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PLANOS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO: PROPOSTAS PARA A CONSTITUIÇÃO
DE DIFERENTES CULTURAS POLÍTICAS
Heitor Lopes Negreiros
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
heitornegreiros@hotmail.com
Amarílio Ferreira Neto
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
amariliovix@gmail.com
Wagner dos Santos
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
wagnercefd@gmail.com
RESUMO
Objetiva analisar as tensões pela implementação de culturas políticas distintas, a partir de
diferentes propostas de Planos Nacionais de Educação (1997). Fundamenta-se na análise
crítico-documental, tendo como fontes as propostas de Planos Nacionais de Educação do
Executivo Federal e do II Congresso Nacional de Educação, CONED. Utiliza como instrumento
de auxílio o software IRAMUTEQ. Os resultados evidenciam que: a) os planos tinham
diferentes propostas para a constituição da cultura político-educacional; b) a do Executivo
Federal estava voltada para as recomendações dos organismos multilaterais, e a do II CONED
tinha como foco a diminuição das desigualdades; c) ambas as propostas partiam de um mesmo
diagnóstico, com as mesmas fontes, principalmente os documentos dos organismos
multilaterais.
Palavras-chave: Plano Nacional de Educação. Cultura política. Política educacional.
INTRODUÇÃO
No fim da década de 1990, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi objeto de tensões,
disputas e negociações entre o executivo federal e representantes da sociedade civil, gerando
duas propostas com distintas concepções. O governo elaborou o PNE Proposta do Executivo
Federal que era considerado antiético pela oposição, com propostas que não correspondiam às
concepções das entidades educacionais, que, em contraposição, elaboraram o PNE Proposta
da sociedade brasileira no âmbito do II Congresso Nacional de Educação (CONED).
De acordo com a Constituição Federal (CF/1988), o PNE deverá ter duração de dez
anos, com os objetivos de: articular o sistema nacional de educação na busca do
desenvolvimento da educação. Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN/1996) destaca que o PNE deverá estar em sintonia com a Declaração Mundial sobre
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Educação para Todos, apontando para o alinhamento com os organismos multilaterais. Este
documento foi aprovado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien
(1990), que teve, como seus organizadores, o Banco Mundial (BM), a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e a Unesco.
Para Dourado (2010) a tramitação do PNE envolveu o embate entre dois projetos que
expressavam concepções e prioridades educacionais distintas, sobretudo na abrangência das
políticas em seu financiamento e gestão. Saviani (2011) considera que a proposta do Executivo
Federal tinha como objetivo introduzir uma racionalidade financeira na educação e a proposta
do II CONED introduzia uma racionalidade social.
Diante do exposto, questionamos: as duas propostas de PNE realmente diferiam em
todos os aspectos? As bases para pensar e propor as metas e estratégias eram diferentes? Qual
a crucial distinção entre elas?
O objetivo deste artigo é analisar as tensões da busca pela implementação de culturas
políticas distintas a partir de diferentes propostas de PNE. Desse modo, buscamos entender o
contexto das reformas educacionais da década de 1990 por meio das tensões, disputas e
negociações entre as duas propostas de PNE que pretendiam ser implantadas naquele período.
TEORIA E MÉTODO
Baseamo-nos nas orientações de Bloch (2001, p. 78) sobre a necessidade de interrogar
o passado, em que “[...] não nos resignamos mais a registrar pura e simplesmente as palavras
de nossas testemunhas, a partir do momento em que tencionamos fazê-las falar”. Dessa forma,
questionamos às fontes sobre a prática dos sujeitos envolvidos na elaboração dos planos
nacionais e sobre suas bases de pertencimento político, para que, a partir desse arcabouço,
pudéssemos compreender a cultura política na qual estavam estabelecidos e as implicações para
a consecução das políticas educacionais que nos regem na atualidade.
Desse modo, compreender como se constituem as culturas político-educacionais se faz
importante, na medida em que se compreende que as culturas políticas exercem papel
fundamental na legitimação de regimes e na criação de identidades. Berstein (2009, p. 31)
define a cultura política como: “um grupo de representações portadoras de normas e valores
que constituem a identidade de grandes famílias políticas e que vão muito além da noção
reducionista de partido político”.
Além disso, apoiamo-nos da teorização de Antoine Prost (2003) sobre a análise lexical.
O autor considera que aliar a história aos métodos linguísticos possibilita colocar a pesquisa no
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caminho das descobertas, fazendo com que surjam aproximações, diferenças e estruturas que
não se percebiam na simples leitura dos textos.
As fontes foram analisadas por meio das categorias de análise centro e periferia
(GINZBURG, 2002) e estratégia e tática (CERTEAU, 2002), para que, então,
compreendêssemos a cultura política (BERSTEIN, 2009) na qual estavam estabelecidos os
sujeitos, assim como a dinâmica das relações de força (GINZBURG, 1991).
Após a leitura atenta das duas propostas de PNE, compreendemos a necessidade de
um refinamento analítico e, nessa perspectiva, buscamos instrumentos que pudessem
potencializar nossas análises, a fim de que as minúcias fossem evidenciadas, levando-nos a
compreender os indícios, intencionalidades e o projeto de formação, além de diferenciar nossa
leitura das análises realizadas. Desse modo, utilizamos, como ferramenta de análise, o
software IRAMUTEQ. Assim, submetemos o texto de cada um dos documentos, em sua
íntegra, ao software, sob o algoritmo Método Reinert, e à Classificação Hierárquica
Descendente (CHD), que agrupou as palavras em classes em relação à afinidade entre elas.
PNE PROPOSTA DO EXECUTIVO FEDERAL
O Executivo Federal deixa claro quais são os interlocutores que tiveram suas
contribuições tratadas com maior relevância nesse documento: o Conselho Nacional de
Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME). Ao citar essas duas instituições, é evidenciada a concepção democrática
afirmada durante todo o documento: a participação de representantes dos estados e dos
municípios na elaboração da proposta. Para o refinamento da análise da proposta, elaboramos
a Figura 1.
Para compreender a Figura 1, foi necessário fazer sua leitura de cima para baixo. Nesse
caso, identificamos que o PNE Proposta do Executivo ao Congresso é dividido em duas
partes: a primeira contempla as classes 1, 2, 3 e 4 (vermelho, cinza, verde e azul,
respectivamente), e a segunda representa a classe 5 (rosa).
Um segundo movimento de análise consistiu em produzir categorias a posteriori,
tomando como referência essas classes, fazendo a interpretação a partir de uma leitura
horizontal do dendrograma. Nesse caso, definimos as seguintes categorias: classe 3 Natureza
(verde); classe 2 Metodológica (cinza); classe 1 Epistemológica (vermelho); classe 4 Dados
(azul); e classe 5 Estados (rosa).
