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A DOUTRINA DO HIGIENISMO NA REVISTA DE EDUCAÇÃO E ENSINO:
OCTAVIO PIRES E A HIGIENE DOS INTERNATOS
Alberto Damasceno
Universidade Federal do Pará, Brasil
albertod@ufpa.br
Suellem Pantoja
Universidade Federal do Pará, Brasil
smartinspantoja@gmail.com
Joaquina Ianca Miranda
Universidade Federal do Pará, Brasil
joaquinaianca@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste artigo é identificar e compreender as ideias de Octavio Pires sobre a higiene
nos internatos. Para tanto, realizamos uma pesquisa histórica, utilizando como fontes os artigos
publicados na Revista de Educação e Ensino, entre fevereiro e novembro de 1892, por Octavio
Pires, seu diretor, principal articulista e um dos divulgadores da doutrina do higienismo no Pará.
No tratamento dos dados, utilizamos a técnica de análise de conteúdo quando observamos a
forte influência e a constante recorrência a experiências europeias da época, sempre citadas
como referências imprescindíveis para as lideranças educacionais paraenses. Também
constatamos a intervenção dos agentes higienistas nas produções e práticas educativas, não
no que tange à definição de espaços físicos e conteúdos programáticos, mas também aos
próprios métodos de ensino, prescrições de controle”, “vigilância” e “fiscalização” como
elementos constitutivos da implementação do higienismo nas escolas, revelando a forte
preocupação com a disciplina e a moral.
Palavras-chave: Higiene Escolar. Instrução Pública. Internatos.
LA DOCTRINA DEL HIGIENISMO EN LA REVISTA DE EDUCACIÓN Y
ENSEÑANZA: OCTAVIO PIRES Y LA HIGIENE DE LOS INTERNADOS
RESUMEN
Este artículo es resultado de una investigación más amplia sobre la educación en la Primera
Republica en el estado de Pará. El objetivo es identificar y comprender las ideas de Octavio
Pires sobre la higiene en los internados. Para esto, hacemos una investigación histórica,
teniendo como fuentes los artículos publicados en el periódico Revista de Educação e Ensino,
entre febrero y noviembre de 1892, por Octavio Pires, su director, principal articulista y uno de
los difusores de la doctrina del higienismo en Pará. En el tratamiento de los datos, utilizamos
la técnica de análisis de contenido. A partir de los estudios hechos, vemos una fuerte influencia
y la constante remisión a experiencias europeas en la época, siempre mencionadas como
referencias imprescindibles a los deres educacionales en Pará. También se pudo constatar la
intervención de agentes higienistas en las producciones y practicas educativas, no solamente
sobre la definición de espacios sicos y contenidos programáticos, sino también sobre los
propios métodos de enseñanza, así como a las prescripciones de controlo”, “vigilancia” y
“supervisión” como elementos constituidores de la implementación del higienismo en las
escuelas, lo que revela una fuerte preocupación con la disciplina y la moral.
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Palabras clave: Higiene Escolar. Instrucción Pública. Internados.
THE DOCTRINE OF HYGIENISM IN THE JOURNAL OF EDUCATION AND
TEACHING: OCTAVIO PIRES AND THE HYGIENE OF BOARDING SCHOOLS
ABSTRACT
This article aims at identifying and comprehending the ideas of Octavio Pires on hygiene in the
boarding schools. For this purpose, historical research was developed based on articles
published in the Revista de Educação e Ensino, between February and November 1892, by
Octavio Pires, who was its director, main columnist and one of the promoters of the higyenism
doctrine in Pará. Concerning the treatment of data, we use the technique of content analysis
when we notice the strong influence and the constant recurrence to European experiences at
that time, constantly quoted as essential references for educational leaders in Pará. We also
observe the intervention of hygienist agents in educational productions and practices, not only
regarding the definition of physical spaces and program content, but also the teaching methods
themselves, prescriptions of “control”, surveillance” and “inspection” as elements that had
constituted the implementation of hygiene in schools, revealing the intense apprehension with
discipline and morals.
Keywords: School Hygiene. Public Instruction. Boarding schools.
LA DOCTRINE DE L'HYGIENISME DANS LE JOURNAL DE L'EDUCATION ET
DE L'ENSEIGNEMENT: OCTAVIO PIRES ET L'HYGIENE DES INTERNATS
RESUMÉ
L’objectif de cet article est d'identifier et de comprendre les idées d'Octavio Pires sur l'hygiène
de l'embarquement. À cette fin, nous avons mené une recherche historique, en utilisant comme
sources les articles publiés dans la Revista de Educação e Ensino, entre février et novembre
1892, par Octavio Pires, son directeur, chroniqueur principal et l'un des diffuseurs de la doctrine
de l'hygiène dans À partir des données, nous utilisons la technique d'analyse de contenu lorsque
nous observons la forte influence et la récurrence constante des expériences européennes de
l'époque, toujours citées comme des férences essentielles pour les responsables de l'éducation
au Pará. On note également l'intervention d'agents hygiénistes dans les productions et pratiques
éducatives, non seulement en ce qui concerne la définition des espaces physiques et du contenu
des programmes, mais aussi les thodes pédagogiques elles-mêmes, les prescriptions de
«contrôle», de «surveillance» et d '«inspectiocomme éléments constitutifs de la mise en
œuvre de l'hygiène dans les écoles, révélant le fort souci de discipline et de morale.
Mots-clés: Hygiène scolaire. Instruction publique. Pensionnats.
INTRODUÇÃO
Em pleno processo de investigação sobre a educação no alvorecer da Primeira
República no Pará na virada do século XIX para o século XX , defrontamo-nos com um
conjunto de artigos escritos por Octavio Pires sobre a higiene dos internatos no Pará.
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Consideramos, por um lado, a grande repercussão do higienismo na organização dos sistemas
educacionais nacionais e estaduais daquela época e, por outro, a riqueza de fontes documentais
a serem analisadas, aliadas à recorrente abordagem deste tema na historiografia da educação.
Com isso, passamos a nos ocupar do assunto a fim de identificar e compreender as ideias de
Octavio Pires sobre o higienismo nos internatos, manifestas em um conjunto de artigos na
Revista de Educação e Ensino
1
, periódico de publicação mensal vendido por assinatura
2
que a
partir de julho de 1893, com o aumento da subvenção do governo, passou a ser distribuído
gratuitamente a todos os professores públicos primários.
Para levar a cabo a tarefa, iniciamos com uma revisão da produção acadêmica em
História da Educação que faz referência à questão da higiene escolar naquele período,
justamente tendo em vista construir um suporte conceitual para nossas reflexões. Dentre os
estudos sobre higiene e controle médico, destacamos: o estudo de Ferreira (2003), que tem por
base as dissertações da escola médico-cirúrgica do Porto, em Portugal; o trabalho de Valentim,
Pereira e Leite (2016) sobre os projetos eugênicos e higiênicos na formação de professores na
Primeira República; os estudos de Conceição (2012) acerca dos colégios-internatos no período
que se estende de 1840 a 1950; o estudo de Goellner (1992) sobre a Educação sica no Brasil
e sua relação com o método Francês; o trabalho de Vago (2000) que tratou do movimento de
afirmação de uma nova cultura escolar em Belo Horizonte tendo por base a Educação Physica
e Gymnastica no ensino primário no início do culo XX e os artigos de Oliveira (2009) e
Soares (2021) que tratam da educação do corpo no contexto da educação física.
