ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridphe_r.v9i00.17515
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A EXPOGRAFIA DE JANETE COSTA: ARTESANATO E ARTE POPULAR
Natália Alencar de Melo Paes
MAR Projetos e Criação Ltda, Brasil
natalia.paes@gmail.com
Fernando Diniz Moreira
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
fernando.moreira@ufpe.br
RESUMO
Em seu trabalho em prol da valorização da arte popular e do artesanato, Janete Costa (1932-
2008) utilizou as áreas de arquitetura de interiores, design de objetos, restauração e conservação
de bens históricos e expografia como plataformas para a causa. Além de especificar objetos
artesanais em seus projetos e orientar artesãos para melhor inseri-los no mercado, a arquiteta
promoveu exposições para divulgar estes trabalhos e educar o público. Desde a década de 1980,
Janete Costa passou a atuar como curadora e produtora, sendo responsável pela expografia de
inúmeras mostras. Se sua obra em interiores só recentemente tem recebido a devida atenção da
academia, inexistem estudos sobre o seu trabalho expográfico. A partir de um levantamento de
todas suas exposições, este trabalho visa explorar o universo expográfico de Janete,
particularmente em relação à arte popular e artesanato. Serão analisadas com mais detalhe três
expografias nas exposições Que Chita Bacana (2005), Uma Vida (2007) e Nordeste:
Territórios Plurais, Culturais e Direitos Coletivos (2008) em relação às decisões projetuais e
de tratamento expográfico, os percursos eleitos, a relação com os edifícios que sediaram estas
exposições, os projetos de suportes, vitrines e septos, e os efeitos de iluminação, assim como
as relações com seus projetos de interiores.
Palavras-chave: Expografia. Patrimônio. Arte Popular. Janete Costa.
LA EXPOGRAFÍA DE JANETE COSTA: ARTESANÍA Y ARTE POPULAR
RESUMEN
En su trabajo a favor de la valoración del arte y la artesanía popular, Janete Costa (1932-2008)
utilizó como plataformas de la causa las áreas de arquitectura de interiores, diseño de objetos,
restauración y conservación de bienes históricos y expografía. Además de especificar objetos
artesanales en sus proyectos y orientar a los artesanos para insertarlos mejor en el mercado, la
arquitecta promovió exposiciones para dar a conocer estos trabajos y educar al público. Desde
la década de 1980, Janete Costa ha trabajado como comisaria y productora, siendo responsable
de la expografía de numerosas exposiciones. Si su trabajo en interiores ha recibido
recientemente la debida atención por parte de la academia, no existen estudios sobre su obra
expográfica. A partir de un recorrido por todas sus exposiciones, este trabajo pretende explorar
el universo expográfico de Janete, particularmente en relación con el arte y la artesanía popular.
Tres expografías serán analizadas con más detalle en las exposiciones Que Chita Bacana
(2005), Uma Vida (2007) y Nordeste: Território Plurals, Culturais e Direitos Coletivos (2008)
en relación con las decisiones de diseño y el tratamiento expográfico, las rutas elegidas, la
relación con los edificios que acogieron estas exposiciones, los diseños de soportes, ventanas y
tabiques, y los efectos de iluminación, así como las relaciones con sus proyectos de interior.
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Palabras clave: Expografía. Patrimonio. Arte Popular. Janete Costa.
JANETE COSTA´S EXHIBITION DESIGN: CRAFTSMANSHIP AND POPULAR
ART
ABSTRACT
Janete Costa (1932-2008) used the areas of interior architecture, object design, restoration,
preservation of historical assets and exhibition designs as platforms to promote popular art and
handicrafts. Besides specifying craft objects in her interior designs and guiding artisans to better
introduce their work in the consumer chain, she started to promote exhibitions to publicize these
works and educate the public. Since the 1980s, Costa has acted as curator and producer, and
been responsible for the exhibition design of numerous exhibitions. If her interiors design works
has only recently received the attention of the academy, there are no studies on her work in
exhibitions. From a survey of all her exhibitions, this paper aims to explore the Costa´s
exhibition design universe, particularly those related to popular art and handicrafts. Three
exhibitions will be analyzed with more detail Que Chita Bacana (2005), Uma Vida (2007)
and Nordeste: Territórios Plurais, Culturais e Direitos Coletivos (2008)- observing aspects
such as the design and treatment decisions, the chosen paths, the relationship with the buildings
that housed these exhibitions, the projects of supports, windows, septa, and the lighting effects,
as well as the relationships with their interior projects.
Keywords: Exhibition Design. Heritage. Folk Art. Janete Costa.
LES CONCEPTIONS D'EXPOSITION DE JANETE COSTA: ARTISANAT ET ART
POPULAIRE
RÉSUMÉ
Dans son travail en faveur de la valorisation de l'art et de l'artisanat populaires, Janete Costa
(1932-2008) a utilisé les domaines de l'architecture d'intérieur, de la conception d'objets, de la
restauration et de la conservation des biens historiques et de l'expographie comme plates-formes
de la cause. En plus de préciser les objets artisanaux dans ses projets et de guider les artisans
pour mieux les insérer sur le marché, l'architecte a promu des expositions pour faire connaître
ces œuvres et éduquer le public. Depuis les années 1980, Janete Costa travaille comme
conservatrice et productrice, responsable de l'exposition de nombreuses expositions. Si son
travail dans les intérieurs n'a reçu que récemment l'attention voulue de l'académie, il n'y a pas
d'études sur son travail expographique. À partir d'un relevé de l'ensemble de ses expositions,
cet ouvrage vise à explorer l'univers expographique de Janete, notamment en relation avec l'art
populaire et l'artisanat. Trois expographies seront analysées plus en détail dans les expositions
Que Chita Bacana (2005), Uma Vida (2007) et Nordeste : Território Plurals, Culturais e
Direitos Coletivos (2008) en relation avec les décisions de conception et le traitement
expographique, les parcours choisis , la relation avec les bâtiments qui ont accueilli ces
expositions, les conceptions des supports, des fenêtres et des septums, et les effets de lumière,
ainsi que les relations avec leurs projets d'intérieur.
Mots-clés: Design d'exposition. Patrimoine. Art Populaire. Janete Costa.
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INTRODUÇÃO
Janete Ferreira da Costa (1932-2008) segue sendo o nome feminino de maior relevância
na arquitetura pernambucana. Apesar de ter se destacado como arquiteta de interiores, sua
trajetória profissional abrangeu diversas áreas como design de objetos, restauro, consultoria ao
trabalho de artesãos e expografia. Janete foi pioneira na inserção da arte popular em seus
projetos de ambientação, tratando-os em igualdade com relação às obras de arte consagradas.
Foi também uma voraz colecionadora de arte popular, antiguidades e obras de arte, garimpando
peças notáveis de artesãos e artistas populares, especialmente da região Nordeste do Brasil.
Tomando como missão a valorização da cultura e identidade brasileiras por meio da arte
popular, ela engajou-se na difusão da obra desses artesãos e artistas e organizou diversas
exposições a fim de dar visibilidade, educar o público e garantir a sustentabilidade de seus
trabalhos.
A partir da década de 1980, Janete passou a acumular funções de promotora, curadora,
produtora e projetista das exposições. Entre os trabalhos de destaque estão a curadoria para a
mostra de Arte Popular Brasileira e Arte Popular dos Estados Unidos, realizada em Carreau
Du Temple, em Paris, em 2005, e a Exposição Viva o Povo Brasileiro, em 1992, junto à
Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ECO92, no Rio de Janeiro.