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As porcentagens das classes representam a abrangência que cada uma delas tem no
texto, e as palavras que aparecem no topo são aquelas que têm mais relevância dentro da classe
e, portanto, aparecem em maior tamanho, que vai diminuindo à medida que elas assumem
menos relevância.
FIGURA 1 Categorias de classes do Plano Nacional de Educação Proposta do Executivo
ao Congresso
Fonte: Os autores.
A categoria Natureza está vinculada às fontes utilizadas para embasar as metas e
objetivos da proposta. A natureza da proposta fica evidente na sessão Exposição de Motivos
(EM), assinada pelo ministro Paulo Renato Souza (BRASIL, 1997, p. 7):
A concepção do Plano teve como eixos norteadores, do ponto de vista legal, a
Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de 1996, e a Emenda Constitucional nº 14, de 1995, que instituiu o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério. Considerou ainda realizações anteriores,
principalmente o Plano Decenal de Educação para Todos, de 1993.
A LDBEN/1996 afirma, em seu art. 87, § 1º, a necessidade de alinhamento do PNE
com as recomendações dos organismos multilaterais. A palavra lei, que aparece na categoria
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Natureza, não nos conduz diretamente a compreender essa vinculação, mas a puxar os fios e
analisar aquilo que foi expressamente o fundamento da proposta de PNE (neste caso, a
LDBEN/1996).
Além disso, ainda na EM, Souza (1997) estabeleceu uma correlação da proposta de
PNE do governo com as reivindicações do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932),
na tentativa de reafirmar compromissos apontados desde o escolanovismo. De fato, algumas
similaridades são identificadas nas proposições, principalmente no que se refere à dimensão do
aprender a aprender.
As alterações no cenário mundial em relação à educação eram a preocupação central
de Paulo Renato Souza à frente do MEC. As avaliações dos organismos multilaterais (OCDE)
e o surgimento, naquele período, de conglomerados educacionais com capital em bolsa (nos
EUA) demonstravam, para ele, uma mudança ocasionada pela globalização no setor
educacional.
Nesse sentido, existia, na década de 1990, uma expectativa de que a globalização
alcançaria todos os aspectos da sociedade no século XXI, o que levava os projetos educacionais,
sobretudo dos países subdesenvolvidos, a se prepararem para o mundo que se globalizava. O
Relatório Delors (1996) identificou a interdependência planetária e a globalização como os
fenômenos mais importantes daquele tempo. O aprender a aprender se configurava como o
dispositivo ideal para compreender e se preparar para a globalização e, também, para a
Sociedade do Conhecimento.
Duarte (2001) compreende a Sociedade do Conhecimento como uma ilusão. Para o
autor, o aprender a aprender está intimamente vinculado ao desenvolvimento de competências
e habilidades e encontra suas bases no learning by doing de John Dewey, assim como nas
concepções da Escola Nova e na concepção do professor reflexivo.
As concepções sobre a Sociedade do Conhecimento e o alinhamento às recomendações
dos organismos multilaterais dos dirigentes da educação brasileira na década de 1990 fazem
sombra à categoria Natureza por comporem o conjunto de documentos e perspectivas que estão
no ponto de partida da proposta governista. Assim, o compromisso com os organismos
multilaterais também é destacado como um desafio novo que o país enfrentou na nova ordem
que se estabeleceu neste contexto global e vinculou a satisfação desses organismos às metas
nacionais, que deveriam se sobrepor às metas estaduais e municipais.
Nesse sentido, Cardoso (1998) compreendia, como eixo norteador das reformas,
capitaneadas pelo seu governo, a universalização do acesso, o que justificaria a prioridade do
ensino fundamental no âmbito educacional. Para o Banco Mundial (1990), fornecer aos pobres
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saúde primária, planejamento familiar, nutrição e educação primária era um dos objetivos
destinados aos países em desenvolvimento. Assim, documentos norteadores das reformas
educacionais brasileiras na década de 1990, como a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos (1990) e Educação um Tesouro a Descobrir (1996), são exemplos da tratativa destinada
aos países periféricos na busca por uma adequação de parâmetros globais e formação do
cidadão global.
O pensamento educacional de FHC encontrava-se alinhado às recomendações do
Relatório Delors (1996, p. 170), ao compreender a necessidade de um apoio irrestrito das
políticas educacionais, visando a uma profunda avaliação do sistema educativo. De acordo com
o relatório, “[...] a avaliação da educação deve ser entendida em sentido amplo, não visa,
unicamente, a oferta educativa e os métodos de ensino mas também os financiamentos, gestão,
orientação geral [...]”.
O alinhamento com políticas de organismos internacionais é citado pelo plano ao
discorrer sobre a relevância dos eventos internacionais dos quais o Brasil participou (BRASIL,
1997, p. 16):
• Declaração de Nova Delhi - Índia, 1993;
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento - Cairo,
Egito, 1994;
Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social - Dinamarca, Copenhague,
1995;
• 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher - Beijing, China, 1995;
• Afirmação de Aman - Jordânia, 1996;
• 45ª Conferência Internacional da UNESCO - Genebra, Suíça, 1996;
• Declaração de Hamburgo - Alemanha, 1997.
Por meio desse alinhamento, o PNE do Executivo Federal acreditava existir um
consenso atingido, porém a crítica que se fazia era de que essa consonância existia em relação
aos organismos multilaterais que expressavam os interesses transnacionais dos países que os
compunham e não genuinamente da sociedade brasileira.
O posicionamento do Executivo no texto do plano é contraditório em relação ao que
está expresso logo na Apresentação, quanto à flexibilidade do governo em entender a
participação de setores da sociedade bastante refratários, ao considerar o MEC “[...] bastante
flexível, dilatando prazos para a apresentação de propostas e sugestões e realizando reuniões
gerais para as quais todos foram convidados” (BRASIL, 1997, p. 2). Ao mencionar os setores
da sociedade “tradicionalmente refratários”, Maria Helena Guimarães de Castro (quem assina
a apresentação da proposta) refere-se às entidades educacionais e aos sujeitos que as
representavam.
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A menção da colaboração da sociedade civil na proposta de PNE é amplamente
explorada. Apesar de reconhecer que a garantia do direito à educação, protegido
constitucionalmente, deve ser do Poder Público, a implantação de uma estratégia precede uma
tática que se traduz pelo convencimento da sociedade e, dessa forma, a consolidação da cultura
política de maneira perene.
O pacto federativo
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aparece na categoria Natureza, mas sob o termo responsabilidade,
e, também no decorrer do texto do PNE, distinguindo as atribuições estaduais, municipais e
nacionais no cumprimento das metas. Além disso, a atribuição de responsabilidade não se limita
ao pacto federativo, mas se estende à sociedade civil e à família: “essa responsabilidade não se
restringe ao Estado é indispensável a colaboração da sociedade civil” (BRASIL, 1997, p. 16).