O estudo de Vianna (2015) também foi base fundamental para esta pesquisa, na medida
em que aborda a relação entre educação e higienismo e sua materialização nos periódicos
pedagógicos produzidos e publicados no estado do Pará, entre os anos 1891-1912. A autora
afirma que os discursos em defesa da higienização do espaço, do tempo e das atividades
escolares eram feitos no intuito de moldar corpos e mentes. Enquadramos nosso estudo nessa
mesma vertente, com o propósito de identificar as ideias difundidas por Pires sobre a higiene
dos internatos instituições que eram tidas como espaços educativos por excelência, mas que,
como será demonstrado ao longo do texto, configuravam-se como instituições de controle dos
educandos, as quais encontravam fundamento para suas ações nos pensamentos higienistas em
voga na época, amplamente propagandeados pela imprensa paraense.
1
Periódico paraense do final do século XIX, com circulação mensal, fundado por volta de 1891; abordava temas
educacionais e pedagógicos voltados para o professorado. Embora não seja possível afirmar a data de encerramento
de sua circulação, no setor de Obras raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna encontramos somente os exemplares
dos anos de 1891 a 1895.
2
O valor da assinatura era de 6$000 por semestre e 10$000 por ano para os assinantes da capital, já para o interior
e outros estados o valor semestral era de 7$000 e o anual de 12$000.
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No que tange aos documentos, utilizamos: o Decreto 981 de 8 de novembro de 1890,
referente à Reforma Benjamin Constant, que aponta em seus dispositivos iniciais a preocupação
com a higiene (BRASIL, 1890); os exemplares da Revista de Educação e Ensino disponíveis
na Biblioteca Pública
3
(PIRES, 1891, 1892a, 1892b, 1892c, 1892d, 1892e, 1892f, 1892g,
1892h, 1892i, 1892j); e o Regulamento Escolar do ensino primário de 1890 (PARÁ, 1890).
Processamos essas fontes em duas fases: em um primeiro momento, fizemos o levantamento e
a preparação dos documentos a serem analisados; e em um segundo momento, desenvolvemos
a análise do seu conteúdo propriamente dito a partir de um processo de classificação de
elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação seguida de um reagrupamento
baseado em analogias, a partir de critérios definidos” (FRANCO, 2005, p. 63).
Este processo denominado análise de conteúdo foi pautado na obra de Maria Laura
Franco (2005), que o adota no campo educacional. Ela o define como um conjunto de técnicas
de análises e procedimentos sistemáticos com objetivo de descrever e fazer inferências de
conteúdo, observável e latente, das mensagens, verbal ou escrita, de determinada comunicação
em que o sujeito da mensagem é reconhecido como ativo na produção do conhecimento da
mesma, trazendo consigo as condições contextuais de quem a produz.
Entre as seções da revista, priorizamos a coluna “Pedagogia” nas edições em que o
diretor do periódico escreveu sobre a “Hygiene dos Internatos”. Posteriormente, buscamos
identificar os subtemas abordados que serviram de categorias de análise: localização,
edificação, número de alunos em relação ao edifício, alimentação, higiene da inteligência,
recreios, exercícios sicos e precauções sobre a saúde dos educandos. Em seguida,
identificamos as concepções inerentes às reflexões ali expressas e seus principais referenciais
teóricos, buscando sistematizar o pensamento do autor em relação à matéria. Tendo em vista a
premissa de Ferreira (2003, p. 15) de que “para além da intervenção sobre o corpo, a medicina
perspectivava alcançar o indivíduo como um ser social”, nossa hitese foi a de que, para além
das proposições de “higienização” dos ambientes educativos, seus defensores intervieram em
assuntos de natureza didático-pedagógica, corroborando orientações que exerciam certo grau
de donio no campo da Educação e propondo uma defesa intransigente da intervenção médica
no espaço escolar.
A IMPLANTAÇÃO DO HIGIENISMO E OS INTERNATOS NO BRASIL
REPUBLICANO
3
Biblioteca Pública Arthur Vianna, situada no Centro Cultural Tancredo Neves, vinculado à Fundação Cultural
do Estado do Pará.
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Segundo Góis Junior e Lovisolo (2003), no final do século XIX e início do XX,
chegava ao Brasil uma doutrina que tinha como foco a preocupação com a saúde do povo
brasileiro, tanto no âmbito individual quanto coletivo; seus pilares eram a defesa da educação
e da saúde pública, assim como o ensino de novos hábitos higiênicos. O Higienismo, também
conhecido como Movimento Sanitarista, ganhou maior visibilidade a partir da proclamação da
República, quando as maiores cidades do país passaram a vivenciar um processo mais intenso
de industrialização e acelerada urbanização.
A partir de então impôs-se uma nova configuração a estas urbes, sobretudo com o
crescimento do comércio internacional, das correntes imigratórias e, principalmente, a
presença de contingentes populacionais ‘livres’ concentrados no espaço urbano [que] deram
nova complexidade à estrutura social do país” (SOUZA; MELO, 2013, p. 2). Neste contexto,
os republicanos buscaram desenvolver medidas com o objetivo de higienizar a população por
meio do “controle higiênico dos portos, a protão da sanidade da força de trabalho e o
encaminhamento de uma potica demográfico-sanitária que contemplasse a questão racial”
(SOUZA; MELO, 2013, p. 2). Dessa forma, o movimento higienista no Brasil objetivava
moldar o comportamento da população brasileira por meio de ações que integravam diferentes
profissionais, como aqueles vinculados à medicina e todos aqueles que possuíam alguma
ligação com a instrução pública, vistoriando e intervindo nas mais diversas instituições
escolares entre elas, o internato.
Ao analisar as dissertações apresentadas pelos alunos da Escola Médico-Cirúrgica do
Porto (Portugal), desde 1837 até ao início do século XX, Ferreira (2003) afirma que, com o
avanço do século, as dissertações que se preocupavam com as crianças começaram a abranger
novos temas, como a educação sica e moral, higiene escolar e das crianças, além de breves
considerações sobre a alimentação na primeira infância. Assim, “nesse momento, [...] são
abordados vários outros que [...] seguem uma orientação de higiene social(FERREIRA, 2003,
p. 13). Conceição (2012), ao analisar as teses de doutoramento produzidas nas Faculdades
de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, no período de 1840-1928, observou que a questão
do higienismo ocupou lugar de destaque e foi:
o tema geral através do qual os médicos, formados na FAMEB, interessaram-
se em diagnosticar e apresentar prescrições sobre a educação nos colégios.
Assim, o internato aparece nas teses dos facultativos formados pela Faculdade
de Medicina da Bahia quando os autores tratam da temática ―Higiene dos
colégios ou ―Higiene escolar, em que são estudados assuntos como: local,
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disposição e condições dos cômodos do edifício, serviços do colégio, tempo
escolar, vestimenta, asseio e castigos físicos. (CONCEIÇÃO, 2012, p. 16).
Estes estabelecimentos de internação, segundo Conceição (2012), tinham um modelo
escolar com características específicas que os diferenciavam de outras escolas, principalmente
pelo isolamento social e pelo rígido controle exercido sobre aqueles que ali habitavam. Com
isso, as saídas e entradas eram monitoradas; livros, jornais e revistas eram inspecionados antes
de serem lidos; tudo com o intuito de evitar interferências externas que de alguma maneira
pudessem afetar a educação dos internos.
Historicamente, a educação oferecida nos internatos ficou restrita aos filhos de famílias
abastadas, pois somente essa parcela da populão podia arcar com as expensas do internato,
uma vez que o investimento feitopara colocar um filho ou filha no internato estava na relação
da eficácia de reprodução ou da importância do capital cultural institucionalizado transmitido
nesses estabelecimentos em relação ao capital econômico das famílias (CONCEIÇÃO, 2012,
p. 16).