Apesar da relevância de sua obra, muito recentemente Janete tem sido alvo de estudos
acadêmicos, mas sua expografia permanece não estudada. A proposta deste trabalho é entender
sua atuação nesta área, contribuindo assim para o debate sobre as relações entre arte moderna e
arte popular no âmbito do modernismo brasileiro.
Em termos metodológicos, além de pesquisa bibliográfica e das entrevistas com ex-
colaboradores, contou-se com fotos, arquivos, plantas, croquis e outros documentos disponíveis
no arquivo do inventário de sua obra, coordenado por um dos autores deste artigo entre 2012 e
2014 (MOREIRA et al., 2015). Entretanto, os documentos relativos às exposições promovidas
por Janete no seu acervo são escassos. Muitas vezes, apenas menções à determinadas
exposições foram encontradas.
Após o levantamento da totalidade das exposições de Janete, foram selecionadas três
delas, as mais significativas e que contavam com maior material disponível para sua
compreensão: Que Chita Bacana (2005), exposição itinerante sobre a importância da chita,
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realizada no SESC Belenzinho - São Paulo
1
; Uma Vida (2007), que reuniu objetos das coleções
particulares de Janete Costa e Acácio Gil Borsoi, no Museu do Estado, em Recife; e sua última
obra na área, a exposição permanente do Museu do Homem do Nordeste Nordeste: Territórios
Plurais, Culturais e Direitos Coletivos (2008), também em Recife.
A primeira parte deste artigo apresenta a arquiteta Janete Costa, buscando delinear seu
perfil, forma de trabalho e áreas de atuação, assim como elencando algumas figuras que
influenciaram seu pensamento. A segunda parte consiste nas análises sobre as decisões
projetuais e de tratamento expográfico das três exposições selecionadas: os percursos definidos,
a relação com os edifícios que sediaram estas exposições, os projetos de suportes, vitrines e
septos, e os efeitos de iluminação, assim como as relações com seus projetos de interiores. Os
projetos também foram analisados a partir de parâmetros mais sutis como a apreensão e a
exploração dos sentidos na composição dos espaços.
JANETE COSTA, UMA BREVE BIOGRAFIA
Nascida em 1932, em Garanhuns, Janete Ferreira da Costa passou sua infância e
juventude por várias cidades nordestinas devido às constantes transferências do trabalho de seu
pai. A infância no Nordeste, a memória dos brinquedos e folguedos populares, foram de
extrema importância para a formação de sua visão de mundo, identidade e trabalho, como ela
mesma explica no documentário Janete Costa: o olhar com as mãos:
Eu nasci em Garanhuns. Uma cidade pequena. Ia à feira todos os sábados. Nas
feiras, eu comprava as panelinhas de barro e os brinquedinhos. Eu era uma
menina de classe média. Convivia com isso, nunca rejeitei. Fez parte da minha
formação e eu tentei levar para o meu meio, o meu cotidiano fora do Nordeste.
Eu tentei levar, sempre que eu pude, essa coisa do artesanato e do artista
popular. (JANETE..., 2009).
Assim, Janete pôde construir um olhar pouco comum para a elite culta da época: a
percepção da riqueza do desenho alcançado pela intuição, simples, dos objetos carregados de
memórias e saber popular.
Seus estudos em arquitetura iniciaram-se na Escola de Belas Artes de Pernambuco
(EBAP), e foram concluídos em 1961 na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade
do Brasil, no Rio de Janeiro, para onde mudou-se com seu primeiro marido, Maurício Leitão
Santos, também arquiteto (MOREIRA et al., 2015). A década de 1950 no Recife ofereceu-lhe
1
Esta exposição ficou em cartaz entre 01 de setembro e 18 de dezembro de 2005, seguindo para o SESC Campinas
no ano seguinte entre fevereiro e maio. Não foram identificados mais locais que receberam esta exposição.
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uma série de experiências que moldariam sua visão de mundo. Entre estas experiências, deve-
se destacar sua formação como arquiteta moderna na EBAP e o efervescente ambiente artístico
e cultural local.
A EBAP teve um papel central na consolidação da arquitetura moderna na região.
Através da influência dos arquitetos Acácio Gil Borsoi, Delfim Amorim e Mário Russo, jovens
arquitetos passaram a adotar princípios projetuais modernos, que incluíam uma preocupação
com a racionalidade construtiva, uma maior atenção à adequação ao clima, à cultura e aos
recursos locais. A arquitetura destes mestres priorizava o uso de elementos tradicionais na
arquitetura, como treliças de madeira, painéis de azulejo e amplos beirais, princípios que
vinham das lições de Lucio Costa. Essa contraposição entre elementos modernos e tradicionais
também foi um ponto chave no trabalho de Janete, particularmente em seus projetos de
interiores. A postura moderna de atuar desde a colher até a cidade também encorajou Janete a
atuar nas mais diversas áreas e a se conscientizar da necessidade da integração entre arte, artesão
e indústria (MOREIRA et al., 2015). Sua formação moderna também aguçou seu olhar sobre o
bom desenho e a ajudou a perceber a beleza das formas simples produzidas em consonância
com o modo de vida mais humilde (GÁTI, 2014, p. 79).
Nos meios artísticos, intelectuais e profissionais do Recife da década de 1950 estavam
em pauta as tensões sociais que emergiram diante dos intensos processos de urbanização e de
agudização política. A extrema carência dos setores sociais menos privilegiados entrou como
um tema de reflexão para a elite culta da época. Neste contexto, foi criado o Movimento de
Cultura Popular (MCP), uma sociedade privada sem fins lucrativos que reunia sociedade civil,
universidade e poder público para atuar em prol da “superação das deficiências culturais e
educacionais das camadas populares” para, assim, inseri-las no processo democrático. Segundo
Diego Souza, a ideia era promover o crescimento desta parcela da população utilizando os “seus
próprios meios e condições de vida social, econômica e cultural” (SOUZA, 2009, p. 91). Entre
as realizações do MCP estão a criação da Galeria de Arte do Recife, do Teatro de Cultura
Popular, centros artesanais e de cultura, cursos profissionalizantes e a Campanha de
Alfabetização, sob o comando de Paulo Freire, além de pesquisas e publicações (SOUZA, 2009,
p. 93). Contavam entre seus membros artistas e intelectuais, como Abelardo da Hora, Ariano
Suassuna, Hermilo Borba Filho e Francisco Brennand, que se voltaram para a cultura popular
não apenas pelo enorme repositório de formas, mas também pela força transformadora desta
arte (ABREU, 2014, p. 92). Artistas plásticos também estavam envolvidos neste movimento,
por meio da fundação da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) em 1948 e do Ateliê
Coletivo em 1952.
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Ainda neste contexto, vale mencionar a experiência de habitação social de Cajueiro
Seco, promovido pelo governo de Miguel Arraes no começo dos anos 1960. Coordenado por
Acácio Gil Borsoi, futuro marido de Janete Costa, o projeto previa a racionalização dos meios
através da pré-fabricação de peças, como portas e janelas, e a utilização do material disponível,
como a taipa, em uma mescla de tradição e modernidade. Os projetos eram adaptados às
necessidades e desejos dos moradores que se organizavam em mutirões para construir suas
casas. Assim, podemos inferir que esta vivência em Recife, marcada pela valorização do
homem e dos saberes populares em uma iniciativa contra a alienação cultural, repercutiu sobre
os princípios da arquiteta recém-formada.