Tanto a responsabilidade relacionada com entes federativos, quanto a responsabilidade
delegada à sociedade e à família fazem parte da categoria Natureza (de onde parte a proposta)
pois estão corroboradas na legislação e nos documentos, bases da proposta. Desse modo, os
aspectos do pacto federativo aparecem na categoria Natureza, pois a proposta de PNE tem como
um dos pilares a definição do papel da União, distinguindo sua responsabilidade dos outros
entes federativos.
Ao pensarmos em uma lógica legislativa e de planejamento organizacional, o PNE
deveria vir antes de qualquer outro tipo de política para a educação, pois seria ele o fundamento
que ancoraria as legislações subsequentes. Todavia, o lugar de poder utilizou uma estratégia
para consolidar a constituição da cultura político-educacional, ao priorizar políticas de efeito
mais imediato, haja vista as discussões da LDBEN/1996 que já estavam avançadas e a urgência
de uma política de financiamento (Fundef) da educação.
Desse modo, FHC vinculou uma das principais ações do seu governo na área da
educação à reforma do Estado e aos princípios que a nortearam. A EM 273/1995, que
acompanhou a PEC do Fundef, esclarecia que se tratava de uma reforma complementar à do
estado.
De acordo com os pressupostos da proposta de PNE (1997), o exercício da cidadania
e a formação para o mercado de trabalho permitiriam que a exploração econômica da população
mais pobre deixasse de existir, e o acesso a essa instrução somente seria possível com a
responsabilidade da família. Desde a LDBEN/1996, o governo buscou eximir a União das
responsabilidades, ora delegando (para estados e municípios), ora partilhando (com a família).
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O federalismo pode ser caracterizado como o pacto de um determinado mero de unidades territoriais autônomas
para finalidades comuns.
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O destaque que o PNE do Executivo Federal concede é que a responsabilidade da
família coaduna com uma das suas principais referências (DELORS, 1996, p. 20), quando diz
que o século XXI “[...] exigirá de todos s grande capacidade de autonomia e de
discernimento, juntamente com o reforço da responsabilidade pessoal na realização de um
destino coletivo. Nessa perspectiva, a descentralização é explicitada:
O Plano Nacional de Educação tem como objetivo assegurar a continuidade
das políticas educacionais e articular as ações da União, dos estados e dos
municípios, ao mesmo tempo que se preserva a flexibilidade necessária para
fazer face às contínuas transformações sociais (BRASIL, 1997, p. 12).
A articulação a que se refere o trecho acima está associada à definição de
responsabilidades, principalmente no que concerne à União, de forma que não um
protagonismo desse ente federativo. É recorrente no texto que palavras, como auxílio técnico e
auxílio financeiro, apareçam, evidenciando a relativização das responsabilidades da União.
Desse modo, a EM 273/1995 esclarecia que essa política de fundos se tratava de
reforma complementar à Reforma do Estado, com o objetivo de descentralização dos entes
subnacionais, objetivando a municipalização. A validação desse modelo descentralizado que
foi imposto ganhou legitimidade na educação, segundo Martins (2011), por meio da
participação democrática das instituições e dos sujeitos que as representavam na constituição
das propostas educacionais.
Nessa perspectiva, a então diretora do Inep (1995-1998), Maria Helena Guimarães de
Castro, é quem assina a carta de apresentação do PNE do Executivo Federal. A professora
defendeu o alinhamento da educação brasileira com o mundo globalizado, além de também se
posicionar a favor da cobrança de mensalidades em universidades federais, comparando nosso
sistema de ensino com o americano (CASTRO, 2006). Na visão dos reformadores daquele
período, os EUA eram melhor exemplo para o Brasil do que os países europeus, pois foi onde
conceitos, como flexibilidade e descentralização, tiveram maior êxito (SOUZA, 2005).
Castro (BRASIL, 1997, p. 6) também expressou o entendimento de consenso que
permeou o texto do PNE: “Uma vez aprovado, caberá à sociedade cobrar das autoridades
constituídas a sua implementação [...] este plano se tornará um instrumento capaz de fortalecer
e impulsionar as mudanças já desenhadas pelas atuais políticas”.
Reconhecemos, como uma referência da proposta do governo, a comparação do Brasil
com países desenvolvidos, ora os utilizando como exemplos a serem seguidos, ora para dizer
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que, apesar dos bons resultados nesses países, a cobrança de mensalidades era uma realidade a
partir do ensino médio e/ou a partir do ensino superior (BRASIL, 1997).
A categoria Natureza é compreendida pela resposta à questão: De onde parte a
proposta? Dessa forma, ela acaba por abordar vários aspectos educacionais, como:
financiamento, concepção de formação, alinhamento político-ideológico e questões legais,
exemplificadas pelas palavras lei, base, constituição, responsabilidade, colaboração e
congresso. Por ter sido elaborada dois anos após o início do governo e com leis importantes já
aprovadas (LDBEN/1996 e FUNDEF), fez com que ela partisse de concepções estabelecidas.
Nesse contexto, entendemos como pontos de partida da proposta: a) alinhamento às
recomendações dos organismos multilaterais; b) descentralização; c) foco no ensino
fundamental; d) apropriação da proposta pela sociedade.
A categoria Metodológica consiste nos meios pelos quais o projeto pretendia se fazer
valer. A palavra recursos que se destaca está, neste contexto, vinculada aos investimentos
para que se atingissem as metas do PNE. O termo recursos está sempre conectado à austeridade
e à responsabilidade no uso dos recursos públicos, caracterizando-se como uma característica
da reforma do estado nessa proposta educacional.
Assim, o termo recurso que em alguns momentos pode se tratar de recursos
humanos, ou recursos pedagógicos está predominantemente se referindo a recursos
financeiros, a exemplo de quando aborda a desigualdade, especificamente no ensino
fundamental: “O Plano Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério, assim como o Projeto Nordeste, deve garantir os recursos para a correção dessas
desigualdades” (BRASIL, 1997, p. 31).
Desse modo, recurso está associado à forma com a qual o problema da desigualdade
regional se solucionado (método). Enquanto, na categoria Natureza, o Fundef estava
relacionado com a questão: De onde parte a proposta? na categoria Metodológica a mesma
política está associada a: Como realizar a proposta? A separação em classes pelo software nos
possibilitou compreender que uma mesma política, ou um mesmo termo, pode assumir
concepções diferentes. Ao mesmo tempo em que o Fundef compõe a cultura política, é,
também, o aspecto mais instrumental da proposta.