Neste contexto, não é de se estranhar que Octavio Pires tenha dado início a uma série
de artigos que tinham em vista aprofundar aspectos sobre a temática da Higiene Escolar, sobre
os quais já se havia tratado em edição anterior, na matéria denominada “Hygiene escolar e suas
vantagens”. naquele momento, Pires se propunha a fazer uma compilação dos escritos que
tinha lido sobre o assunto e mostrar em que consistia a temática. Seguindo um hábito comum à
época, Octavio Pires usa em sua argumentação trechos de teses de médicos higienistas, como
Umbelino Marques e Alfredo Borges. A esse respeito, Zucoloto (2007, p. 139) informa que
dicos influenciados pela literatura europeia se preocuparam com a “falta de higiene urbana
e comaram a tratá-la em teses apresentadas às Faculdades de Medicina a partir de meados do
século XIX, [...], tendo como tema a higiene escolar”, assunto que irá permear tanto o conteúdo
legislativo quanto o da imprensa republicana brasileira e paraense.
A HIGIENE E A EDUCAÇÃO NOS INTERNATOS DO ESTADO DO PARÁ
Em Belém, a higiene escolar foi implementada por uma série de iniciativas de ordem
legal, como a criação da Polícia Municipal, que tinha o papel de “zelador da ordem pública”,
garantindo que os cidadãos agissem conforme os padrões higiênicos determinados pelas
autoridades sanitárias.
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O movimento higienista pode ser caracterizado como um dos mais ambiciosos
projetos de intervenção social que conheceu a modernidade ocidental.
Pretendendo mais que definir novos padrões de saúde, tinha na educação de
novas formas de sensibilidade uma das suas principais motivações. [...] As
preocupações com a infância nascimento, lactação, banhos, asseio corporal,
vestuário , com a vida doméstica saúde e papel social da mulher, limpeza,
prevenção de doenças e vícios como o álcool e o jogo e com o espaço público
urbanização, ordem, combate à propagação de moléstias e epidemias
formam um conjunto nada desprezível sobre o que pode ser caracterizado
como moderno e modernizador, ainda que iniciativas voltadas para a saúde
individual e social não sejam prerrogativas apenas dos tempos modernos.
(BOLUFER PERUGA, 2000 apud PYKOSZ; OLIVEIRA, 2009, p. 136).
Sarges (2002, p. 145) confirma que as leis e códigos de posturas intensificaram esse
controle e exerceram “papel regulador dos aspectos mais diversos da cidade, desde a
higienização dos estabelecimentos públicos, [...] até o controle de alimentos a serem vendidos
à população”. Ferreira (2003) chama atenção para o fato de que essa tendência já vigorava em
Portugal na virada do século XIX para o século XX. Para ele, o campo dico parecia querer
abarcar [..] aspectos inerentes ao fenômeno da escolarização de então, decorre desta colocação
algo tendencialmente hegemónica em que se posicionava a medicina da época” (FERREIRA,
2003, p. 15).
Segundo Pykosz e Oliveira (2009, p. 136), a partir do último quarto do século XIX e,
principalmente, nas três primeiras décadas do século XX, “o que se viu foi uma verdadeira
cruzada higiênica que mobilizou médicos, educadores, engenheiros e todos aqueles ligados de
alguma maneira à causa da instrução pública”. O crescente movimento pela renovação
pedagógica oferecia o esteio propício para que, pela via da biologia, da psicologia e da
antropologia, a higiene como corpo doutrinário ganhasse espaço no âmbito escolar (PYKOSZ;
OLIVEIRA, 2009). Os internatos, equipamentos educativos por excelência, também foram
alvos desse tipo de controle. Esses estabelecimentos se multiplicaram e eram tidos como
especializados:
pois não misturavam, [...] crianças abandonadas com adolescentes
‘prostitutas’ ou com os ‘delinquentes’. Pensava-se que, se eles ficassem
juntos, se ‘contaminariam’. A ideia da pureza e da limpeza, funcionando como
vetor de construção de ‘apartheid’ social é explicita nestas práticas.
(MARCÍLIO, 1998 apud LEMOS; VASCO, 2012, p. 14).
Nesta linha de raciocínio, compreendia-se a necessária transmutação do povo de seu
estado de brutalidade para um estado de urbanidade, e como esta missão impunha tornar-se
hábito para que a maior quantidade possível de pessoas se transformasse em habitantes da
cidade. A partir disso, seria adequado supor que o Estado também se integrava a esse esforço
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por meio de sua diretoria geral de instrução pública, aprovando um Regulamento Escolar que
corroborava as premissas defendidas pela doutrina higienista. Em 1879, um ano antes da
aprovação do Regulamento Escolar, Programmas, Horario e Intrucções Pedagogicas ao
qual ficaram submetidas as escolas paraenses , uma dissertação da escola dico cirúrgica
do Porto (Portugal) asseverava, de modo peremptório, a necessária intervenção médica no
ambiente escolar. Destacava que,
Cada meio tem uma hygiene sua, que lhe é própria, e o da escóla também a
deveria ter. E tem-na. É por isso que na sciencia se encontram regras relativas
á situação, exposição, luz e mobília d’estas casas d’instrucção, aos trabalhos,
attitudes, exercícios, jogos e doenças dos seus habitantes temporários os
alumnos. E hoje que as escolas se multiplicam, que por toda a parte se
proclama a instrucção obrigatória, compellindo todos os indivíduos á
frequencia escolar, mais que nunca abundam argumentos para se justificar a
legitima intervenção da hygiene n’este grupo de edifícios de que estamos
falando. (CRUZ, 1879 apud FERREIRA, 2003, p. 16).
Essa prática também foi adotada no Brasil, conforme atesta um estudo sobre a
introdução da Psicologia nos programas da Escola Normal do Distrito Federal. Naquele
período,
A reforma curricular de 1890 trouxe para o cenário brasileiro a ideia definitiva
de implantação de uma educação laica, representada pela coexistência entre
os sexos na instrução primária, pela obrigatoriedade do método intuitivo, pela
padronização nas condutas e pela preocupação “científica” com as condições
higiênicas e de moralidade dos lugares de ensino. (VALENTIM; PEREIRA;
LEITE, 2016, p. 141).
De fato, a referida reforma, levada a cabo por Benjamin Constant, delineava já em seu
primeiro artigo a preocupação com o tema:
Art. 1º E' completamente livre aos particulares, no Districto Federal, o ensino
primario e secundario, sob as condições de moralidade, hygiene e estatistica
definidas nesta lei.
§ 1º [...]. Para dirigir estabelecimento particular de educação se exigida esta
mesma prova e mais o certificado das boas condições hygienicas do edificio,
passado pelo delegado de hygiene do districto.
[...]
§ Na parte relativa ao ensino, a inspecção dos estabelecimentos particulares
limitar-se-ha a verificar que elle não seja contrario á moral e á saude dos
alunos. (PARÁ, 1890, não paginado).
Entretanto, cinco meses antes no Pará, o diretor geral de instrução pública, José
Veríssimo, já havia criado um regulamento escolar que apresentava dispositivos característicos
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do higienismo, normatizando o comportamento dos membros da comunidade escolar, tendo em
vista o rigoroso cumprimento de seus preceitos
4
. Para os professores, o regulamento estabelecia
uma série de prescrições e proibições de natureza higiênica, moral, potica e religiosa.
Art. 3°. Os professores devem apresentar-se na escola decentemente vestidos,
dando aos seus alumnos pela correcção e aceio de seu traje e porte uma lição
moral. É-lhes prohibido apresentarem-se em chinellos.
Art. 4°. É também expressamente prohibido aos professores, em funcções
escolares, fumar, occupar-se de assumptos estranhos á escola, muito
principalmente politicos e religiosos. (PARÁ, 1890, não paginado).