Ao chegar em Niterói no início dos anos 1960, trabalhou criando cenografias como
vitrinista para várias lojas, inserindo peças artesanais, explorando texturas e valorizando o
artesanato local
2
. Também neste momento, abriu a loja Escala, na qual vendeu móveis de
designers brasileiros consagrados, como Joaquim Tenreiro e Sérgio Rodrigues, e lançou sua
linha de móveis Senzala (MOREIRA et al., 2015).
Janete Costa voltou ao Recife em 1968, casando-se pouco tempo depois com Acácio
Gil Borsoi, com quem fundou o escritório Borsoi Arquitetos Associados, desenvolvendo juntos
uma vasta gama de projetos. O casal passou a exercer influência mútua, compartilhando o
compromisso com o local, a intenção de agregar tradição e modernidade, a valorização da
plasticidade dos materiais e texturas, o cuidado com os detalhes projetuais e o gosto pela
pesquisa de objetos. Em geral, Borsoi era responsável pelo projeto de arquitetura e Janete, pelo
de interiores, como nos casos do Fórum de Teresina e do Ministério da Fazenda em Fortaleza.
Ao longo de sua carreira, Janete atuou em diferentes áreas, como arquitetura de
interiores, design de móveis e objetos, restauro e intervenção no patrimônio histórico, curadoria,
consultoria a artesãos e artistas populares e expografia. Sua obra desenvolveu-se de forma a
não criar barreiras em suas áreas de atuação, que por vezes se mesclavam e sobrepunham.
Por meio de seus projetos de interiores, Janete alcançou prestígio nacional e
internacional. Foram inúmeros os projetos para residências, teatros, cinemas, auditórios, clubes,
bibliotecas, galerias e edifícios públicos, mas ela destacou-se nacionalmente pelo seu trabalho
com os hotéis. Foram mais de 60 projetos no ramo hoteleiro, que eram utilizados como
plataforma de divulgação de trabalhos de artistas brasileiros.
Sempre gostei de trabalhar com hotéis porque seus espaços são mais abertos
e propiciam uma maior comunicação com o público. E como estou sempre
2
Neste artigo entendemos o termo artesanato como a arte e técnica manual, não industrializada por um artesão.
Estes objetos podem ser utilitários ou obras de arte (GÁTI, 2014).
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preocupada em mostrar arte popular, os lobbies e quartos são lugares ideais
para expor esses objetos e poder influenciar muita gente. Então, hotel é um
lugar público que eu gosto de trabalhar. (COSTA, 2007).
Seus projetos de interiores caracterizavam-se pela justaposição de peças de design e arte
popular, de forma pioneira. A ousadia de justapor elementos modernos com elementos
clássicos, arte erudita e arte popular, sofisticação e simplicidade influenciou designers, artistas
e arquitetos, chegando a formar uma escola Janete Costa
3
de projetos de interiores em Recife
(GÁTI, 2014, p. 90; GUIMARAENS, COUTO, 2010, p. 160). Para Gáti, uma grande
contribuição de Janete foi o olhar sobre a arte popular, pois despertou os membros da elite local
para a riqueza desta. Entre os projetos de interiores de destaque foram os do Atelier Burle Marx
(1994) e o de sua própria residência com Borsoi no Rio de Janeiro (1985-1988). Suas pesquisas
e experiências com materiais e detalhamentos também lhe foram úteis nos diversos projetos de
restauro e intervenção no patrimônio histórico que desenvolveu.
4
FIGURA 1 Janete Costa (2001) e Residência Janete Costa e Acácio Gil Borsoi, Olinda
Fonte: Revista SIM. 104. Foto: Ademar Filho e Borsoi Arquitetura Ltda.
Pode-se afirmar que Janete Costa alinhava-se aos princípios regionalistas de Gilberto
Freyre, que apontava que a construção da identidade nacional buscada pelo modernismo,
seria possível por meio do fortalecimento das identidades regionais (FREYRE, 1996 (1926)).
Quarenta anos após a publicação do Manifesto Regionalista, Freyre começou a promover os
Seminários de Tropicologia no Recife, que, na edição de 1973, contou com Janete como
conferencista. Em sua palestra “Decoração e Trópico”, Janete destacou que antes de pensar nas
3
O termo Escola de Janete Costa não se refere à uma escola física ou à uma instituição, mas é plenamente utilizado
nos meios profissionais como um reconhecimento do seu vasto legado para este campo de atuação e sua influência
sobre um grande número de arquitetos e decoradores especializados em interiores.
4
Seus principais trabalhos nesta área foram em São Luís-MA, o Palácio dos Leões (1994) e o Teatro Artur de
Azevedo (1993), e em Niterói-RJ, o Centro Cultural Solar do Jambeiro (2000) e a Igreja São Lourenço dos Índios
(2001). Responsável pelos interiores das obras, procurou valorizar e recuperar seus aspectos originais, adaptando-
os aos novos usos por meio de sistemas de iluminação e climatização atuais.
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questões estéticas relacionadas ao morar num ambiente como o Nordeste, deve-se assegurar a
sobrevivência e as necessidades básicas da comunidade (GÁTI, 2014, p. 57).
A ATRAÇÃO PELO PRIMITIVO
Reconhecida por propor misturas incomuns, Janete valorizava peças de forma intuitiva
a partir de suas formas, proporções e carga conceitual:
A arte para mim é uma coisa só. Eu tenho uma grande dificuldade porque eu
gosto de tudo. De tudo o que eu vejo, de qualquer espécie, de qualquer região,
de qualquer país. Eu me impressiono com as proporções e alguma coisa dentro
de mim me diz que é bonito ou não é. (UMA..., 2008).
Sua percepção não convencional conseguia enxergar potencial plástico naquilo que não
era valorizado pelos demais:
Eu tenho uma atração maior por peças relacionadas às artes primeiras. Então
quando eu encontro um santo que está todo quebrado, me atrai muito mais do
que o santo inteiro. Porque parece que eu estou vendo os interstícios dele.
Como foi feito... [...] Mas sem dúvida nenhuma, eu gosto de um santo barroco,
mas eu prefiro a coisa que significa “feio”. Feio no bom sentido. É uma coisa
a ver comigo, sabe? Com a coisa primitiva. Mais anterior. (UMA..., 2008).
Ao longo da vida, Janete foi colecionando peças de arte e objetos que lhe tocavam e
acabou reunindo importantes coleções. O hábito de colecionar, segundo a arquiteta, iniciou-se
a partir da curiosidade sobre as proporções e desenhos e da necessidade de ampliar seu
repertório no trabalho, tendo em vista que [...] no Brasil a gente não tem essas coisas à nossa
disposição. Então eu comecei a comprar, não somente para colecionar. Mas num sentido de
olhar, observar e estudar cada peça. (UMA..., 2008). José Luiz da Mota Menezes considerava
suas coleções, a partir das quais foram realizadas diversas exposições, importantes ferramentas
para melhor entender a história da arte, tanto a oficial quanto a chamada arte menor (UMA...,
2008).
A forma de olhar de Janete, estabelecendo conexões e conciliando elementos com
origens, linguagens e materiais diferentes, também teria sido uma herança de seu dileto amigo,
Burle-Marx, que também colecionava objetos e peças de artesanato produzidos nos mais
diferentes locais do país. O olhar de ambos seria capaz de identificar beleza, os significados
histórico e cultural, e de agrupar objetos afins ou contrastantes em composições não
convencionais (GÁTI, 2014, p. 63). Compartilhavam também a visão livre de hierarquias e
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preconceitos entre o erudito e o popular. O próprio Burle-Marx, assim descreveu a casa e a
coleção de Janete:
Aquele que conhece a casa de Janete vai descobrindo um mundo de formas e
coisas de diversas épocas e procedências. É uma constante enamorada das
coisas que nos dão uma razão de viver. As esculturas de santos são
esteticamente bem escolhidas, os vidros nos levam ao mundo das
transparências e reflexos. (UMA..., 2008).