A definição de competência, que normalmente vem acompanhada da palavra
responsabilidade (explicando seu sentido), permeia todo o texto e mais abundantemente no item
11: Financiamento e gestão da proposta de PNE. A preocupação do Executivo com o pacto
federativo está em todos os aspectos do plano. Entretanto, apesar das exaustivas menções às
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responsabilidades dos entes federativos, não havia clareza, tampouco a devida responsabilidade
da União, sobretudo no que dizia respeito ao financiamento da educação.
No PNE Proposta do Executivo estão presentes as convicções de Cardoso (2005,
2015) a respeito da descentralização como pilar da sua gestão. Castro (2016), também favorável
a essa concepção, tinha alinhada às instituições, como CONSED e UNDIME, a justificativa de
melhor gestão dos recursos ao repassá-los diretamente aos estados e municípios. No I Fórum
de Dirigentes Municipais de Educação (1986), a UNDIME, que já defendia o entendimento da
descentralização, viu seus pleitos serem reafirmados na proposta do Executivo o que garantiria
maior durabilidade (até 2008)
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dessa concepção.
A categoria Epistemológica, capitaneada pela palavra formação, recebe esse nome
pois nela foram agrupadas as concepções teóricas e epistemológicas que compõem o
documento. Ela contém o pensamento sobre formação na educação básica, bem como a
formação de professores. Por outro lado, a formação para cidadania aparece no plano compondo
os objetivos gerais da educação básica, todavia não clareza sobre o que seja essa formação
para cidadania, de forma que não há uma conceituação.
Notamos, assim, que a formação aparece conectada tanto à cidadania, como também
ao trabalho e ao mundo globalizado, compondo objetivos a serem atingidos, especialmente no
ensino médio, pois “[...] tanto nos países desenvolvidos quanto nos que lutam para superar o
subdesenvolvimento, a expansão do Ensino Médio tem sido um poderoso fator de formação
para a cidadania e de qualificação do trabalhador” (BRASIL, 1997).
Entretanto, com o intuito de diminuir a distorção idade/série, e promover a
universalização do ensino fundamental, para que o exercício à cidadania atingisse sua plenitude
por meio da educação, era necessário que os problemas relacionados com essa etapa de ensino
fossem resolvidos antes de qualquer outra questão. Para os elaboradores do PNE Proposta do
Executivo, a resolução dos problemas do ensino médio e do ensino superior seria facilitada pela
melhora dos indicadores no ensino fundamental.
Esse movimento estava exposto desde a campanha no documento das propostas de
governo Mãos à Obra Brasil (1994, p. 108):
A prioridade fundamental da política educacional no governo Fernando
Henrique consistirá em incentivar a universalização do acesso ao primeiro
grau e melhorar a qualidade do atendimento escolar, de forma a garantir que
as crianças tenham efetivamente a oportunidade de, pelo menos, completar as
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O PNE só foi aprovado em 2001. Entendemos que, se fosse aprovado logo após a sua proposição, teria vigência
até 2008 (10 anos), tendo em vista a data da proposta.
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oito séries do ensino obrigatório. No entanto não cabe à União a
responsabilidade direta pelo ensino básico.
Souza (2005) ressaltou a importância da proposta contida no plano em reduzir as
responsabilidades da União como instância executora, concentrando a função do ente federativo
na coordenação e articulação das políticas educacionais com os demais entes subnacionais.
Também compunham a categoria Epistemológica os conceitos de eficiência e
efetividade, que foram importados da administração gerencial e são base da reforma do estado.
Esses conceitos são vistos como preceitos importantes para a tratativa do ensino fundamental,
assim como de toda a educação. O entendimento do PNE governista é de que as reivindicações
de aumento de verbas para a educação que havia naquele cenário precisariam “[...] ser colocadas
no contexto do que efetivamente se gasta e se pode gastar” (BRASIL, 1997, p. 76).
A palavra formação, que capitaneia a categoria Epistemológica, faz referência à
formação de professores, à formação profissional e, sobretudo, ao projeto de formação humana
do governo FHC. Para seus formuladores, a formação continuada de professores era
responsável por disseminar pelo Brasil o projeto educacional daquele período. Um dos
instrumentos para que esse processo se efetivasse foi a criação da TV Escola, que funcionava
como parte da estratégia do lugar de poder para a constituição da cultura político-educacional.
Nesse sentido, Poppovic (2011) acreditava que as mudanças nas mentalidades dos professores
e alunos eram gradativas e que a TV Escola foi um importante meio para que essas mudanças
pudessem ser mais pidas e chegassem a mais pessoas, reduzindo o atraso educacional
brasileiro.
Ao tratar da formação profissional, associada à reforma do ensino médio a ser
promovida naquele período, a proposta de PNE do governo explicita:
Estabelece para isso um sistema flexível de reconhecimento de créditos
obtidos em qualquer uma das modalidades e certifica competências
adquiridas por meios não-formais de educação profissional. É importante
também considerar que a oferta de Educação Profissional é responsabilidade
igualmente compartilhada entre o setor educacional, o Ministério do
Trabalho, Secretarias do Trabalho, Serviços Sociais do Comércio, da
Agricultura e da Indústria e os Sistemas Nacionais de Aprendizagem. Os
recursos provêm, portanto, de múltiplas fontes (BRASIL, 1997, p. 46, grifos
nossos).
O projeto de formação estava vinculado ao projeto de país, sobretudo ao
compartilharem os mesmos princípios balizadores da reforma do estado. O ponto principal da
reforma do ensino profissional dizia respeito à separação do nível médio e técnico e, também,
compunha uma das metas (Meta 3) dessa modalidade de ensino.
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Para Gomes (2004), essa separação significava o divórcio entre o saber e o fazer, que
considerava controverso devido à necessidade de união da formação geral com a formação
técnica exigida pelo mundo produtivo. Essa concepção faz parte do modo como a formação
humana era compreendida pelo lugar de poder, sobretudo em uma maior instrumentalização do
saber para que fosse aplicado no fazer. Souza (2005) acreditava que a flexibilidade era essencial
para que os jovens e adultos fossem educados permanentemente.
O PNE Proposta do Executivo compreende o trabalho de maneira instrumental e não
criadora, sobretudo na perspectiva de adaptação às novas exigências do mundo globalizado. A
abordagem do trabalho em termos ontológicos é associada à teoria marxista e, de fato, essa
concepção não é adotada nessa proposta. Para Della Fonte (2018), Marx aborda o trabalho não
apenas como categoria econômica, fazendo parte da sua conceituação a compreensão de
formação humana (pelo trabalho). Para a autora (2018, p. 48), a “[...] concepção ontológica do
trabalho remete para o processo no qual o ser humano se constrói para o trabalho”. Consiste,
assim, na transformação da natureza pelo ser humano, em que este modifica a natureza, criando
uma natureza humanizada.