O espaço sico da escola, assim como o seu mobiliário, também era objeto de
regulamentação higiênica. Estabeleciam-se procedimentos habituais de limpeza, localização de
depenncias e situação de equipamentos, chegando-se a definir a direção da luz sobre os
alunos durante a realização de suas tarefas.
[...] Art. . A sala da escola se caiada todos os annos. Deve ser conservada
com o maximo aceio, sendo varrida e espanada duas vezes todos os dias antes
da entrada da manhã e da tarde, e lavada ao menos uma vez por mez. As
janellas serão conservadas abertas, e não só a sala da escola como a casa em
que funcciona, serão objecto de minuciosos cuidados hygienicos.
[...]
Art. 9°. Para o serviço exclusivo dos alumnos havera em toda escola latrinas,
lavatorio e agua de beber, tudo installado segundo os preceitos da hygiene
escolar e mantido sempre com o mais escrupuloso aceio.
Art. 11. A mobilia escolar seinstallada de accordo com as prescrições da
hygiene escolar, devendo os alumnos, quando escreverem, receber a luz pela
esquerda.
[...]
Art. 30. O local dos recreios deve ser perfeitamente secco e arejado, e será
conservado em rigoroso aceio. (PARÁ, 1890, não paginado).
Os alunos também deveriam estar sujeitos a um conjunto de determinações higiênicas
e de controle, bem como à fiscalização de seu próprio corpo.
Art. 13. Os meninos devem apresentar-se na escola aceiados e decentes.
Art. 14. A primeira meia hora da entrada da manhã será em todas as escolas
consagrada á inspecção de aceio, verificação do estado dos dentes, orelhas
cabello, unhas, dos alumnos, acompanhada de observações moraes e
recommendações sobre a necessidade e hygiene dos cuidados corporaes.
[...]
Art. 23. Antes de começar a lição de escripta o professor repetirá sempre as
regras e observões sobre a posição do corpo, da mão e do papel, corrigindo
por si mesmo as posições defeituosas e contrarias á hygiene. (PARÁ, 1890,
não paginado).
4
Tratava-se do Regulamento Escolar, Programmas, Horario e Intrucções Pedagogicas para as Escolas Públicas
do Estado do Pará, aprovado pelo governador Justo Leite Chermont em julho de 1890 (PARÁ, 1890).
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Claramente normativas e de domínio externo, tais prescrições são enfatizadas por
Viana (2015, p. 107), quando observa os “diversos elementos que são alvos de intervenção da
racionalidade médico-higienista como a faixa etária, a postura corporal, a infraestrutura escolar,
critérios para matrícula e atuação médica”; isso também incluíao equilíbrio do funcionamento
corporal, objetivo caro à racionalidade médico higiênica, deveria ser promovido por meio da
aplicação dos preceitos higiênicos” (VIANA, 2015, p. 107). Diante do alto grau de
detalhamento das normas, é possível inferir que existiram dificuldades para que se concretizasse
tudo o que nelas se encontrava. Talvez por isso, Octavio Pires tenha afirmado que no Pará não
se cuidava do tema com a devida aplicação que merecia, sobretudo por se tratar de um
delicadíssimo assumpto, de grande utilidade para as gerações que surgem e de vantagens
indiscutíveis” (PIRES, 1891, p. 129), razão por que provavelmente assumiu a tarefa de discutir
e divulgar informações sobre o assunto.
AS IDEIAS DE OCTAVIO PIRES SOBRE A HIGIENE DOS INTERNATOS
5
Octavio Olympio da Rocha Pires foi nomeado professor na escola de Melgaço, em
1854. Além de professor, foi examinador de autossuficiência, inspetor escolar e membro do
Conselho Superior de Instrução Pública do Pará; também participou da direção e organização
do primeiro congresso pedagógico paraense, na condição de primeiro secretário, e foi fundador
e professor normalista, ao lado de Augusto Pinheiro, do Collegio Minerva. Teve um forte
posicionamento político em favor de melhorias comunitárias e foi ativo em manifestações
populares para defesa de direitos sociais; chegou a ser cio da associação dos abolicionistas,
que agia em prol dos escravos, e membro da Associação Beneficente Literária e Recreativa dos
Professores, em defesa dos direitos dessa categoria, além de ter sido membro do partido e
congresso Republicano.
6
Foi redator e diretor da Revista de Educação e Ensino do órgão de
5
As informações acerca da vida de Octavio Pires ainda são muito dispersas e esparsas. Na tentativa de
construirmos uma bibliografia, procuramos informações em vários sites e sistemas de busca. Na busca,
encontramos homônimos que tornaram algumas fontes imprecisas e seu resultado mais seleto. Entretanto, foi
possível desenvolver uma síntese da coleta de dados a respeito deste professor. Dentre os sites de busca, obtivemos
fontes relacionadas ao professor Otávio Pires na Hemeroteca da Biblioteca Nacional
http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx e referências ao autor em discursos adquiridos no sistema de entregas
digitais “CRL Digital Delivery System” http://ddsnext.crl.edu/
6
De acordo com Cunha (2008) “nos primeiras anos da República foram realizadas as primeiras reuniões que
visavam à fundação de um partido politico de âmbito nacional. Segundo um dos principais organizadores das
reuniões, o político campineiro Francisco Campineiro Glycério, a grande motivação para a criação do partido
foram as diversas revoltas e movimentos contestatórios que ameaçavam o estabelecimento do recém implantado
regime Republicano. [...] As inúmeras reuniões realizadas na capital federal resultaram na formação em 30 de
julho de 1893, do Partido Republicano Federal (PRF)(CUNHA, 2008, p. 17). Embora tenha sido criado com o
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Instrução Pública do Estado do Pará no período de 1891 a 1895, do qual também foi membro
da secretaria geral. Seus inscritos na imprensa paraense o se limitaram a essa revista. Octávio
Pires também escreveu sobre a potica do Amazonas onde foi deputado da Assembleia
Legislativa e suplente ao cargo de juiz municipal para o jornal Estado do Pará, e sobre
educação popular para o jornal Folha do Norte
7
.
Trata-se, portanto, de um intelectual do Pará que, na função de diretor da Revista
Educação e Ensino, pôde publicar reflexões e discussões importantes acerca da educação local,
nacional e mundial, assim como de se dedicar a assuntos específicos da educação paraense
com intuito de contribuir com a formação do professorado, pautando-se em pensamentos
republicanos e de cunho higienista (DAMASCENO; ARAÚJO, 2016). Neste artigo, como já
informamos, destacamos suas ideias sobre a higiene dos internatos presentes na revista que
dirigia.
No primeiro texto analisado, após fazer uma série de ilações sobre a necessidade de os
governos civilizados preocuparem-se com o desenvolvimento das crianças e o lugar importante
que a higiene escolar teria na educação pública, o autor afirma estar provado “que o caracter do
individuo forma-se mais pela educação physica do que pela cultura mental; sem o concurso
d’aquella, esta torna-se improductiva” (PIRES, 1891, p. 129). Relacionando persas, espartanos
e atenienses como exemplos de povos que davam à educação sica um cuidado particular, Pires
conclui que a higiene é o meio pelo qual se poderia conseguir o desenvolvimento sico e, com
pesar, diz que no Pará absolutamente nada foi feito neste sentido.
A partir das afirmações de Pires podemos identificar seu alinhamento com as ideias
difundidas no Brasil após a proclamação da República que atribuíam à escola a função de:
introjetar nas crianças maneiras julgadas superiores, modos considerados
civilizados [...] nesse movimento, os corpos das crianças tornaram-se alvo do
investimento da escola, sendo colocado no centro das práticas educativas:
constituí-lo, ou reconstituí-lo, racionalmente, tornou-se atribuição da escola
(VAGO, 2000, p. 126).
intento de unir as forças existentes nos diferentes estados, tal feito não foi alcançado tanto que no ano de 1897
ocorreu a cisão do PRF resultado das discordâncias entre seu líder Francisco Glycério e Prudente de Moraes então
presidente da República. Nesse contexto parte do Partido Republicano Paraense (PRP) decidiu seguir a posição
assumida por Lauro Sodré de apoiar o líder do PRF (CUNHA, 2008).
