ISSN 2447-746X Ridphe_R
DOI: 10.20888/ridphe_r.v7i0.15214
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-5, e021005, 2021.
porque, tacitamente ao menos, ia na contracorrente da mania de se tomar o texto como portador de
uma “mensagem” – mania que outros docentes faziam questão de ironizar explicitamente.
Sim, era exigente – menos, contudo, no que diz respeito aos parâmetros avaliatórios (diziam
que reservava a nota máxima “só para Deus”, mas ela própria nunca o disse) do que no que
concernia ao seu magistério, à substância de seu ensino. Acontece que não levava o aluno pela mão
nas incursões e excursões por territórios filosóficos; cada um devia fazê-lo por si próprio, por sua
conta e risco, aventurando-se por veredas e ermos desconhecidos. Ela, por sua vez, arriscava-se
num diálogo pertinaz, insistente: a cada resposta que alguém apresentava à questão formulada,
objetava com um “por quê?”; a nova resposta motivava outra objeção e outro “por quê?”, e assim
por diante, até que se pudesse vislumbrar, talvez, que a reflexão e a argumentação são passíveis
sempre de ser aprofundadas, que as questões filosóficas não são meramente retóricas, que as
respostas e razões podem ser múltiplas, como de fato são, que novos fundamentos podem ser
assentados para serem, a seguir, também solapados ou deslocados – tudo em meio à percepção ou
sensação de que esse diálogo em sala de aula não era simulação do diálogo infindo da Filosofia,
mas um seu fragmento, tão autêntico e instrutivo quanto o todo de que ele é parte.
Essa maiêutica rediviva não se limitava a descortinar o filosofar, mas o praticava com a
exuberância de sua floração original. A vivência filosófica que ela propiciou podia equiparar-se,
doravante, à experiência dos jovens interpelados e interrogados por Sócrates na ágora ateniense.
Também ela ensinava espicaçando e arejando mentes, provocando e colocando à prova o pensar.
Tinha por regra – que seguia à risca – nunca expor sua opinião pessoal a respeito dos assuntos
debatidos e das questões que eram objeto de sua maiêutica, assim respeitando em cada um a
liberdade de dispor de seus pensamentos e sentimentos. Quando, no segundo semestre, pôs-se a
traduzir e a ditar trechos de uma obra de Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) – provavelmente La
mentalité primitive –, foi nesse contexto em que já se exercitava o pensar por conta própria como
gesto tensionado pela escolha e carregado de responsabilidade.
É preciso talvez retroceder um passo: para Diotima ou os pré-socráticos; para o mito – mas,
neste caso, o da própria Filosofia. Retrocedendo, vê-se que o continente é antes um mundo, na
verdade uma constelação, um universo, todo um conjunto de mundos – de outros modos, até então
insuspeitados, de ver, viver, sofrer o real. Um dia, no começo do ano (que jamais lhe será dado
terminar), irrompe na sala de aula; sopra uma aragem – o vento do pensamento –, abre-se a