada pelo desejo de ter contato com a memória de diferentes sujeitos que possuem, em seu
itinerário, relação com essa formação. É uma coleção diferenciada das demais, pois tem como
foco prioritário as pessoas, não os objetos. Sua formulação dialoga diretamente com os debates
da Museologia Contemporânea:
[...] o pensar sobre as coisas, atos e museus, é muito mais do que possuí-los
no desenho das pesadas linhas das definições. [...] As coisas são o que fazemos
delas. Por vezes caracterizadas como verbos em vez de substantivos, elas
funcionam como nossos reflexos; elas o nossos usos, pensamentos, atos e
conceitos. (SOARES, 2012, p. 57-58).
Priorizando as/es/os sujeitas/es/os e suas memórias, o delineamento da colão exigiu
pressupostos teórico-metodológicos próprios. Um documento norteador foi o guia de referência
Tecnologia Social da Memória, realizado pelo Museu da Pessoa (2009). Voltado para a
construção de projetos de memória com a metodologia da História Oral, tem por etapas
norteadoras construir, organizar e socializar histórias. Nesta perspectiva, destaca-se:
A História é uma narrativa. Não uma única História pronta. Ela é
sempre narrada, contada por alguém. É um processo vivo, permanente. Por
mais que fale do passado, a História é feita no presente e, de acordo com a
percepção do grupo, ela pode mudar.
A História é feita pelas pessoas. Toda pessoa é personagem e autora da
História. De um lado, ela faz parte e se relaciona com os acontecimentos e
rumos coletivos. De outro, participa da autoria desse registro. Como titular de
sua trajetória de vida, toda pessoa tem direito de decidir o que quer contar
sobre sua experiência, bem como de que forma e para quem quer transmiti-la.
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Toda história tem valor. A história de cada pessoa ou grupo é única, tem
valor e merece ser preservada e conhecida. Não histórias melhores ou
piores, nem mais ou menos importantes.
O uso das narrativas históricas faz parte do cotidiano. A história produzida
merece ser preservada para as futuras gerações, mas só é preservado o que tem
sentido social. Integrado ao dia a dia presente, de forma acessível e útil, o
registro e o uso das histórias se perpetua. Tão importante quanto contar uma
história é fazer com que seja ouvida e usada.
O que é produzido socialmente deve ser apropriado pela sociedade. A
história de cada um diz respeito à história de toda a sociedade. Deve-se
garantir o acesso público e o amplo uso das narrativas históricas.
A articulação das histórias contribui para uma nova memória social.
Articuladas, as narrativas produzidas por diferentes indivíduos, grupos e
instituições tecem uma nova memória social, plural e democrática. (MUSEU
DA PESSOA, 2009, p. 13-14).
Tendo os destaques acima como princípios norteadores foi concebida, com o advento
da pandemia de Covid-19, a subcoleção Afetividades Sonoras. Com a doença, causada pelo
vírus SARS-CoV-2 ou Novo Coronavírus, a humanidade soma aos impactos no gerenciamento
da saúde pública desdobramentos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos de
implicações profundas. Medidas de distanciamento e isolamento social foram adotadas em
escala global, o que atingiu diretamente o sistema educacional:
Dentre os problemas sociais causados pela pandemia, o sistema educacional
merece destaque, uma vez que, em função desta pandemia, o direito à
educação tem sido abruptamente privado dos estudantes em seus mais
diversos níveis de ensino, pois assim como toda a sociedade, a efeito das
políticas públicas de saúde adotadas no país, estão em período de
distanciamento social, evitando qualquer tipo de aglomeração, como a
principal medida para reduzir o contágio pelo vírus [...]. Por se tratar de uma
pandemia onde todos os atores sociais o atingidos, a busca por inovação
aliado a criatividade são fatores fundamentais para o enfrentamento dos
diversos problemas, que este novo cenário nos propicia. [...] Dessa forma, a
universidade participa como agente de transformação, tendo como base o
conhecimento gerado dentro da academia. [...] (COSTA et. al., 2020, p. 126-
127).
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) paralisou parte significativa de
suas atividades em março de 2020, posteriormente sendo adotado o ensino remoto emergencial
(ERE). Naquele momento, sem ter a dimensão das consequências da doença, todos acreditavam
em um retorno presencial em curto prazo. O impacto da Covid-19 ainda se faz presente, no
momento da escrita desse texto a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que estamos
entrando em uma quarta onda da pandemia do novo coronavírus (VALENTE, 2021). É fato que
o rus ainda se perpetua com variantes mais transmissíveis. Sentimentos como impotência e
desesperança, solidão, ansiedade, estresse e medo alertam para a necessidade de cuidados com
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a saúde mental, que causam consequências físicas e psicológicas. Oliveira (2021), a partir do
estudo "Global Student Survey", apresenta essa realidade entre os/as estudantes
universitários/as:
Sete a cada dez universitários brasileiros (76%) declaram que a pandemia
trouxe impacto na saúde mental, o maior índice registrado em 21 países
analisados, segundo uma pesquisa divulgada nesta sexta-feira (26)
[26/2/2021]. Para a maior parte (87%), houve aumento de estresse e ansiedade.