7
Segundo Lacerda (2006) o periódico paraense foi fundado pelo médico Cipriano Santos e pelo bacharel em direito
Enéas Martins, teve seu primeiro exemplar veiculado em de janeiro de 1896, “diversos assuntos estiveram
constantemente impressos nas páginas da Folha do Norte, dando a esse jornal características populares, na medida
em que circulava por rios segmentos sociais, em todo o estado do Pae amesmo fora da Amazônia’
(LACERDA, 2006, p. 9).
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Segundo Oliveira (2000), as práticas educativas influenciadas pelo movimento médico
higienista e pela ginástica francesa do século XIX compreendiam o corpo como objeto de
conhecimento, coerção e intervenção, devendo ser ensinado a se posicionar, se alinhar e se
portar no espaço, contendo e reprimindo desejos, vestindo-se o apenas de trajes, mas de
moral, intermediado por múltiplos saberes e práticas que iam da higiene às boas maneiras. Tais
práticas adentraram o espaço escolar e contribuíram para a consolidação da ideia de que “o
corpo e a sua educação mereciam atenções e cuidados especiais de todos aqueles que se
preocupavam com a instrução pública [...]” (OLIVEIRA, 2009, p. 132).
Outra dimensão a ser destacada no discurso do diretor da revista é o teor crítico em
relação aos antigos “representantes” do regime monárquico, “que só se preocupavam da
política; e que política! A que preferia o individuo á collectividade, o interesse de um e poucas
vezes o de muitos ao interesse da pátria(PIRES, 1891, p. 130). Argumentava ainda como foi
dessa “criminosa indifferença” que nasceu o descalabro da instrução pública. No entanto, diz
ele, “não é raro ver-se accusar o professorado por faltas que não são suas” (PIRES, 1891, p.
130).
Esta crítica é uma característica do pensamento educacional da passagem do Império
para a República, que na tentativa de consolidar o novo regime passou a “afirmar uma educação
republicana a partir da negação da imperial” (CARDOSO, 2015, p. 2) vista como atrasada e
ultrapassada. O novo regime buscou ancorar-se nos princípios da ciência pedagógica moderna
praticadas nos países europeus considerados civilizados.
Na primeira parte
8
de seus escritos acerca da higiene dos internatos, Pires se dedica a
refletir sobre o local apropriado para esse tipo de estabelecimento, posto que este é oprimeiro
ponto sobre que se lançam os olhares do hygienista, na organização de um internato” (PIRES,
1892a, p. 17). Fundamentando sua defesa intransigente da higiene escolar, defendia que o
movel do educador não se restringe unicamente á índole e ao intellecto do infante ou
adolescente: estende-se também á parte physica ou corporal d’essas entidades” (PIRES, 1892a,
p. 17). Por isso, ele considerava indiscutível que a Pedagogia invocasse “o potente auxilio da
medicina, ou que o mestre entre de braço com o medico no seu collegio(PIRES, 1892a, p.
17). A questão inicial (“importantíssima”) que o autor apresenta é se os internatos devem ficar
dentro ou fora das cidades, e responde que os preceitos higiênicos proíbem que os mesmos
fiquem nos centros populosos das grandes cidades. Citando trabalhos de Célestin Hippeau
9
8
Fevereiro de 1892 (I Da localização).
9
Outros trabalhos que tratam de Célestin Hippeau são: Leituras da Ilustração Brasileira: Célestin Hippeau (1803-
1883) e A educação comparada no século XIX: a obra de Célestin Hippeau (1803-1883), ambos de Maria Helena
Camara Bastos (2002, 2003); Célestin Hippeau: Contribuições para a história da escola primária e dos métodos
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sobre a localização dos colégios nos Estados Unidos e na Inglaterra, e de Aimé Riant
10
, sobre
internatos na França, Pires (1892a) conclui que a localização ideal para esses estabelecimentos:
É a localisação distante dos centros populosos, onde o educando, longe dos
bulicios da vida activa do trabalho, encontre um socego ameno para as
meditações em seus livros; onde, embora afastado do grande convívio social,
tenha no entanto os deleites de uma vida livre nos domínios do collegio; onde,
posto que retirado das diversões das cidades, ache, todavia, distracção nos
encantos da natureza. (PIRES, 1892a, p. 18).
Corroborando essa ideia, Conceição (2012) aponta em seus estudos que, buscando
atender às questões da higiene, os proprietários dos internatos na cidade do Rio de Janeiro
consideravam que o local mais saudável para se estabelecer os internatos eram chácaras ou
tios nos arrabaldes da cidade, afastados das distrações do centro urbano” (CONCEIÇÃO,
2012, p. 136).
No seu segundo artigo
11
, Octavio Pires disserta sobre a questão da construção dos
internatos, referindo-se à “configuração que devem receber, a fim de que correspondam ao ideal
da hygiene em tais edificações” (PIRES, 1892b, p. 33). Ele relaciona três tipos básicos de
prédios utilizados para esse fim, antes do advento do higienismo. O primeiro, diz, era fechado
pelos quatro lados com um pátio no meio; o segundo compunha-se de um corpo e dois
apêndices, conformando um desenho parecido com a letra E, e o terceiro tinha apenas uma
fachada, com varanda ou corredor interno de passagem para todos os compartimentos. Em
Belém, um exemplo do primeiro modelo seria o “Collegio do Amparo
12
; como do segundo
modelo, teríamos o “Seminário do Carmo
13
; e do último grupo, tínhamos o “Asylo de Santo
Antonio
14
.
de ensino no Brasil, de Analete Regina Schelbauer (2006); e Olhos na América - uma leitura dos relatórios
Hippeau, de José Gonçalves Gondra (2002).
10
Outros trabalhos que mencionam Aimé Riant são: A higiene escolar em Pernambuco: espaços de construção e
os discursos elaborados, tese de Rozélia Bezerra (2010); e A escolarização das práticas corporais em meio a
‘babel da instrucção publica’ baiana: os confrontos em torno da gymnastica, musica e dança, de Djalma S. Melo
Júnior (2015).
11
Março de 1892 (II Da edificação).
12
O Collegio do Amparo foi “inicialmente denominado de Recolhimento das Educandas, foi criado em 1804 pelo
Bispo do Pará, Manoel de Almeida Carvalho, na cidade de Belém do Pa para abrigar meninas índias. Esse
estabelecimento foi instalado no dia 10 de junho do mesmo ano em uma casa de aluguel pertencente ao Seminário
Episcopal, à Rua do Açougue” (FRANÇA; FRANÇA, 2011, p. 177).
13
Cruz informa que uma das instituições religiosas existentes na capital do estado era o convento do Carmo, que
por muito tempo ajudou na formação católica dos paraenses (CRUZ, 1973, p. 23).
14
De acordo com Sabino, foi fundado um asilo no Colégio de Santo Antônio, em 1871, destinado à educação de
meninas órfãs e a formação de alunas na escola normal. Primeiramente este asilo estava assentado na escola do
Carmo e posteriormente passou para as dependências do Colégio de Santo Antônio. Para coordenar os trabalhos
com as meninas, a Igreja representada por D. Macedo Costa contou com a ajuda das Irmãs Dorotéias (SABINO,
2012, p. 169).