Paulo Renato Souza (1980), em sua tese, utilizou a teorização marxista para realizar
um diálogo com as conceituações de trabalho e salário, tendo capítulos inteiros dedicados à
discussão da teoria de Marx. Em entrevista à revista Veja, Souza (2009, p. 1) vinculou o atraso
educacional brasileiro às vazias discussões sobre o capitalismo nas faculdades de Pedagogia
que utilizavam o que ele chamou de “um marxismo de segunda ou terceira categoria”. Para
Souza (1995), a educação profissional deveria ter como foco a empregabilidade, entendendo-a
como: “[...] a capacidade não de se obter um emprego, mas sobretudo de se manter em um
mercado de trabalho em constante mutação” (BRASIL, 1995, p. 5).
Nesse sentido, a formação escolar estava relacionada com o projeto de formação
humana, implantado naquele período. O PNE Proposta do Executivo funcionava como
legitimador desse projeto, que havia iniciado em políticas anteriores (LDBEN/1996 e o
Fundef). A formação para o exercício da cidadania (global) era o eixo do projeto de formação,
pois formar um cidadão global era o grande desafio do sistema educacional entendido por Paulo
Renato Souza (2005). Para ele, o cidadão passaria a se relacionar de forma independente dos
estados nacionais, e as questões deveriam ser encaradas de maneira macro, global.
O pensamento do autor corrobora as recomendações do Relatório Delors (1996) sobre
a necessidade de ações de nível internacional para encontrar soluções satisfatórias para os
problemas mundiais. As preocupações do projeto de formação estavam em uma formação para
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a cidadania global, voltado para as questões que extrapolassem o âmbito nacional e estivessem
vinculadas às exigências internacionais.
As categorias Dados (azul) e Estados (rosa) configuram-se como categorias
instrumentais. A primeira diz respeito às fontes e aos dados que foram usados (utilizaram como
fonte dados do IBGE, Inep, MEC e do Serviço de Estatística da Educação e Cultura) para chegar
ao diagnóstico e propor alternativas. A segunda está relacionada com as regiões e estados do
país, tratados no plano em suas particularidades em relação aos dados e metas, respeitando o
pacto federativo e conectados à responsabilidade desses entes.
A palavra fonte é a que capitaneia a categoria Dados. Trata-se das fontes utilizadas
para a elaboração dos gráficos e tabelas que compõem a proposta de PNE. Apesar de as fontes
principais serem os dados gerados pelos órgãos do governo, entendemos que a apropriação de
dados emitidos pela Unesco (Anuário estatístico de 1994) também diz muito sobre a concepção
de educação da proposta em relação ao alinhamento epistemológico. A proposta de PNE
compara o percentual de investimento do PIB do Brasil e demais países, em seguida, seus
elaboradores afirmam: [...] verificamos que, se o porcentual do PIB aplicado em educação
compara-se favoravelmente com o de muitos países que contam com bons sistemas
educacionais” (BRASIL, 1997, p. 77).
Desse modo, mais uma vez o documento buscou esquivar-se do aumento de
responsabilidades da União, principalmente no que concernia ao aumento da porcentagem do
PIB destinado à educação, evidenciando características presentes em todo o documento.
A concepção de que, sem que a sociedade absorvesse a estratégia, não seria possível
que as políticas encaminhadas pelo governo fossem efetivas foi ponto em comum nas propostas
de todas as etapas e modalidades de ensino, como explicitado por Castro (1999, p. 25) a respeito
das reformas educacionais daquele período:
Outro fator importante, que vem contribuindo para dar visibilidade às
reformas, tem sido o crescente espaço ocupado pelos temas educacionais nos
meios de comunicação, fomentando maior participação da sociedade no
debate sobre as políticas públicas e o desempenho das instituições de ensino.
A divulgação atualizada dos indicadores e resultados das avaliações nacionais
contribuiu para chamar a atenção da mídia e prender o interesse da opinião
pública.
Nesse sentido, mesmo que a sociedade não fosse um agente direto das relações de
força neste primeiro momento, torná-la um sujeito de tensionamento poderia impedir que o
projeto prosseguisse. A constituição de uma cultura política que corporificasse a estratégia era
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primordial para o prosseguimento do plano de governo, sem a qual apenas por uma ruptura
institucional poderia acontecer (BERSTEIN, 2009).
De tal modo, apropriando-se do Plano Decenal de 1993, que teve como base a
Conferência Mundial de Educação para Todos (Unesco), o PNE Proposta do Executivo
buscava reafirmar o modo como entendia o pacto federativo nas políticas educacionais,
principalmente na alocação dos recursos e na concretização do Fundef, reafirmando o foco no
ensino fundamental, a descentralização e a formação para a cidadania global.
PNE PROPOSTA DO II CONED
Assumindo-se como um movimento de resistência, provocando tensionamentos táticos
em direção à estratégia, o PNE: Proposta da Sociedade Brasileira foi elaborado pela Comissão
Organizadora do II CONED e buscava sistematizar as discussões nas diferentes instâncias
organizativas e nos eventos programados (I CONED e Seminários locais). Essa proposta parte
de um diagnóstico da realidade nacional e tem como horizonte: “[...] a democracia e a inclusão
social, [...] buscam, em síntese, fazer cumprir a Constituição Federal e, assim, dar curso às
transformações necessárias para [...] a conquista da justiça e da igualdade social” (II CONED,
1997, p. 3).
Desse modo, apesar de os diagnósticos dos problemas educacionais convergirem, as
soluções do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira eram diferentes. Compreendemos essa
distinção a partir da distribuição das classes de palavras realizada por meio do software
IRAMUTEQ, gerando a Figura 2.
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FIGURA 2 Categorias de classes do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira
Fonte: Os autores.
Para as classes do PNE: Proposta da Sociedade Brasileira, definimos como
categorias: Dados (vermelha), Objeto (roxa), Epistemológica (azul) e Natureza (verde). Para a
compreensão da Figura 2, a leitura deve acontecer de cima para baixo. Dessa forma percebemos
a divisão do documento em duas grandes classes, que se subdividem em mais duas classes.
As categorias Dados (vermelha) e Objeto (roxa) sintetizam as fontes consideradas
para a elaboração das metas a serem atingidas e das propostas formuladas. A primeira diz
respeito às fontes e aos dados que foram utilizados para chegar ao diagnóstico e propor
alternativas e metas para a educação. A segunda está relacionada com os aspectos da educação
que são o objeto central da proposta das instituições que a assinam: a educação nos seus diversos
aspectos.