Podemos encontrar ecos do modernismo brasileiro, que reconhecia valor nas
expressões populares como cultura e arte, ensejando sua valorização e preservação, algo que
remete às pesquisas sobre manifestações artísticas populares de Mário de Andrade, que tinha a
intenção construir uma arte moderna nacional a partir da fixação das características do povo
(BATISTA, 2002, p. 10-14). Assim como Janete, Mário era um colecionador compulsivo e via
as coleções como instrumentos de aprendizado e conhecimento. Seu entendimento sobre
patrimônio não se restringia ao canônico, mas incluía diferentes expressões de cultura. Suas
propostas pretendiam reverter a forma aristocrática com que a arte era tratada, descentralizar o
acesso à cultura e quebrar as barreiras entre erudito e popular, regional e universal
(GONÇALVES, 2004, p. 184). Ao compreender o museu como elemento construtor da
identidade nacional, ou seja, o conjunto de sentimentos que faz o indivíduo sentir-se parte de
uma nação ou cultura, Mário passa a defendê-lo como instrumento de mudança, como um
“museu vivo”, que deve fornecer material para o avanço da cultura e o progresso social
(GONÇALVES, 2004, p. 188). Assim, como Mário de Andrade, Janete compreendeu, por meio
de sua própria vivência, o valor artístico das manifestações populares. Ambos entendiam que o
valor artístico de uma peça única feita a partir de conhecimentos tradicionais transmitido entre
gerações poderia ser um instrumento de representação de um povo e um local, particularmente
em um momento de modernização, produção em massa e, consequentemente, de dissolução
desses saberes tradicionais.
“PRIMEIRO FAÇO, DEPOIS PENSO”
A intuição, a inquietude e a sensibilidade para a arte de Janete Costa marcaram seu
método de trabalho. O amplo repertório e a facilidade de antever soluções, a muniram de um
método empírico de trabalho: “Primeiro faço, depois penso. Projeto no ímpeto, na emoção, na
paixão” (COSTA, 2007). Ela foi descrita por colegas e amigos como uma trabalhadora
incansável e polivalente, que improvisava e pensava com as mãos.
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Em seus ambientes, a arquiteta procurava alinhar a simplicidade das linhas
contemporâneas com peças conceituais que remetiam a valores históricos, culturais ou mesmo
pessoais do cliente. Ao escolher as peças para compor seus ambientes, frisava que sua
preocupação não era decorativa. Não valorizava o luxo, mas sim a proporção e beleza das
formas das peças (UMA..., 2008). A preocupação maior era expressar a identidade local e de
seus moradores ou usuários através de seus ambientes humanizados.
Contando com o poder de especificação que conquistei, concilio nesses
espaços contemporâneos exemplares de arte popular, peças de artesanato e de
arte brasileira. Considero essa integração uma questão de brasilidade, de fazer
uma coisa com a nossa cara. E, ao mesmo tempo, quero proporcionar um lugar
privilegiado para os trabalhos de artesãos e artistas populares. [....] é
fundamental mostrar ambientes com a cara do Brasil. (COSTA, 2007).
Guimaraens e Couto (2010) colocam Janete Costa ao lado de Lina Bo Bardi e Gisela
Magalhães como destaque entre “os principais personagens da formação e consolidação das
tendências modernistas e preservacionistas no Brasil”. Segundo as autoras, essas mulheres
modernistas “assumiram didaticamente a missão de salvaguardar coisas e lugares comuns e
excepcionais” (GUIMARAENS; COUTO, 2010, p. 155). Lina tinha consciência da “função
social dos museus” e, como Janete, acreditava que as exposições poderiam contribuir para a
formação da cidadania das populações urbanas (GUIMARAENS; COUTO, 2010, p. 157).
Gisela Magalhães atuou no âmbito institucional através do Instituto do Patrimonio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Educação e Cultura, e assim como Lina e Janete,
foi curadora independente responsável pelo projeto expográfico de inúmeras exposições sobre
arte popular e artesanato. As três não viam a arte popular como manifestações folclóricas a
serem classificadas e expostas, mas como uma arte viva e dinâmica que ajudaram a colocar nos
museus, quando isto não era comum. Janete sugeriu a construção de do Museu de Arte Popular,
que leva seu nome, foi inaugurado em 2012 em Niterói, quatro anos após sua morte. Os
trabalhos de Lina na área da expografia pretendiam a aproximação entre a obra de arte e o
público mais genérico, especialmente as camadas mais populares. Lina e Janete trabalharam
em polos opostos, mas como o mesmo objetivo. Enquanto a primeira buscava ações didáticas
que aproximassem as camadas populares da arte e dos museus, a segunda buscava levar a
cultura popular a ambientes elitizados, a fim de educar esse público para o valor do popular. As
arquitetas também tinham em comum o fato de terem reunido importantes coleções de arte e
atuado no campo do design de móveis e objetos (GUIMARAENS; COUTO, 2010, p. 160).
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RESGATE CULTURAL E INCLUSÃO SOCIAL
Sempre que possível, Janete Costa valeu-se dessa capacidade para influenciar a opinião
pública, educando o olhar desta para conseguir enxergar o valor do design também no mercado
de arte popular. A busca por materiais e objetos para seus ambientes não era o único objetivo.
Ela queria colocar as pessoas no mercado de trabalho, aumentar sua autoestima e garantir sua
dignidade. Ao conversar com os artesãos, observava suas obras e indicava possibilidades de
melhoria, sugerindo ajustes de materiais, técnicas ou proporções que facilitassem a inserção no
mercado. Neste processo, buscava, na expressão cunhada por Adélia Borges, “interferir sem
ferir”, incentivando os artesãos a encontrar seu próprio caminho de expressão (JANETE...,
2009).
Seu desejo em apoiar a mão de obra e gerar empregos era compatível e dava suporte à
sua atuação como designer. Esta parceria permitia a Janete a singularização de seus ambientes,
em oposição à homogeneização de produtos padronizados. Além dos artefatos produzidos em
parceria com os artesãos, desenvolvidos nas consultorias, desenhou junto com eles produtos
autorais, como a luminária Cesto (Figura 2), e o biombo produzido pelo artesão Nhô Caboclo
(Figura 3) (GÁTI, 2014, p. 107).
FIGURA 2 Luminária cesto FIGURA 3 Biombo inspirado no trabalho de Nhô Caboclo
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda. Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
Em vários depoimentos (UMA..., 2008), Janete afirmava que seu interesse pela arte
popular, além de afetivo por remeter à sua infância, possuía também um viés social. Em seus
trabalhos procurou gerar renda e melhorar a qualidade de vida de comunidades, artistas e
artesãos carentes, atuando no sentido de garantir a sobrevivência e o mercado para estas pessoas
e impedindo, assim, o desaparecimento de tradições no ramo.
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Além da especificação das peças e produtos em seus projetos, a arquiteta os expôs em
feiras, museus ou mesmo em projetos para áreas públicas a fim de disseminar estas obras a um
público maior. Por meio de suas pesquisas, coleções e visitas realizadas pelo país, descobriu
centenas de artistas e artesãos e, em cada caso, procurava ajudá-los a conquistar uma vida
melhor. Ao imaginar um objeto que não estava disponível no mercado, Janete juntava-se a
comunidades de artesãos para produzi-los (GÁTI, 2014, p. 77). Seus esforços atingiam todos
os setores da cadeia: encontrava o artesão, estimulava-o, trabalhava em sua divulgação e o
inseria no mercado (COSTA, 2007).