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Para o autor, apenas o terceiro tipo é o que oferece as melhores condições higiênicas,
pois não é vulnerável às ausências de circulação livre do ar eo impede a penetração dos raios
solares. Utilizando-se mais uma vez dos estudos de Hippeau e Riant, o próprio Pires reverbera
como o melhor plano para a edificação de um internato, de acordo com o ideal da higiene, seria
a adoção do:
Systema de pavilhões isolados, de um andar o somente, sufficientemente
elevada do solo e sobre cavas, contendo cada um d’elles um pequeno numero
de alumnos. Cada pavilhãodeve ser separado do seu visinho por um espaço
bastante largo para a livre renovação do ar, espaços estes atapetados de
verduras ou adornados de jardins, que servirão ao mesmo tempo de fontes
excellentes de ar puro, de agradável distracção á vista e de occupação manual
de primeira ordem. (RIANT apud PIRES, 1892b, p. 34).
No terceiro artigo sobre o tema
15
, Pires aborda o que ele diz ser uma das questões
mais importantes, se não a mais importante, sobre a hygiene dos collegios(PIRES, 1892c, p.
49): o máximo de pessoas que estes estabelecimentos podem comportar. Ele cita o ar, o espaço
e a luz como três elementos indispensáveis, respectivamente, para a manutenção da vida, para
a comodidade dos inquilinos e para o expurgo, durante o dia, de toda a umidade da noite. Após
esboçar um cálculo relativo ao consumo de oxigênio por pessoa e a melhor localização das
janelas para a boa ventilação, passa a argumentar sobre o espaçamento entre as camas. Tendo
sempre em vista o problema da umidade do ambiente, Pires se utiliza de uma passagem de
Riant, na qual o francês assevera ser “bom que um dormirio nunca encerre mais de 20 a 30
alumnos. Assim, a disciplina, a moral e a hygiene serão bem executadas” (RIANT apud PIRES,
1892c, p. 50). Logo após, conclui que a exposição do dormitório para o Leste é melhor do que
para o Oeste, ainda mais porque a ventilação “vem para nós das bandas do oceano, que lhe
garante a pureza” (PIRES, 1892c, p. 51).
No seu quarto artigo
16
, Octavio Pires continua a tratar da quantidade de alunos nos
internatos, abordando os espaços de aula e de estudo. Defende que os espaços para estas
atividades sejam diferentes, pois considera que “não haverá tempo sufficiente, durante os curtos
recreios, de ser completamente expurgado dos miasmas exhalados pelos alumnos que sahirem,
sendo por isso rapidamente augmentado pelos educandos que entrarem(PIRES, 1892d, p. 65).
Para comprovar sua tese, ele cita uma experiência do higienista Paolo Mantegazza (a quem
nomina Montegazza) com dois ssaros colocados em diferentes redomas, uma com cal virgem
e outra com carvão mineral, cujo resultado foi a sobrevida daquele que estava junto ao carvão.
15
Abril de 1892 (III Do numero de alumnos em relação ao edifício).
16
Maio de 1892 (IV Do numero de alumnos em relação ao edifício).
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As estas e outras considerações, ele fixa o máximo de quarenta educandos em cada espaço,
cada qual com um metro quadrado de área, em salas com altura mínima de cinco metros. Assim,
diz ele, “um alumno ficará com 5mc [cinco metros cúbicos] de ar, que deverá ser corrente, para
a sua constante renovação” (PIRES, 1892d, p. 66).
A quantidade de quarenta alunos por sala seria conveniente o em razão da higiene,
mas também por causa do que ele chama “fiscalização por occasião do estudo que não póde
deixar de ser pertubado, quando o numero é exagerado” (PIRES, 1892d, p. 66). Adotando um
tom melancólico, o autor atenta para o completo abandono da higiene dos colégios e atribui a
este mais um motivo da rápida degeneração sica da juventude paraense. Ao final de suas
reflexões, defende ainda a quantidade máxima de trezentos alunos por internato. A esse
respeito, cita Riant, observando que tal definição se dá pelo fato de que um provedor ou diretor,
apesar de todo zelo e capacidade, e da quantidade e aptidão de seus auxiliares, “não poderia
exercer uma vigilância efficaz e accetiar [sic] uma responsabilidade séria, além d’este limite”
(RIANT apud PIRES, 1892d, p. 66). Para Riant, “há na quantidade, quando excessiva, uma
influencia mysteriosa para o mal, que nullifica todas as precauções e todos os cálculos. Não é
o contágio, é a influência epidêmica, não moral como physica, que é preciso temer em um
semelhante meio(RIANT apud PIRES, 1892d, p. 66).
No quinto e sexto artigo sobre a higiene dos internatos
17
, Octavio Pires tratou da
alimentação dos alunos, considerando-a um assunto capitalissimo, sobretudo para as idades de
que nos occupamos” (PIRES, 1892e, p. 81). O autor compara o corpo humano, em suas
diferentes fases, desde a infância até a velhice, a um estabelecimento bancário, com seu livro
de entradas e saídas. “No organismo humano, o livro de carga é representado pelas tres especies
de alimentação: gazoza, liquida e solida; o da descarga, pelas diversas excreções e secreções
materiais expellidas” (PIRES, 1892e, p. 81). A enorme importância atribuída por Pires à
nutrição pode ser avaliada em uma passagem na qual critica o professor ou o diretor do internato
que, “para castigar um seu alumno por não ter sabido a lição, ou para puni-lo de qualquer
infracção regimental, priva-o de um ‘lunche’ ou de merenda, prohibe-lhe a ceia ou um jantar, é
simplesmente um bárbaro em face da sociedade, é um verdadeiro assassino perante as leis
hygienicas” (PIRES, 1892e, p. 82). Os exemplos citados dão conta de religiosos em cujos
colégios os alunos eram punidos com isolamento em cárcere sem luz e ventilação, com pão e
água apenas. Uma dessas timas conhecida por Pires chegou a supportar uma d’estas
17
Junho de 1892 (V Da alimentação); Julho de 1892 (VI Da alimentação).
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recluzões por espaço de 8 dias e 8 noites consecutivas, sem que os necessarios asseios de
gabinete fossem executados” (PIRES, 1892e, p. 82).
Pires continua a temática da alimentação e enfatiza a ideia de que a bondade da
alimentação humana depende de três condições necessárias e imprescindíveis: a qualidade, a
quantidade e o preparo. No que tange à qualidade, Pires refere-se a três tipos de alimentos que
devem sempre estar presentes na alimentação dos alunos: albuminoides ou proteicos”, os
amylaceos ou amylo-assucarados” e os “graxos ou gordurosos”. No que diz respeito à
quantidade, ele a classifica segundo as circunstâncias da pessoa e relaciona: a idade, a
constituição mais ou menos robusta; o temperamento: sanguineo, lymphatico, nervoso ou
bilioso; os exercicios corporaes mais ou menos ativos; o trabalho mais ou menos prolongado;
o clima, a estação, a temperatura, etc.” (PIRES, 1892f, p. 97).
Em relação ao preparo, critica a cozinha como um dos grandes defeitos e um dos
grandes males da maioria dos nossos colégios:
Quantas vezes, temos nós ouvido referir, assim como chegam os generos do
mercado assim vão para vastas caldeiras, sem a mais simples e rapida lavagem
[...] Quantas vezes temos nós ouvido relatar, a turma de educandas, de semana
na cozinha, não tem testemunhado a presença de insectos, de productos
extranhos, etc., na ebulição das sopas! (PIRES, 1892f, p. 98).
As a crítica, assevera que o asseio, a consistência, a condimentação e a variedade
são os requisitos essenciais para o preparo ótimo do alimento humano, usando como prova do
que diz contestando a dificuldade de variar os alimentos o cardápio de um dos liceus da
França durante duas semanas consecutivas, sem que apresentasse os mesmos pratos ou
repetição de refeições.