Desse modo, a categoria Dados (vermelha) poderia ser sintetizada pela palavra como,
pois está associada às fontes utilizadas para o estabelecimento de metas e estratégias no alcance
dos objetivos. Esta categoria é o diagnóstico, ou seja, de onde parte a proposta. A palavra país,
que lidera esta categoria, ocupa esse lugar pois os dados, as fontes, dizem respeito ao Brasil
como um todo, trazendo à tona aquilo para o que o plano se destina: o nacional. Seguem os
demais termos que compõem o corpo do diagnóstico utilizado: PIB, taxa de matrícula,
repetência, renda, gasto, aquilo que tem maior peso na composição do diagnóstico, assim como
as fontes: IBGE, Unesco, Banco Mundial.
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categoria Objeto (roxa) podemos sintetizar por meio da pergunta para quê? pois,
vinculada à categoria Dados (vermelha), diz respeito à articulação desse diagnóstico para que
se atingisse a melhoria da educação no ensino fundamental (palavra que capitaneia a categoria),
na educação infantil e na formação dos professores, esta última representada pelas palavras
magistério, licenciatura, assim como na educação de jovens e adultos, caracterizada pela
palavra supletivo. Esta categoria é o objetivo do plano, e o alvo da mobilização dos dados e da
concepção epistemológica.
Assim, os termos encontrados nessas duas categorias são semelhantes aos que surgem
nas categorias Dados e Metodológica da proposta do governo (PNE Proposta do Executivo
Federal), pois as fontes utilizadas para realizar o diagnóstico e embasar as duas propostas foram
as mesmas: Relatórios do Banco Mundial (1994), Unicef (1996), Unesco (1992), IBGE (1993,
1995, 1996) e Sinopses estatísticas do próprio MEC (1997).
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o PNE Proposta da Sociedade Brasileira
criticava a vinculação do governo brasileiro com os organismos multilaterais, ele os utilizava
como fonte:
O agravamento da crise vem sendo reforçado pelo conjunto das políticas
públicas adotadas pelo governo brasileiro, as quais, vale esclarecer, obedecem
à matriz definida pelo Banco Mundial, pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e pela CEPAL (Comissão Econômica para a América
Latina) [...]. Os países alinhados com a política neoliberal vêm limitando as
verbas destinadas à educação [...] a própria recomendação da UNESCO e do
Banco Mundial de destinar, ainda nessa década, 6% do PIB para o
desenvolvimento da educação e que vem diminuindo progressivamente
(UNESCO: Statistical Yearbook - 1992) (II CONED, 1997, p. 14).
O diagnóstico, ponto de partida das propostas do PNE Proposta da Sociedade
Brasileira, utiliza como fonte os alvos de crítica do próprio documento. Ao mesmo tempo que
consideram os organismos multilaterais como responsáveis por capitanear as políticas
neoliberais na educação brasileira, também os referenciam para o estabelecimento do
diagnóstico utilizado na composição das metas e estratégias.
José Marcelino de Rezende Pinto (2002), um dos redatores da proposta, reconheceu o
esforço inédito realizado pelo governo em promover políticas para assegurar o financiamento
da educação, entretanto critica a displicência com o ensino superior e com o ensino médio:
Digna de nota também foi a participação do Brasil, em março de 1990, na
Conferência de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, que resultou
na assinatura da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Essa
conferência, que teve como co-patrocinador, além da UNESCO e do UNICEF,
o Banco Mundial, vai inaugurar a política, patrocinada por esse banco, de
priorização sistemática do ensino fundamental (PINTO, 2002, p. 110).
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Para Pinto (2002), os interesses privatistas assumiram protagonismo a partir da
Conferência de Jomtien e ganharam força com a coalizão centro-direita do governo FHC. O
autor considera que as disputas em torno do projeto de LDBEN, sendo vencedor o projeto
capitaneado por Darcy Ribeiro, foi parte constituidora das concepções que deram base para a
proposta de PNE do governo.
A proposta de PNE realizada no II CONED foi uma tática de resistência que compôs
as relações de força de modo que busca se contrapor aos principais focos políticos do então
governo e ao seu projeto de país:
[..] a tramitação final e a promulgação da nova LDB (Lei 9394/96) ocorreram
quando dois aniversários poderiam ser comemorados [...] 25 anos! de sua
antecessora, a Lei 5692/71, e os 28 anos da Lei 5540/68, que reformou o
ensino superior. Todas [...] geradas em nome da modernização e do
aumento da produtividade do sistema educacional brasileiro, sem o que,
o argumento é de ontem e de hoje, o Brasil teria e terá sérias dificuldades para
integrar o concerto das nações, hoje mais conhecido por entrar e
permanecer no mundo (II CONED: Proposta de Plano Nacional de
Educação, 1997, p. 75, grifos nossos).
A comissão responsável pela elaboração do documento, faz um agradecimento aos
sujeitos que participaram de sua elaboração. São eles: professores, sindicalistas, estudantes e
pesquisadores. A preocupação em afirmar que a proposta de PNE elaborada e apresentada no
II CONED é de toda a sociedade e que foi realizada de maneira democrática é uma constante.
Esse movimento também é visto no documento do governo, que cita os mesmos sujeitos como
contribuintes do processo de produção da proposta.
Entretanto, o posicionamento democrático do governo em relação à elaboração de
propostas educacionais é questionado no documento do II CONED (1997, p. 4), que denuncia
uma “[...] postura autocrática adotada pela administração federal, durante e após a elaboração
da LDB e dispositivos legais correlatos [...]”.
A categoria Epistemológica (azul) demonstra a centralidade teórica da proposta de
PNE e a concepção educacional, que é entendida como:
[...] um instrumento de formação ampla, de luta pelos direitos da cidadania e
da emancipação social, preparando as pessoas e a sociedade para a
responsabilidade de construir, coletivamente, um projeto de inclusão e de
qualidade social para o país (II CONED: Proposta de Plano Nacional de
Educação, 1997, p. 2).
Com base no exposto, identificamos tanto a concepção de educação quanto a de
cidadania, nas quais esta proposta está firmada. A palavra que capitaneia esta categoria é social,
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e, também, é essa a dimensão que o plano objetiva atingir. A inclusão social é o eixo que guia
as propostas do documento. Difere-se do PNE Proposta do Executivo Federal por considerar
esse aspecto como determinante.
A questão social está presente nas constatações de Cesar Augusto Minto (1998), um
dos redatores da proposta, ao entender o PNE Proposta da Sociedade Brasileira como
socialmente participativo e democrático:
O Plano Nacional de Educação - Proposta da Sociedade Brasileira destacou
alguns aspectos relevantes que significaram perdas do ponto de vista
democrático e social, por exemplo, a perda da exclusividade das verbas
públicas para as escolas públicas (já na própria CF/88) (MINTO, 1998, p. 2).