Apenas 21% buscou ajuda, e 17% declararam ter pensamentos suicidas. O
estudo "Global Student Survey" ouviu 16,8 mil estudantes de 18 a 21 anos,
entre 20 de outubro e 10 de novembro. Ele foi feito pela Chegg.org,
organização sem fins lucrativos ligada à Chegg, empresa de tecnologia
educacional norte-americana. [...] "Em todo o mundo, os estudantes nos
disseram claramente que os maiores problemas enfrentados por sua geração
são o acesso a empregos de boa qualidade e a crescente desigualdade. Lidar
com esses desafios é mais importante do que nunca após a devastação
econômica causada pela Covid, e a educação é a chave para isso", afirma Lila
Thomas, diretora de impacto social da Chegg e presidente da Chegg.org.
(OLIVEIRA, 2021, doc. eletr.).
A equipe do programa de extensão Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias
considerou a importância de se buscar estratégias que minimizem os impactos negativos do
isolamento social, defendendo que esta medida é necessária, mas como isolamento sico
somente. Uma estratégia era estimular o fortalecimento de laços afetivos no ciberespaço,
através de exercícios de memória, registrando episódios que marcaram a vida dos/as
protagonistas envolvidos/as e, nesse processo, estimular conexões entre os diferentes sujeitos.
A subcoleção Afetividades Sonoras é um exercício de valorização das pessoas que dão
propósito à formão em Museologia da UFRGS. Seu desafio é ligar as pessoas por meio de
memórias evocadas por referências materiais ou visuais, potencializando múltiplas
interpretações sobre o patrimônio dessa comunidade universitária. A subcoleção é
compreendida como espaço de encontro e partilha.
Para iniciarmos a coleta museal foi elaborada uma chamada aberta de compartilhamento
de relatos em áudio com duração de até cinco minutos, com o envio de uma imagem de
referência que rememore visualmente a narrativa selecionada (FIGURA 2). Os registros,
sonoros e visuais, são enviados para as/es/os executoras/es do programa de extensão pelo
aplicativo WhatsApp, passando posteriormente por um tratamento documental para integrar a
subcoleção. Cada depoimento gera um número de registro e são informados título, tags, tempo
de duração do áudio, dimensões, data de envio, localização, material/ técnica, produtor/autor,
procedência, comentários/dados históricos, estado de conservação e condições de reprodução.
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FIGURA 2 - Chamada aberta para a subcolão Afetividades Sonoras.
Fonte: Programa Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias, 2021.
A composição da subcoleção Afetividades Sonoras se tornou uma interessante
experiência para acompanhar a dinâmica entre a memória individual e a memória coletiva. Se
uma personificação da narrativa atravessada pelos sentidos e pela linguagem própria da
pessoa, recordada em indícios marcantes para o indivíduo, concomitantemente essa memória
representa o coletivo, pois evoca acontecimentos vividos pelo grupo, construindo e preservando
uma identidade cultural. A proposta é rememorar momentos marcantes de uma coletividade da
UFRGS que compartilha traços identitários.
Nesse processo os objetos ganharam voz. Fotografias, criações artísticas e outras
materialidades foram interpretadas por narradores/as diversos/as (FIGURA 3): Afetividades
Sonoras é a subcolão mais democrática do programa de extensão, seja por ter ampliado a
inserção de novos/as agentes, seja pela escolha de acervos inéditos a serem preservados, ou
mesmo pela ampliação da dimensão simbólica compartilhada pelas narrativas.
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FIGURA 3 - Subcoleção Afetividades Sonoras
Fonte: Programa Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias, 2021.
As memórias compartilhadas possibilitam observar como diferentes epidios do
cotidiano da graduação em Museologia e da Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio
marcam as experiências vividas na UFRGS. Foram destacadas, por exemplo, saídas de campo,
viagens de estudo, atos de militância em prol do patrimônio cultural, projetos de extensão,
curadorias de exposições, formaturas e eventos. Ou seja, ainda que sejam ações características
da formação, para os sujeitos foram momentos diferenciados.