5
Frequentemente, quando uma obra era bem recebida pelo
mercado, criava-se uma “escola” local:
Todo artista popular gera outros artistas e faz surgir outras pessoas ao seu
redor fazendo, copiando. O que une essas pessoas é a miséria e o artista
popular é solidário, ele não tem problema de individualidade, ao contrário, dá
a mão aos que trabalham com ele, sua preocupação é que mais pessoas possam
viver daquela atividade. (COSTA, 2007).
Em entrevista, Janete explicou que, nas intervenções ao trabalho artesanal, sua
abordagem era distinta para com o artesão e o artista popular. O trabalho do artesão tem origem
utilitária. São esteiras, redes, potes e cestas produzidos em quantidade, através das habilidades
manuais de um grupo e inicialmente pensados para atender demandas cotidianas.
Para o sucesso da empreitada, Janete alertava para o cuidado de não ferir a autoestima
do artesão. Não apresentava um desenho pronto, mas procurava construir junto com o artesão,
mantendo-o engajado no trabalho:
[...] A intervenção deve ser nima quanto menor, melhor , seja no
desenho, na cor, no formato, na dimensão. Claro que sempre com o na
tradição, na identidade, respeitando a tecnologia que o artesão detém,
respeitando seus projetos. Por exemplo, eu peço para o artesão que faz redes
para transformá-las em mantas, e sugiro cores e desenhos que possam ser
absorvidos pelo grande público. Ele tem a tecnologia e eu tenho o
conhecimento do que se usa para que seu produto seja bem aceito. (COSTA,
2007).
Com pequenos ajustes sugeridos, as peças aumentavam seu valor de venda e sua maior
aceitação pelo mercado. Outra ação da arquiteta era fazer grandes encomendas para produtos
5
Luiz Vieira e Roberto Montezuma descrevem este trabalho como um precursor do que hoje chamamos de
economia criativa, na medida em que buscava incentivar a economia local, por meio do trabalho do artesão e uso
de materiais locais (JANETE..., 2017). De fato, em alguns casos, tais intervenções interferiam na economia de
todo o município. Pode-se citar o caso de Serra Branca-PB, onde a artista popular Maria José trabalhava sozinha
na produção de figuras femininas. Após várias encomendas de Janete Costa e as exposições de seu trabalho, a
artista ganhou o prêmio do Salão Nacional de Cerâmica de 2004 e logo, mais de 30 mulheres de seu município
trabalhavam reproduzindo o trabalho, garantindo o sustento de várias famílias.
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especificados em seus projetos, fazendo com que o artesão, que antes trabalhava com um
pequeno grupo, envolvesse toda a comunidade na produção (COSTA, 2007). Se antes sequer
assinavam suas obras, os artistas populares fortaleceram sua autoestima e viram um aumento
do valor agregado à suas peças (JANETE..., 2009). Segundo sua filha Roberta, em entrevista
concedida para este trabalho, as consultorias eram realizadas havia muito tempo sem
sistematização quando, em 2004, Janete foi convidada a participar da FENEARTE (Feira
Nacional de Artesanato e Cultura), em Pernambuco, com um espaço que batizou de
Interferências.
O projeto Interferências contava com equipes de arquitetos e designers para alterar o
desenho dos objetos artesanais, sem que estes perdessem seus valores culturais (MOREIRA et
al., 2015). As intervenções foram feitas tanto na forma quanto na função. Assim, eram retirados
excessos de ornamentos e ajustadas medidas para que os produtos alcançassem um público
maior, inclusive fora dos limites regionais (GÁTI, 2014, p. 82)
6
. O benefício de sua colaboração
com os artesãos pôde ser sentido não apenas diretamente na economia dos pequenos municípios
ou subsistência dessas famílias, como também na forma com que os trabalhos passaram a ser
recebidos.
A abertura do diálogo entre a mão de obra popular e a elite é considerada por Gáti (2014)
como a marca mais forte do trabalho de Janete. Suas ações tiveram efeitos didáticos, deslocando
o olhar para o interior do país (JANETE..., 2017) e mudando a forma como a arte popular era
recebida.
* * *
Marcada na infância pela aproximação com o universo da cultura popular, Janete buscou
inserir o tema em todas as áreas que atuou. Sua formação moderna contribuiu para sua
conscientização da necessidade da valorização da arte popular e da preservação dos bens
culturais. Tomando como missão promover o desenvolvimento dos artesãos, buscou não apenas
inseri-los na cadeia produtiva, mas atuou no extremo oposto procurando educar a classe
privilegiada sobre o valor da arte popular. Para tal, não apenas inseriu essas peças em suas
ambientações, mas também promoveu diversas exposições sobre o tema, alternando funções de
curadoria, expografia e produção.
6
Janete também colaborou com o Projeto Paraíba em Suas Mãos, implantado pelo governo daquele Estado. O
programa atuava em prol do desenvolvimento do artesanato através de um modelo de gestão compartilhado com
o SEBRAE/PB, atuando nos setores de organização social, capacitação social, acesso ao crédito, promoção e
comercialização de peças em um sistema integrado com o turismo local, melhorando a qualidade de vida do artesão
(MOREIRA et al., 2015).
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EXPOSIÇÕES E EXPOGRAFIAS COMO ATIVISMO
Como visto, a museografia, ou expografia, como vem sendo mais conhecida
recentemente, foi uma das maneiras encontradas por Janete Costa para divulgar a arte popular
e artesanato.
7
Enquanto algumas das mostras de Janete eram inclusive organizadas a pedido de
artesãos para que pudessem divulgar seus trabalhos, várias outras foram realizadas a partir de
suas próprias coleções, como a exposição Uma Vida: coleção Janete Costa e Acácio Gil Borsoi:
São peças que eu tenho e naturalmente tenho adquirido, mas a minha intenção
nunca foi juntar e colecionar. A minha intenção sempre foi divulgar o trabalho.
É tanto que elas passam por mim. Eu mostro em exposições e eu queria
mostrar principalmente esta parte: queria introduzir a uma coisa mais erudita.
Mais sofisticada. Mostrando que a arte não tem limites. Tanto pode ser o
popular ou o erudito. E eu nem gosto dessa palavra popular porque isso aqui
é tão bom quanto qualquer outra coisa. (UMA..., 2008).
Foram identificadas 54 exposições e expografias realizadas entre 1983 e 2008, no Brasil
e no exterior, das quais se destacam a Viva o Povo Brasileiro (1992, RJ), durante o evento
ECO92, no Rio de Janeiro, e Do Tamanho do Brasil (2007, SP) que buscava expor formas
contemporâneas de arte popular de vários recantos do país. Desse conjunto, foram selecionadas
três expografias para uma análise mais detida: Que Chita Bacana (2005/2006), Uma Vida:
coleção Janete Costa e Acácio Gil Borsoi (2007) e Nordeste: territórios plurais, culturais e
direitos coletivos (2008), descritas a seguir. Tais exposições foram escolhidas por conter um
número maior de registros e por representarem três categorias de mostras: itinerante, temporária
e permanente, respectivamente.