Desse modo, a compreensão do professor permeia a categoria Epistemológica, assim
como todo o texto do documento: logo em sua Apresentação, ao considerar que o PNE
brasileiro deveria estar voltado para a “emancipação social” e tendo como horizonte a “inclusão
social”; na Introdução, ao localizar a proposta como um documento em defesa da “justiça
social”; no Diagnóstico, ao entender a educação brasileira daquele momento com altos índices
de “exclusão social” a serem sanados; na Organização da Educação Nacional quando, ao
discorrer sobre o Sistema Nacional de Educação e a composição do CNE, apontou a
necessidade de “ampla representação social”; na Gestão Democrática, ao considerar
imprescindível a relação da instituição educacional com a sociedade, estabelecendo a “inserção
social”; nos Níveis e Modalidades de Educação, ao compreender como uma necessidade a
educação dar respostas à “dívida social”; e, finalmente, na Formação dos Profissionais de
Educação, ao vincular como uma das responsabilidades formativas a “qualidade social”.
Nessa perspectiva, Minto (1998) se contrapõe ao ministro da Educação, Paulo Renato
Souza, identificando as ações do MEC como “anti-sociedade” e, mais uma vez, sinaliza que o
PNE da sociedade havia denunciado a pouca sensibilidade em relação aos direitos sociais
presentes no PNE do Executivo Federal.
Em entrevista ao Observatório da educação, Minto (2010, p. 7) caracteriza o PNE
Proposta da Sociedade Brasileira como um exemplo de participação social, quando contou
com as contribuições de todas as entidades representativas e interessadas em questões
educacionais, o que não aconteceu com o PNE do Executivo Federal. Parta o autor, o governo
FHC não tinha a intenção de propor um PNE, mas sim “[...] ficar livre de amarras que pudessem
ser alvo de cobranças pelos setores sociais organizados”.
Apesar de mencionar em alguns momentos o cenário internacional e as transformações
tecnológicas, adaptar-se a essa mudança não foi o foco da proposta do II CONED. Essas
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concepções foram utilizadas com o objetivo de fazer um contraponto e se diferenciar das
propostas do governo, ao invés de realmente considerar isso como importante. Para os
elaboradores do documento, o papel do estado em frente à nova realidade no cenário global:
[...] implica uma visão crítica em relação ao processo de globalização
econômica e cultural. Sem ignorar as condições de competitividade dos
Blocos Econômicos e do mercado mundial, trata-se de não aceitar o processo
em curso como inexorável, frente ao qual resta render-se de forma
subalterna e subserviente (II CONED, 1997, p. 10).
Nessa direção, para a proposta, educar para cidadania está relacionado com uma
cidadania nacional, entendida como algo próprio do país. Enquanto o PNE Proposta do
Executivo buscou cumprir os requisitos para atingir a cidadania global, o PNE Proposta da
Sociedade procurou se contrapor a esse processo, por entender que a educação nacional não
deveria se render de forma subalterna e subserviente aos interesses multilaterais, considerando
a cidadania global como parte dessas exigências externas.
A concepção de formação explicitada no PNE Proposta da Sociedade é apresentada
em um movimento de negação à concepção de formação do governo FHC:
O ser humano é concebido como ser ativo, crítico, construtor de sua própria
cultura, da história e da sociedade em que vive; para tanto é imprescindível
seu acesso a uma escola que, além de formação ampla, desenvolva valores e
atributos inerentes à cidadania. Tal escola se opõe àquela que vincula a
educação a prerrogativas mercadológicas globalizantes, com o intuito de
formar indivíduos pretensamente consumidores e competitivos (II CONED,
1998, p. 11, grifo nosso).
Do mesmo modo, uma contraposição a todas as políticas que haviam sido
implementadas pelo governo. Segundo o PNE Proposta da Sociedade, os pressupostos de
formação previstos na CF/1988 não foram atingidos pelas ações do governo, principalmente a
LDBEN/1996 e o Fundef, assim como outras legislações, decretos e portarias. Além disso, a
política agressiva de privatização no ensino superior impossibilitava a qualidade formativa,
tornando-se um empecilho à concretização do direito à educação.
O projeto formativo do PNE Proposta da Sociedade era claro no sentido de propiciar
uma formação emancipatória para o trabalho e a promoção humanística, científica e
tecnológica. Entretanto, buscava sustentação na contraposição ao projeto do governo.
A categoria Natureza diz respeito às bases legais nas quais a proposta busca referência
e sustentação, além dos entes federativos que a compõem nas suas particularidades, ou seja, é
a resposta da pergunta: De onde parte a proposta? Nesse aspecto, existe uma diferenciação
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entre as duas propostas. Enquanto a proposta do governo se baseia fundamentalmente na recém-
aprovada LDBEN/1996, a proposta do II CONED tem a CF/1998 como alicerce principal.
Assim, o documento discorre sobre alguns artigos da CF/1988 (arts. 205 a 214),
considerando que foram desrespeitados pela política educacional implantada pelo governo na
década de 1990. Nesse sentido, uma das diretrizes e metas dessa proposta foi a revogação da
Lei 9192/1995, da Lei 9131/1995, da Lei 9394/1996, da Emenda Constitucional
14/1996, da Lei nº 9424/1996 e do Decreto nº 2208/1997. Para os elaboradores do documento,
essas leis feriam a organização e o funcionamento democrático da educação brasileira à medida
que entendiam a política educacional desse período contrária aos pressupostos constitucionais.
Um dos pontos principais combatidos pela proposta de PNE foi o foco da política educacional
do governo no ensino fundamental.
Assim, para os elaboradores do PNE Proposta da Sociedade Brasileira, o princípio
norteador da Emenda 14/1996 (Fundef) foi que a União fazia cortesia com o chapéu dos
estados e municípios, principalmente com a retirada da obrigatoriedade extensiva do ensino
médio, além de que, por meio dessa emenda, a União contabilizava como gastos seus, com o
ensino fundamental, os recursos globais do salário-educação, assim como os 25% aplicados
sobre os Fundos de Participação dos Municípios (II CONED, 1997).
As convergências das duas propostas vão além do diagnóstico, como a mobilização da
sociedade civil, que apareceu como aspecto primordial em ambos os textos. Para que essa
política de reestruturação de todo o sistema educacional, que interfere diretamente na vida
privada das famílias se efetivasse, seria necessário que a sociedade se apropriasse dela, em um
movimento tático na mesma direção da proposta que tinha a pretensão de se constituir como
estratégia.