Na sétima parte
18
do trabalho de Octavio Pires aborda um assunto cuja denominação
é incomum: a higiene da inteligência. Ele argumenta que, assim como a ginástica muscular,
existe a ginástica cerebral,que consiste em exercicios racionaes e a pouco e pouco mais fortes,
cujo fim é avigorar os diversos centros das nossas faculdades cephalicas” (PIRES, 1892g, p.
113). Para ele, cabe ao professor a tarefa de auxiliar e regularizar este desenvolvimento,
tornando o homem cada vez mais homem” (PIRES, 1892g, p. 113). Neste sentido, o diretor
do internato deve ter em vista duas preocupações “capitais” e de conteúdo claramente didático.
Uma diz respeito às disciplinas a ensinar, e a outra, à distribuição do tempo a ser utilizado.
Quanto às disciplinas, Pires alega que devem ser observadas a qualidade da matéria, a extensão
18
Setembro de 1892 (VII Hygiene da inteligência). Cabe destacar que não houve edição no mês de agosto, em
razão de reparos em uma das máquinas de impressão da revista.
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da tarefa e a sua variedade, arriscando alguns diagnósticos, prescrevendo procedimentos que
considera adequados ao professor. No âmbito da qualidade da matéria, cabe ao mestre “saber
distinguir qual convém melhor ao seu alumno, não só quanto á força intellectual que este já
possúe, como no sentido de augmental-a sempre um pouco mais, dando-lhe um vigôr novo que
ainda não possúe” (PIRES, 1892g, p. 114).
No que tange à extensão da tarefa, recomenda que dependendo da “robustez do
intellecto do educando” não haja exageros, do contrário o mestre pode tornar-lhe a
intelligencia obtusa ou incomprehensivel pela fadiga, arriscando-o mesmo a qualquer
enfermidade, como consequência da retenção immovel por muitas horas” (PIRES, 1892g, p.
113). Referindo-se à variedade das disciplinas, diz ele, é necessária não só como descanso, mas
também como meio de cativar o gosto pelo trabalho. Deste modo, o mestre deve “amenisar a
aridez das suas lições, variando-lhes os themas” (PIRES, 1892g, p. 113). Quanto à distribuição
do tempo a ser utilizado, ele diz tratar-se de um ponto que pertence mais particularmente aos
diretores de internatos.
Alega que é um erro gravíssimo contra a higiene e mesmo uma “deshumanidade
prender-se por longas horas uma pobre criança, maximé si é de constituição debil,
constrangendo-a a ficar assentada em um banco, com os olhos sobre uma carta, sem um luvro
certo, sem um proveito real” (PIRES, 1892g, p. 114).
Finalizando seu artigo, Pires ensaia uma espécie de cronograma no qual distribui as
tarefas escolares com seus respectivos tempos de duração, evidentemente tendo em vista os
critérios da higiene.
Os estudos da manhã não devem exceder a duas horas nem as aulas a uma
hora [...]. Á tarde, sai as aulas podem ter a mesma duração que as da manhã,
todavia os estudos não convém ultrapassar a uma hora e meia [...]. Am
d’estes limites, podemos ficar certos que nada obteremos: a fadiga sobrevi
e, como consequência, a distração. (PIRES, 1892g, p. 114).
Viana (2015) pontua que a concepção de higiene mental ou da “inteligência” no período
republicano “possivelmente atendeu a pelo menos dois propósitos: formar o sujeito que
maximiza o uso de seu tempo e valoriza o trabalho; formar um cidadão saudável e,
consequentemente, produtivo à nação brasileira” (VIANA, 2015, p. 136). Tratava-se então, de
alargar ainda mais os donios da doutrina higienista sobre o alunado, a exemplo da
preocupação com a nutrição do corpo para em seguida argumentar sobre a higiene da mente
que rege este corpo, das faculdades mentais que devem ser educadas em prol da formação do
cidadão sadio.
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No seu oitavo artigo
19
, Pires disserta sobre o tema dos recreios, partindo do princípio
de que, após o trabalho intelectual, o melhor descanso é a distração ou a diversão, de prefencia
desenvolvidas sempre com atividade muscular. Isso se daria porque, segundo ele, “a bôa saude
do homem, as suas verdadeiras condições de estabilidade vital, resultam principalmente do
equilibrio no desenvolvimento dos tres grandes systemas: osseo, muscular e nervoso” (PIRES,
1892h, p. 131). Continua ao alegar que não basta que os intervalos sejam repetidos e
prolongados, mas que também não se façam sedentários, de modo que “o movimento tome
n’elles um caracter de obrigação” (PIRES, 1892h, p. 131). Além disso, o autor condenava o
diretor de internato que considerasse um bom comportamento do aluno a sua inércia corporal
ou a falta de atividade física: “A moralidade ahi seria uma hypocrisia, e, conseguindo elle
fornecer illustrações ao mundo, não lograria comtudo dar á Patria cidadãos sadios” (PIRES,
1892h, p. 131). Finalizando, Pires elogia o fato de, na Inglaterra, os alunos consagrarem muitas
horas aos exercícios físicos e também de terem todo seu tempo livre após as aulas. Entretanto,
desaprova a iniciativa em relação a nossos alunos: “longe de nós, porém, o pensamento de
aconselhar uma tão livre prática, com a tendencia que tem a nossa geração para estabelecer o
abuso em tudo e sempre” (PIRES, 1892h, p. 132).
É ainda em consonância, e quase dando seguimento à higiene da inteligência, que ele
trata dos recreios numa perspectiva educativa e formativa na qual a recreação deveria servir à
recuperação de energias gastas no trabalho. O lazer perdia seu caráter de gratuidade e
progressivamente definia-se como higiene física e mental” (COSTA, 2004, p. 184).
Na nona parte do seu trabalho, Pires
20
trata dos exercícios sicos e se refere às variadas
maneiras que podem ser utilizadas para pôr em execução o “movimento preciso (PIRES,
1892i, p. 147). Começa por citar duas ordens de exercícios de Riant. A primeira compreende
jogos, passeios, marchas e salto. Na segunda que ele diz precisar de ensino metódico , ele
inclui a equitação, a dança, a marcha ritmada, os exercícios militares e a ginástica. Sem esconder
sua predileção pelos exercícios da segunda ordem, defende que os mesmos devem ter o seu
tempo próprio, marcado pelo regimento interno da casa, na hora mais conveniente” (PIRES,
1892i, p. 147). Recomenda, no entanto, que a equitação, a natação e a ginástica nunca devam
ser consentidas nos recreios que se seguirem às refeições, sendo “mister escolher-se-lhes uma
occasião opportuna e sempre a mais distante possivel d’aquelas operações” (PIRES, 1892i, p.
148).
19
Setembro de 1892 (VIII Dos recreios).
20
Outubro de 1892 (IX Dos exercicios physicos).
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Observamos que Pires tem preferência pela segunda ordem de exercícios na qual
encontra-se a ginástica, que de acordo com Goellner (1992), era tida como um elemento
fundamental para a educação do homem na sua completude uma vez que era útil para o espírito,
alma e corpo. Soares (2021) corrobora essa ideia ao afirmar que na perspectiva da ginástica, “o
movimento não apenas corrige, mas educa, regenera, preserva forças e aumenta o vigor dos
corpos; é do corpo em movimento que trata a educação como processo amplo de inserção de
indivíduos e grupos em distintas esferas da vida pública” (SOARES, 2021, p. 14).