QUE CHITA BACANA (2005/2006)
7
Desvallées e Mairesse (2014, p. 58-60) entendem que o termo possui três acepções distintas. Na primeira,
museografia é definida como conjunto de práticas referentes à administração do museu e abrange ações de
conservação preventiva, restauração, documentação, exposição e educação. A segunda, mais comum em língua
portuguesa e a qual nos referimos no texto, é a compreensão da museografia como as técnicas ligadas à exposição,
não necessariamente em espaços de museus. Neste sentido, a museografia atua nas técnicas de organização do
espaço expositivo em uma construção discursiva (cenografia) mas também na coordenação de competências
interdisciplinares de comunicação, conservação, gestão do acervo e adequação ao público. Por fim, a terceira reside
no entendimento da museografia a partir de sua etimologia como sendo o conteúdo do museu.
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FIGURA 4 Entrada da Exposição Que Chita Bacana, SESC/ Belenzinho (2006)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
Realizada inicialmente no SESC Belenzinho (São Paulo-SP), a exposição surgiu do
interesse do designer têxtil e curador da mostra, Renato Imbroisi, pelo tecido. Os módulos em
geral tinham caráter educativo, abordando a história da chita, a cultura e as estamparias, mas
havia espaços também para instalações lúdicas, como um teatro de mamulengos, exibição de
filmes e oficinas de trabalhos manuais.
O conteúdo da mostra foi composto por objetos cotidianos, cenográficos e históricos
que retratavam todo o processo de produção do tecido: cilindros de impressão; carimbos
utilizados em fábricas de tecido; estampas; etiquetas; indumentárias de manifestações
populares; bonecos de pano feitos por artistas populares da Paraíba; instalação decorada por 36
mil fuxicos produzidos por artesãos; dezenas de vestidos de chita; roupas de estilistas de
destaque, além de bonecos gigantes, etc. (SESC SP, 2005). Mais do que mostrar as peças, a
intenção foi criar uma atmosfera lúdica, informal, interativa e alegre, que evidenciasse o caráter
democrático da chita. Além do interior do edifício, a exposição estendeu-se pelo jardim de
entrada com espaços lúdicos e interativos. Foram três grandes peças cenográficas: a Serpente,
um túnel de 46 metros com objetos interativos, que conduzia os visitantes ao interior do galpão;
o Bumba-Meu-Boi, que funcionava como um salão de dança com bonecos de pano; e o Capitão
do Cavalo Marinho, com fantasias de bois caixas em tecido para crianças vestirem. A exposição
contou com a participação de designers, estilistas, cenógrafos, artistas plásticos e também com
comunidades de artesãos, convidados por Janete para desenvolver e produzir peças expostas e
utilizadas na expografia.
UMA VIDA (2007)
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FIGURA 5 Convite da Exposição Uma Vida, MEPE (2007)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
Foi realizada entre setembro e dezembro de 2007, a exposição Uma Vida que expôs
coleções de arte e objetos reunidos por Janete Costa e Acácio Gil Borsoi ao longo de seus 40
anos juntos. As peças apresentadas foram escolhidas pelo critério afetivo, numa tentativa de
representar as vivências do casal, como explicam no texto de apresentação da exposição:
Dedicamos parte de nossa vida à escolha desses objetos que agora, formando
um conjunto, constituem também uma espécie de depoimento sobre essa
trajetória, um jeito quase didático de dizer o que, para nós, sempre definiu o
que é uma boa peça, um bom design, uma coisa de bom gosto. (UMA..., 2008).
Foram apresentadas obras de arte moderna, móveis e objetos, arte popular, artesanato,
além de sua coleção de objetos de vidros, que atualmente faz parte do acervo do Instituto
Ricardo Brennand. O primeiro ambiente homenageava o amigo Roberto Burle-Marx e
apresentava diversas pinturas e murais do artista, além de um arranjo floral, como referência a
seu brilhante trabalho como paisagista. O piso superior continha três salas: uma dedicada a
coleções de antiguidades, vidros, objetos, móveis e luminárias Art De e Art Nouveau, santos
e ex-votos; outra dedicada à arte popular, como esculturas de animais talhados em madeira,
máscaras e colares africanos, e objetos e vasos em barro; e, por fim, outra sala apresentava uma
arte popular contemporânea mais recente, entre outros objetos. Assim, arte moderna convivia
com antiguidades, objetos cotidianos e arte popular.
NORDESTE: TERRITÓRIOS PLURAIS, CULTURAIS E DIREITOS COLETIVOS
(2008-2016)
Nesta exposição, que foi parte do processo de requalificação dos espaços do Museu do
Homem do Nordeste (MHNE), o escritório de Janete Costa ficou responsável pelos projetos
expográfico, luminotécnico, de sonorização e audiovisual, automação e segurança, mas não
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pela curadoria, tarefa de museólogos da instituição (BRAYNER, 2010). Janete faleceu dias
antes da abertura da exposição, e seus filhos Roberta e Mário foram convocados para terminá-
lo (BORSOI, 2017). A segunda etapa da exposição foi implementada apenas no biênio
2009/2010.
Segundo Brayner (2010), a exposição fez parte do novo plano museológico que seguia
a concepção de Chagas (1999, p. 21) de museu como “arena, espaço de conflito e luta, campo
de tradição e contradição”. Assim, a mostra procurou apresentar o Homem do Nordeste por
meio de representações históricas, sociais, culturais e conceitos socioantropológicos a fim de
abrir espaço para novos questionamentos e pontos de vista sobre a noção de identidade. Neste
sentido, além dos objetos e textos, foram utilizados artifícios audiovisuais como “estímulos que
evocassem imagens e sentidos, e também desvendassem memórias individuais e coletivas”
(BRAYNER, 2010, p. 6).
A exposição foi dividida em cinco módulos temáticos, que buscavam criar interface com
a atualidade. Quatro foram executados nesta primeira etapa: Nordeste Plural, expondo na
abertura filmes e mapas; Brasil Global e Periférico, que apresentava influências culturais das
diversas nações europeias que ocuparam e/ou influenciaram os costumes e modos de vida da
região; Terra, trabalho e identidade, que versava sobre a luta e os conflitos sociais até o culo
XIX; e Trabalho livre e assalariado, sobre a expansão e interiorização através do gado. A
expografia deveria transmitir a mensagem ensejada por Gilberto Freyre ao criar o museu, de
“reunir valores expressivos da cultura e do ethos de gentes brasileiramente regionais”
(BRAYNER, 2010).
As exposições transmitem temas e conceitos através de espaço e forma. Sua avaliação
é ampla e possui uma multiplicidade de abordagens e finalidades. Para Cury (2005), as
exposições como interface entre instituições e o público devem ser sistematicamente avaliadas
como objeto de estudo para o aprimoramento constante da entidade, serviços e atividades. No
âmbito deste trabalho, a análise dos projetos expográficos mencionados se detém ao recorte
com viés arquitetônico, e se propõe destacar as contribuições e características do trabalho de
Janete Costa para a área.
A análise dos projetos das três expografias teve como desafio o fato de os registros terem
em grande se perdido.
8
Para compreendê-las contamos com o auxílio da Fundação Joaquim
Nabuco e da documentação existente no acervo de Janete no Borsoi Arquitetura Ltda, antigo
8
Os registros fotográficos da exposição Uma Vida, por exemplo, perderam-se devido a problemas no
armazenamento. A exposição Nordeste que deveria ser permanente foi reorganizada e ampliada entre 2018 e 2019,
mas mantendo peças e parte do layout de Janete.
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escritório da arquiteta, além de entrevistas e pesquisa nos documentários produzidos sobre a
arquiteta
9
.