Assim, ao discorrerem sobre a EJA, diz a proposta do governo (BRASIL, 1997, p. 43):
“[...] universidades, igrejas, sindicatos, empresas, associações de bairro e inúmeros outros tipos
de organizações civis devem ser mobilizados para esta tarefa”. Da mesma forma se posiciona a
proposta realizada no II CONED (1997, p. 62):
Para isso, num verdadeiro esforço nacional para superação desse déficit
educacional, mais que isso, para o resgate dessa imensa dívida social, outros
segmentos da sociedade civil, além das instituições escolares e universitárias
- Organizações Não Governamentais (ONGs), sindicatos, associações
profissionais, movimentos organizados etc.
Desse modo, o reconhecimento da importância da sociedade foi identificado em ambos
os documentos, que buscavam constituir culturas políticas distintas. A proposta do governo
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entende a educação de maneira mais instrumental e como um meio para se atingir um
posicionamento no mundo globalizado, na esfera social e em relação ao trabalho. A proposta
do governo provém de uma reforma do Estado que tem como eixo o desenvolvimento
econômico, com foco na eficiência, e isso é apropriado no campo da educação.
O PNE Proposta da Sociedade entendia que a educação deveria estar voltada para o
social, e a cidadania (local, nacional) seria a forma para se conquistar a emancipação do sujeito.
Nesta proposta, a educação tem um fim em si mesma e não é instrumentalizada em atendimento
às proposições dos organismos multilaterais, tampouco em desenvolver competências e
habilidades para o mercado de trabalho. O trabalho é compreendido no sentido ontológico, pois
as concepções de formação humana são diferentes e respondem a culturas político-educacionais
que se distanciam quanto ao projeto formativo.
Nessa direção, para a proposta do II CONED (1997, p. 32), o trabalho é visto como
mediador entre as relações do homem com a natureza e com os outros homens. Desse modo,
está alinhada ao pensamento marxista sobre essa dimensão humana. Mesmo que no documento
Marx não seja citado, os autores referenciados são de vinculação marxista, a exemplo da
professora Acacia Zeneida Kuenzer (1997). A utilização do termo mundo do trabalho ao invés
de mercado de trabalho (utilizado na proposta do governo) é também outro indício da
teorização de Marx, sobretudo para compreensão de trabalho e das mudanças ocorridas naquele
período que estabelecia uma nova relação entre ciência e trabalho, assim como novas demandas
à formação humana (KUENZER, 2000).
O PNE Proposta da Sociedade (1997, p. 32), ao mencionar que a educação deveria
estar centrada no “[...] trabalho como mediador das relações do homem com a natureza e com
os outros homens”, remete-nos à clássica passagem de Marx (1985, p. 211):
[...] o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e
controla seu intercâmbio material com a natureza. Defrontando-se com a
natureza como uma de suas forças, o homem põe em movimento as forças
naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se
dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando
assim sobre a natureza externa e modificando, ao mesmo tempo, sua própria
natureza [...] pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana.
Nesse sentido, ao distanciar-se do uso do termo trabalho associado à profissão,
emprego e empregabilidade, a proposta do II CONED pensa o trabalho como princípio
educativo, de maneira ontológica, e não como categoria econômica.
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A leitura dos movimentos de oposição ao governo de FHC com referência à educação
e sua relação com o trabalho, a formação para o trabalho e a formação humana integral,
caracteriza-se em uma exorcização do trabalho para que se tenha uma formação humana
integral. Entretanto, não formação integral que desconsidere o trabalho como um dos seus
eixos. Assim, entendemos que não se deve formar tendo como único fim o trabalho (o mercado
de trabalho). A oposição que se estabeleceu se configurou da seguinte forma: de um lado, uma
“[...] educação voltada para a formação da elite e, de outro lado, aquela voltada aos que
ingressam precocemente no mundo do trabalho” (II CONED, 1997, p. 65), todavia isso
contribuiu para esvaziar a discussão da ideia do trabalho como princípio formativo.
O PNE Proposta da Sociedade Brasileira também traz a discussão do trabalho como
mediador das relações humanas que “deverá promover o acesso ao conhecimento científico,
tecnológico e artístico e, dessa forma, contribuir para a formação de cidadãos que [...] atuem na
perspectiva de uma sociedade democrática e inclusiva” (II CONED, 1997, p. 32).
Nesse aspecto, O PNE Proposta da Sociedade Brasileira, ao discorrer sobre
educação profissional, posiciona-se de maneira contrária às proposições do governo,
entendidas, pelos elaboradores do PNE da sociedade, como subservientes às demandas da
produção. Em contrapartida, creditam à educação profissional a responsabilidade de formar
“[...] profissionais críticos e competentes, que participem ativa e criativamente do mundo do
trabalho” (II CONED, 1997, p. 60).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As palavras, separadas nas classes pelo software, são muito semelhantes em ambas as
propostas de PNE. Acreditamos que isso ocorre devido ao mesmo diagnóstico que as embasa
e, também, ao fato de as fontes que lhes dão suporte serem as mesmas. Todavia, como pudemos
analisar, as soluções propostas e os caminhos a serem percorridos são diferentes.
A proposta do II CONED utiliza com mais frequência e densidade os dados dos
organismos multilaterais Banco Mundial e Unesco do que a proposta do Executivo Federal,
sem que contemporize nessa utilização, indiciando que, apesar de considerar as propostas
dessas instituições para a educação inadequadas, suas atuações no campo educacional não são
de todo repelidas pelos redatores e sistematizadores da proposta. A palavra Unesco aparece na
categoria Dados da proposta do II CONED, indício de que sua mobilização tinha a finalidade
principal de fonte e não de crítica às suas proposições.
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A palavra formação pode sintetizar a proposta do Executivo Federal, nesse caso, a
formação para a cidadania global, articulada com as recomendações dos organismos
multilaterais. Por outro lado, a palavra que sintetiza a proposta do II CONED é social, nesse
caso, com as metas e estratégias (inclusive a formação) voltadas para a sociedade, o que também
está no nome da proposta: PNE Proposta da Sociedade Brasileira.
A proposta do II CONED foi apresentada ao Congresso Nacional no dia 11 de
fevereiro de 1998, e iniciou sua tramitação na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados
com o PL 4.155/1998. O PNE Proposta do Executivo Nacional foi apresentado no dia 13
de fevereiro de 1998 para que tramitasse conjuntamente na mesma comissão com o PL
4.176/1998.
O PNE foi aprovado em 2001 com quatro anos de atraso do que tinha sido estabelecido
pela LDBEN/1996. Para Aveiro (2006) e Saviani (2010), o PNE Proposta da Sociedade
Brasileira foi praticamente desconsiderado pela Comissão de Educação da Câmara dos
Deputados. O projeto colocado em votação foi a proposta do Executivo federal, transformado
na Lei nº 10.172/2001, tendo absorvido ínfimos aspectos do PNE da Sociedade Brasileira.
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Recebido em: 26 de junho de 2021
Aceito em: 19 de novembro de 2021