Tratando dos locais para a realização das atividades Pires alega que na cidade de Belém
existia a facilidade de um clima ameno e uma localização privilegiada no que se refere ao acesso
a “caudalosos rios de aguas tranquillas”, o que poderia facilitar a prática da natação, e vaticina:
“não possuir-mos em todos os collegios de internatos uma aula de natação, é um verdadeiro
crime de leso cuidado, pela educação physica dos nossos futuros concidadãos” (PIRES, 1892i,
p. 148). O autor menciona o fato de que o único estabelecimento que teria condições de facultar
aos seus alunos esse tipo de exercício o Seminário do Carmo por estar situado às margens
da Baía do Guajará, não o faz. Critica ainda todos os colégios da cidade por essa deficiência
certamente bem culposa, lastimosissima, imperdoavel mesmo” (PIRES, 1892i, p. 148). Mais
à frente, Pires relativiza suas considerações mencionando o fato de que os colégios
consignavam nos seus regulamentos a criação das aulas de ginástica, mas não encontravam
professores para ministrá-las.
Esta preocupação com a atividade física e com a ginástica, marca o pensamento do
final do século XIX e primeiras décadas do século XX, em que se valorizava a moralização,
higienização e civilização dos corpos dos alunos das instituições educativas como um
veiculador do projeto da formação integral da infância brasileira (PYKOSZ; OLIVEIRA, 2009)
e via de modernização e civilização da sociedade (OLIVEIRA, 2009). Desta forma:
O corpo parecia ser o sustentáculo de uma moral ilibada, a qual contribuiria
para colocar em marcha uma nação ordeira, equilibrada, limpa, enfim,
moderna e civilizada. Percebe-se a aproximação da ginástica, como meio para
exercitar o corpo da criança, com a busca pela formação de atitudes
pertinentes à saúde, à moral e à sensibilidade do aluno pelo corpo, procurando
manter a criança longe de vícios (PYKOSZ;OLIVEIRA, 2009, p.1141-142).
Na décima e última parte de seu trabalho,
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Pires se dedica a expor as precauções a
serem tomadas acerca da saúde dos educandos e explora a preocupação sobre o estado de saúde,
de desenvolvimento orgânico e de predisposições mórbidas de cada aluno. Logo no início do
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Novembro de 1892 (X Das precauções a tomar sobre a saúde de cada educando).
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artigo, afirma que um diretor que se dedica apenas a dar bons a alunos nos exames de final de
ano “em nada differe e não passa realmente de um esperto ganhador. A missão de instruir é
mais nobre e não é tão simples como á primeira vista parece” (PIRES, 1892j, p. 163). Além
disso, reforçando a nica da necessária medicalização dos problemas sociais, argumenta que
“si quanto a simples construcção de um internato deve o architecto inspirar-se nos conselhos
medicos, quanto a conservação da saude individual de cada educando, cumpre com maioria de
razão ao bom Director ter sempre ao seu lado um Facultativo”
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(PIRES, 1892j, p. 163).
A ausência do expediente de minuciosa inspeção antes da entrada de crianças e moços
no internato, segundo ele, inviabiliza a detecção de moléstias e outros males, além de considerar
um erro gravissimo, e infelizmente generalisado e praticado entre nós, o sujeitar-se todos os
alumnos de um internato, sem distincção de idade, temperamento e desenvolvimento, ao mesmo
regimem disciplinar” (PIRES, 1892j, p. 163). Por outro lado, para superação do mencionado
erro, ele considera obrigatório que todo internato “tenha o seu Facultativo de confiança, e que
este visite-o pelo menos uma vez por dia, demorando-se o maior praso possivel, e cedendo uma
parte d’este tempo ás prescripções aos acamados e outra ás consultas aos que sentirem a menor
alteração no seu estado normal” (PIRES, 1892j, p. 163-164). Este ponto do discurso de Octavio
Pires, em especial, replicava um importante trecho da dissertação do bacharel médico português
Emygdio Pereira da Cruz, ao defender que:
Cada escola deveria ser regularmente visitada por um medico, que examinasse
o estado de saude dos alumnos e as suas condões de salubridade do edifício.
D’isto faria um relatorio, que enviaria á repartição competente. Este serviço
deveria ser retribuído, pois que quando o não fosse, necessariamente deixaria
de ser feito com a regularidade requerida. (CRUZ apud FERREIRA, 2003, p.
16).
Contestando os “amantes das objeções ou os genios de contradicção(PIRES, 1892j,
p. 164), que colocariam obstáculos à realização dessa e de outras medidas, Pires argumentava,
quanto à juventude do estado, que “nossa geração hodierna [...] degenera a olhos vistos [...]
entre a multiplicidade de causas que para isso concorrem, não hesitaremos em incluir mais esta:
o nenhum caso que se liga á saude e á hygiene da mocidade estudiosa nos nossos internatos”
(Pires, 1892j, p. 164). Finalmente, ao cabo de seu contínuo esforço na divulgação das propostas
higienistas para os internatos paraense, Pires revela um vivo desejo de que suas reflexões sejam
ouvidas e aceitas pelos diretores desses estabelecimentos.
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Indivíduo que exerce legalmente a medicina, médico (segundo o dicionário Houaiss).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do estudo, pudemos observar que a questão da higiene se constituiu em
objeto de preocupação da medicina, dos governantes e da imprensa. Para além das propostas
sobre a higiene dos colégios e internatos, em sua estrutura e funcionamento, os higienistas
tinham em vista e conseguiram este intento uma intervenção de grande amplitude no
campo da concepção, da organização e das práticas pedagógicas. Se a implementação da
doutrina higienista na cidade de Belém compreendeu ações governamentais em diferentes
áreas, em especial na saúde e na segurança pública, também teve exitosa interferência na
instrução pública, inclusive por meio de medidas normativas presentes no Regulamento Escolar
estabelecido pela Diretoria de Instrução Pública do Estado; isso, sem falar na divulgação maciça
de seus pressupostos e proposições por meio da Revista de Educação e Ensino, entre outros
periódicos.
Quanto aos artigos de Octavio Pires sobre a higiene dos internatos, ficaram evidentes
a forte influência e a constante recorrência a experiências europeias da época representadas
por Aimé Riant e Célestin Hippeau , sempre citadas como referências imprescindíveis para
as lideranças educacionais paraenses. Pires não só concordava com seus preceitos, como
também os reproduzia em seus escritos, revelando-se um apaixonado divulgador de suas ideias.
Outro aspecto destacado foram as críticas aos representantes do regime monárquico que,
segundo o autor, preferiam o indivíduo em detrimento do coletivo e da pátria. Por outro lado,
ficou patente a preocupação com o controle e a vigilância dos infantes e adolescentes
frequentadores desses estabelecimentos, demonstrando a influência decisiva dos princípios de
domínio moral e a clara ingerência da corporação médica sobre os aspectos pedagógicos.
Mesmo tendo como legítimas as preocupações para com a saúde dos internandos, são patentes
as prescrições de “controle”, “vigilância” e “fiscalização como elementos constitutivos da
implementação do higienismo nos estabelecimentos de ensino.
Nesse contexto, observamos que a intervenção por parte de agentes higienistas nas
produções e práticas educativas ultrapassava a planificação de espaços físicos e conteúdos
programáticos, de modo que atingia os próprios métodos de ensino, a formão dos sujeitos e
seus corpos, sempre pautada em um ideal de cidadania republicana e de intensa intervenção no
âmbito físico e moral, exercendo suas prerrogativas de maneira impositiva, uma vez que os
belenenses foram alvos de uma potica higienista na qual os pobres ou aqueles que ofereciam
resistência ao que estava disposto nos códigos de posturas eram punidos ou excluídos, sendo
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afastados do centro da cidade na medida em que a mesma crescia sob os signos da higiene e do
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Recebido em: 11 de maio de 2021
Aceito em: 08 de outubro de 2021