Para a leitura dos espaços, foi elaborada uma ficha de análise a partir da adaptação dos
critérios de classificação e percepção indicados por diversos autores que se detiveram sobre o
tema da expografia (GUIMARAENS, 2011, ABREU, 2014, BELCHER, 1994, MONTANER,
1991). A análise privilegiou os percursos definidos, a relação com os edifícios que sediaram
estas exposições, os projetos de suportes, vitrines e septos, e os efeitos de iluminação, assim
como parâmetros mais sutis como a apreensão e a exploração dos sentidos na composição dos
espaços.
RELAÇÃO COM O EDIFÍCIO
Para analisar as expografias de Janete nos casos escolhidos, buscou-se inicialmente
entender a arquitetura dos locais que sediaram as exposições, embasados nos pontos levantados
por Montaner (1991) para a compreensão das relações entre a arquitetura e a expografia, como
a tipologia, a localização do local da exposição em relação ao edifício e a existência de
iluminação natural.
As três exposições estudadas foram realizadas em edifícios construídos a partir de
princípios modernos, como a planta livre e fluida, que não impunham uma carga simbólica forte
a ser relacionada com a exposição. O caráter das três instituições também não impôs princípios
rígidos para as exposições. Uma Vida (2007) foi realizada no espaço Cícero Dias, um anexo
contemporâneo ao casarão histórico sede do Museu do Estado de Pernambuco (MEPE). Projeto
de 2001 do arquiteto Vital Pessoa de Melo, o anexo possui dois pavimentos e várias salas que
se desenvolvem em torno de um espaço central.
Nordeste: Territórios Plurais teve lugar no edifício do Museu do Homem do Nordeste
(MHNE), também em Recife, projeto de Carlos Correia Lima, construído em 1960. O salão que
abrigou a exposição localiza-se no térreo, próximo ao jardim interno e à entrada principal do
edifício, junto a um conjunto de edifícios históricos, da Fundação Joaquim Nabuco. O caráter
permanente da exposição concedeu à arquiteta maior autonomia para as intervenções no espaço.
Por seu formato, classificamos a tipologia deste espaço como Museu visto como itinerário
(MONTANER, 1991, p. 36).
9
Documentários Janete Costa, a busca pelo objeto de Celso Brandão e Uma Vida Coleção Janete Costa e Acácio
Borsoi de Francisco Baccaro.
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A exposição Que Chita Bacana (2005) teve inicialmente lugar em São Paulo, no
pavilhão do SESC Belenzinho, uma antiga fábrica de tecidos requalificada pelo arquiteto
Ricardo Chahin. A exposição aconteceu no grande galpão da unidade, um amplo espaço
garantiu flexibilidade e liberdade para criar espaços e circuitos não ortogonais ou modulares. A
tipologia aqui foi entendida como um espaço único na classificação de Montaner (1991, p. 36).
Os edifícios do MEPE (Uma Vida) e do MHNE (Nordeste) possuem uma integração
com o ambiente externo e contam como ampla iluminação natural, algo que certamente
influencia na experiência espacial. No caso do SESC Belenzinho, a exposição Que Chita
Bacana extrapolou os limites físicos do edifício, estendendo-se também pelo jardim de entrada
do local. Na área externa, salas criadas para o evento em formato de bumba-meu -boi e capitão
do cavalo marinho acompanhavam um túnel em forma de serpente que conduzia os visitantes
até o galpão (Figura 6)
10
.
FIGURA 6 Entrada da exposição Que Chita Bacana, SESC/ Belenzinho (2006)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
SUPORTES, VITRINES, BASES, PAREDES, SEPTOS E PAINÉIS MÓVEIS
Janete tinha preferência por suportes robustos, mas discretos, gerados a partir de um
módulo cúbico, com linhas ortogonais, que ressaltavam as características dos objetos expostos.
Esta tipologia de mobiliário foi utilizada em todas as três exposições, mas devido à ação
conjunta das cores, iluminação e composição cada mostra apresenta-se de forma diferente.
10
Razão pela qual seu escritório não possui uma planta fiel da mostra.
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FIGURA 7 Especificação suportes para Exposição Uma Vida, MEPE (2007)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
Na exposição Que Chita Bacana, os suportes de origem modular cúbica formam grandes
volumes recortados, escavados e assimétricos. as vitrines eram prismas retangulares soltos,
de madeira e vidro, suspensos por cabos de aço, mas existiam também vitrines embutidas em
septos curvos. Praticamente todos os suportes eram da cor roxo escuro, que, aliado ao preto das
paredes, piso e teto, fornecia a neutralidade necessária diante da exuberância das cores da chita.
FIGURA 8 Iluminação inferior nas vitrines da Exposição Uma Vida, MEPE (2007)
Fonte: Francisco Baccaro.
Na exposição Uma Vida, os suportes, vitrines e bases de cada sala foram
respectivamente pintados de uma cor escura de tons terrosos, talvez com a intenção da arquiteta
de remeter a um ambiente rústico. Na sala das coleções de arte moderna e vidros, algumas
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vitrines receberam iluminação inferior sob os objetos (Figura 8), o que também interferia na
apreensão das obras. Aqui também, os suportes seguiam a tipologia prismática. A uniformidade
foi quebrada apenas com o contraste de um único septo curvo, que mesmo dissonante,
acompanha as proporções dos demais elementos. Além de seu mobiliário tipo, ela utilizou
bancos e mesas como suportes de exibição.
FIGURA 9 Iluminação destacando volume na parede. Exposição Nordeste, MHNE (2008)
Fonte: Vânia Brayner.
Na exposição Nordeste, Janete seguiu utilizando paredes, septos, painéis, vitrines, bases
e seus suportes ortogonais e prismáticos, mas estes últimos foram incorporados aos septos e
paredes, com menos elementos soltos. A simplicidade das linhas contribuiu com a leitura da
exposição, interferindo o mínimo em seu conteúdo.
Responsáveis por moldar o circuito, os septos, ao não atingirem o teto, permitiram a
passagem da luz natural, evitando a sensação de confinamento. Janete, tratou-os como planos
flutuantes que se interceptam no espaço. Elementos visualmente robustos foram tratados com
leveza, por meio do uso de rodapés invertidos (Figura 9), que sugerem que os planos flutuam,
pela mudança de níveis e ângulos. Também foram utilizados suportes discretos em ferro, nas
cores pretas e chumbo.
Janete preferia fundos escuros em seus projetos expográficos, pois a iluminação
destacava mais os objetos e o resultado final era mais cenográfico. Em entrevista, Roberta
Borsói, revelou que, para exposições de arte popular, ela costumava criar a paleta a partir dos
objetos expostos, sendo em sua maioria tons terrosos (ocre, marrom, laranja, etc.), como nas
exposições Uma Vida e Nordeste. Para contrastar com sua paleta terrosa, ela utilizava tanto
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cores quentes - aquelas que se aproximam do fogo como vermelho, laranja e amarelo- como
frias - associadas à água e ao frio como azul, verde e violeta, sempre elegendo tons fechados e
escuros. Em Que Chita Bacana escolheu o vermelho e o roxo (próximo a uva).
PARTIDO EXPOGRÁFICO
O partido expográfico pode ser entendido como a forma de manejar o espaço por parte
do arquiteto. A expografia está associada à uma intenção de comunicação do curador/museu,
uma linguagem que pressupõe uma narrativa na qual os objetos são arranjados e dispostos de
forma a comunicar algo. Este processo utiliza técnicas de apresentação que implicam em
estratégias espaciais que definem sequências, vistas e o movimento do corpo do visitante por
meio. Cores, formas, luzes e texturas são usadas neste processo, que envolve também mídias
diversas e o tratamento de suportes e expositores. Tendo em vista os condicionantes do projeto
ou dos recursos, rias são as estratégias possíveis de ambientação interna dos espaços
museológicos (ABREU, 2014). Ao analisar as exposições de Janete, entendemos que elementos
de várias categorias foram utilizados simultaneamente.