O interessante é observar como acervos - muitos que já estão previstos para serem
incorporados no Repositório Digital em coleções próprias de suas temáticas - ganham sentido
afetivo, difícil de ser apreendido sem o registro da relão entre sujeito e objeto. Dois exemplos
serão aqui compartilhados - objeto selecionado + a descrição de seus áudios -, para enfatizar
como os áudios potencializam as memórias que as pessoas construíram em suas vivências na
UFRGS:
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FIGURA 4 - Item MSL6.1.1 - Saída de campo na disciplina de Teoria Museológica 2018/1
Fonte: Programa Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias, 2021.
Oi! Eu me chamo Iandora de Melo Quadrado, eu sou estudante da Museologia,
ingressei no ano de 2015, e eu queria compartilhar um pouquinho uma
memória que eu tenho. Na verdade, eu tenho várias merias em relação ao
curso, mas eu gostaria de compartilhar uma delas, que me marcou bastante.
Foi no primeiro semestre do ano de 2018, na disciplina de Teoria
Museológica, em que nós tivemos uma saída de campo, nós fomos até São
Miguel das Missões e nós tivemos a oportunidade de refletir um pouco
sobre a questão indígena local, e a partir dessa experiência, a partir de
pesquisas a gente desenvolveu uma mostra expográfica que me marcou muito,
porque embora eu seja professora de História foi um momento de energia e de
pensar de uma forma diferente, mais de perto sobre a questão indígena e é uma
questão que tenho trazido desde então nos meus trabalhos, nas minhas
pesquisas, na própria exposição curricular que nós fizemos essa temática de
alguma forma foi abordada. Agora estou próxima da conclusão de curso e vou
trabalhar isso no meu TCC. Acho que é isso, a minha memória é bem
marcante, foi bem marcante, o grupo que nós fomos, as discussões que foram
feitas, foi uma primeira experiência expográfica, embora não tenha sido uma
exposição, mas foi uma mostra de fotos e foi bastante interessante pensar em
grupo, então era isso. Obrigada e um beijo. (MELO, 2020, inf. verbal)
2
.
2
Para escutar o áudio, disponível em: https://memoriamslufrgs.online/tainacan/itinerarios/18686-
2/?perpage=12&order=DESC&orderby=date&pos=15&source_list=collection&ref=%2Ftainacan%2Fitinerarios
%2F. Acesso em: nov. de 2021.
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FIGURA 5 - Item MSL6.1.10 - O primeiro contato.
Fonte: Programa Museologia na UFRGS: trajetórias e memórias, 2021.
Meu nome é Ana Celina, eu tenho muitas memórias afetivas, muitas merias
do coração em relação ao curso de Museologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, tanto em relação aos professores do curso, todos os
professores, não quero cometer nenhuma injustiça com ninguém, então não
vou mencioná-los, e também em relação aos meus colegas da primeira turma
de Museologia que ingressou em 2008. Mas como tem que selecionar uma
entre tantas memórias boas e carinhosas, eu resolvi relatar o meu primeiro
contato com o curso, antes do curso iniciar. É algo que aconteceu em 2007,
onde a universidade divulgou em uma tarde de 2007 - não me lembro
exatamente o dia - que o Departamento de Ciências da Informação faria uma
apresentação do Curso de Museologia, que teria o seu primeiro vestibular em
2008. Deu a calhar que era uma tarde que não trabalhava, queo teria aula e
eu entrei em contato para ver se era pra comunidade (fiquei ana dúvida) e
sim, era aberto ao público e eu fui, fui lá de tarde para ouvir qual era a proposta
do curso, como era a estrutura. E lá encontrei quem falou em nome do Curso,
na época o diretor até era, se não me engano, o professor Valdir Morigi, mas
quem falou em nome do curso foi a professora Ana Maria Dalla Zen, claro
que ela estava representando um grupo de muitas pessoas, de muitos
professores que estavam engajados na construção do curso e nesse ponto
destaco a professora Iara Bittencourt, a professora Marlise Giovanaz, que
atuaram muito, mas a Dalla (como a gente chama ela carinhosamente) é que
falou, e me lembro até hoje da figura, da presença dela naquele dia. Ela estava
muito bonita, com um vestido preto, maquiada, muito elegante, estava muito
bonita, e ela falou com um entusiasmo tão grande do Curso, com uma alegria,
com uma satisfação que me contagiou. Até inclusive ela mencionou que
poderia se aposentar, mas que esse projeto fez com que quisesse permanecer,
tinham coisas a serem feitas ainda. Ela sentia isso. Eu tinha visto uma vez
a professora Dalla, não conhecia ela, mas a alegria dela, a forma como ela
colocou as coisas me encheram de vontade, eu estava receosa se deveria ou
não prestar vestibular - afinal fazia tantos anos que eu não estudava, tinha
outra formação, um pouco na dúvida, um pouco no medo, tinha 42 anos,
iniciar uma graduação novamente - mas ela foi tão entregue, percebi a entrega
dela no projeto desse curso que eu saí de com certeza absoluta que eu
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deveria fazer o vestibular, cheia de esperança e coragem. E fiz, prestei o
vestibular em janeiro de 2008, tive a sorte de passar, de fazer parte da primeira
turma da Museologia. Claro, no início a gente tem todas as dificuldades, o que
é normal, mas o que a Dalla representou naquele dia, alegria, esperaa e
coragem, foram a marca da trajetória do início do Curso. E se não fosse ela,
se não fosse naquela tarde ouvi-la, eu não sei se teria feito, ela me deu esse
empurrão sem saber, que fez eu fazer o Curso. E hoje eu tenho a alegria de
fazer parte do corpo docente desse Curso. Isso faz a gente refletir da
importância desse primeiro contato e como é importante a gente se apaixonar
pelas coisas que a gente faz, e a professora Ana Maria Dalla Zen realmente é
uma apaixonada pelo que ela faz, é uma apaixonada pelo Curso de
Museologia. A minha memória carinhosa, que guardo dentro do coração, é
essa. É a primeira, vieram muitas depois, mas essa é especial. (SILVA, 2021,
inf. verbal)
3
.
Os dois exemplos compartilhados demonstram a relação simlica do sujeito com o
objeto: as depoentes dotam os vestígios materiais/visuais de sentidos, processo que potencializa
as vivências. Interessante destacar que esses indícios - nos exemplos citados a fotografia e o
convite -, se tornam ricas tessituras que, conduzidas pela dinâmica da memória, preservam não
somente as materialidades, mas, especialmente, a dimensão intangível marcada pelas interações
entre pessoas.
As memórias afetivas coletadas, compreendidas nesse exercício museal como
patrimônio, colaboram para compreender como diferentes agentes atribuem valor às práticas da
comunidade universitária que integram. O patrimônio histórico educativo da formação em
Museologia na UFRGS é constituído no cotidiano dessa comunidade - que defende por
princípios a valorização do conhecimento, o respeito à diversidade, o estímulo à criatividade, a
resistência e militância, e o exercício da cidadania. Que a subcoleção Afetividades Sonoras nos
afete sobre a importância da universidade pública brasileira, que transforma continuamente a
vida das pessoas e, consequentemente, a sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A subcoleção Afetividades Sonoras é resultado de um exercício improvisado, tentativa
de unir uma comunidade universitária em um momento histórico em que os laços identitários
encontram-se fragilizados. As medidas necessárias para a contenção da pandemia criaram
situações inéditas para formações presenciais: turmas em que discentes não se conhecem
3
Para escutar o áudio, dispovel em: https://memoriamslufrgs.online/tainacan/itinerarios/20654-
2/?perpage=12&order=DESC&orderby=date&pos=6&source_list=collection&ref=%2Ftainacan%2Fitinerarios
%2Fpage%2F2%2F. Acesso em: nov. de 2021.
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para além do compartilhamento de câmeras em salas de aula virtuais e a rotina cotidiana no
campus é uma ideia longínqua. Compartilhar memórias vivenciadas na UFRGS se tornou uma
estratégia adotada pela formação em Museologia - em nível de graduação e pós-graduação -
para reforçar a sensação de pertencimento a uma determinada coletividade (que tem por
referência a UFRGS, mas é composta e consolidada por muitos grupos com suas
singularidades), enfatizando a importância de cada pessoa que integra essa dinâmica social.
A coleta de memórias vinculadas ao dia-a-dia universitário, que democratiza a/o
narradora/narrador, amplia as possibilidades de interpretar uma história da UFRGS para além
das fontes oficiais. São indícios que valorizam uma micro-história da Universidade nos
pormenores, onde o ponto de vista é um elemento a ser considerado na construção dessa
memória coletiva.
Embora as memórias coletadas tenham por tro a singularidade de sua elaboração,
encontramos uma convergência entre elas: a importância dada às relações entre os sujeitos. As
trocas entre discentes, docentes e técnicos-administrativos são marcantes quando escutamos os
áudios. Os objetos visuais auxiliam essa interpretação, sendo elementos mediadores de uma
dimensão intangível da memória. Esse processo reforça que a universidade é um patrimônio
público, significado e partilhado pelas dinâmicas de afeto.
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Recebido em: 15 de dezembro de 2021
Aceito em: 06 de junho de 2022