Na exposição Que Chita Bacana, não uma narrativa linear. Os módulos e objetos
remetem a distintos valores, espaços e tempos. A forma de abordar a temática é lúdica e
interativa. Buscando uma neutralidade, Janete cobriu o teto do galpão com tecido preto, cor
igualmente foi utilizada no piso, pilares e paredes (Figura 10). Tal estratégia, em conjunto com
a iluminação direcionada, resultou em uma atmosfera de mistério e penumbra que pode ser
entendida, de acordo com Abreu (2014), como Ambientação como linguagem. A questão da
materialidade dos aspectos arquitetônicos do edifício, levantada por Montaner (1991) foi
suprimida para que a expografia fosse ressaltada. Além da neutralização do espaço, foram
criados elementos cenográficos para contar a história do tecido.
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FIGURA 10 Exposição Que Chita Bacana, SESC/ Belenzinho (2006)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
No jardim, as grandes peças do bumba-meu-boi, mestre do cavalo marinho e serpente
eram elementos cenográficos (Figura 6) que, de acordo com as classificações de Abreu (2014),
são obras definidoras do espaço, já que são responsáveis pela condução do visitante ao edifício
principal. O fundo preto contrasta com módulos expositivos na cor roxa que, apesar de sua
intensidade, não interferem na fruição dos objetos, devido a uniformidade de sua aplicação,
com exceção do teatro de bonecos, que ganha destaque e atrai a atenção por ser vermelho
(Figura 11).
FIGURA 11 Módulo do Teatro de Bonecos, Exposição Que Chita Bacana, SESC/
Belenzinho (2006)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
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Na exposição Uma Vida, o ambiente também foi neutralizado, mas sem esconder as
características arquitetônicas do espaço. A arquiteta inclusive beneficia-se do pé-direito duplo
do salão central, para expor um imenso painel de Roberto Burle-Marx. Poucas foram as
interferências no espaço, apenas a adição de suportes e a criação de vitrines sob as paredes.
Enquanto o ambiente dedicado às obras do pintor e paisagista pode ser classificado como um
Cubo Branco, de acordo com Abreu (2014), por suas paredes brancas, suportes discretos e
iluminação uniforme e natural por meio de uma claraboia, os ambientes do pavimento superior
foram tratados de forma diferente. Cada sala recebeu uma cor em tons terrosos em todas as
paredes e mobiliário. A iluminação, direcionada e dramática (Figura 12), conseguiu
individualizar cada peça ou conjunto em um ambiente com várias coleções distintas.
FIGURA 12 Exposição Uma Vida. Sala do primeiro pavimento com iluminação dirigida
Fonte: Francisco Baccaro.
Na exposição Nordeste: Territórios Plurais, um amplo panorama da vida cotidiana
brasileira foi exibido com a intenção de apresentar discursos não fechados sobre os temas, mas
evocando memórias. Janete também utilizou como partido a técnica expográfica Ambientação
como linguagem, mas de forma distinta da aplicada em Que Chita Bacana. Aqui, a composição
cenográfica ficou a cargo das ampliações fotográficas, cores e reunião de objetos (Figura 13),
que, segundo Abreu (2014), é a técnica mais utilizada em museus históricos. Podemos observá-
la em praticamente todos os módulos da exposição.
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FIGURA 13 Cenografia criada através da expografia. Exposição Nordeste, MHNE (2008)
Fonte: Vânia Brayner.
Seguindo este partido, também foram aplicadas cores escuras e iluminação dirigida,
delimitando cada módulo. O caráter permanente da exposição permitiu à arquiteta interferir em
características arquitetônicas do edifício, como por exemplo a adição de forro no teto. As
paredes foram cobertas por vários septos, nichos e falsas paredes que imprimiam volume e
movimento, dando suporte às peças, delimitando os módulos e o próprio circuito. O mobiliário
ortogonal, presente em praticamente toda a obra expográfica de Janete, foi aplicado com recuos
e avanços que criaram situações inusitadas, como no caso do manequim com a roupa da Dona
Santa (Figura 14), posicionado de forma a dialogar com dois ambientes ao mesmo tempo.
FIGURA 14 Paredes e septos. Exposição Nordeste, MHNE (2008)
Fonte: Vânia Brayner.
O uso das tecnologias e o grau de interação varia de acordo com o partido adotado. Em
Chita Bacana e Nordeste, que adotam a Ambientação como linguagem foram utilizados mais
elementos audiovisuais. No MHNE cada módulo foi acompanhado por um sistema de som que
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envolvia mais sentidos para transportar o visitante para outros espaços e tempos. Que Chita
Bacana apresentou um caboclo de lança com as vestes brancas que refletiam projeções
alternadas de diferentes estampas de chita, enquanto a exposição Uma Vida apenas ofereceu
um pequeno auditório para a reprodução de vídeo.
CIRCUITO
Outro aspecto relevante considerado por Montaner (1991) foi o grau de compreensão e
visualização do espaço ao ser adentrado, ou seja, a capacidade que o visitante teria de se situar
e compreender o todo do edifício.
FIGURA 15 Circuito Exposição Que Chita Bacana, SESC/ Belenzinho (2006)
Fonte: Autores.
No Sesc Belenzinho, a criação de septos e a penumbra fez com que os visitantes fossem
descobrindo cada espaço à medida que avançavam, não sendo possível a compreensão clara de
todo o espaço simultaneamente. Como podemos inferir a partir da planta da exposição Que
Chita Bacana (Figura 15), existiam várias maneiras de explorar o espaço. Os únicos momentos
em que a indicações de direção foram a sugestão para percorrer a serpente no jardim e na
entrada e na saída do edifício. O circuito pode ser classificado como do tipo Bloco, de acordo
com a definição de Lehmbruck (1974 apud BELCHER, 1994, p. 139), no qual elementos são
dispostos livremente em um grande salão, permitindo que o visitante crie seu percurso. Os
módulos não apresentavam relações de cronologia ou ordem de apreciação e suas temáticas
eram independentes.
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FIGURA 16 Circuito Exposição Uma Vida, MEPE (2007)
Fonte: Autores.
as formas simples, com o vão central de pé-direito duplo, da planta do Museu do
Estado (exposição Uma Vida) facilitam a percepção da totalidade do edifício. O circuito foi
indicado pela sucessão de salas, ou seja, no tipo Cadeia de acordo com as categorias de
Lehmbruck (1974 apud BELCHER, 1994, p. 139), mas como existem dois acessos ao
pavimento superior (escada e elevador), a fruição da exposição foi possível a partir de mais de
uma rota. Sem uma ordem narrativa, os objetos foram organizados de acordo com a temática,
sendo distribuídos nas paredes e ao centro em pedestais, vitrines e suportes, permitindo ao
visitante caminhar entre as obras e criar o trajeto de acordo com seu interesse. Cada ambiente
reuniu objetos afins, sejam por seu material, estilo ou autor, como o primeiro salão dedicado às
obras de Roberto Burle-Marx, das peças de vidro ou das cabeças e ex-votos.
FIGURA 17 Circuito Exposição Nordeste, MEPE (2008)
Fonte: Autores.
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No MHNE (exposição Nordeste), o amplo salão foi moldado pelos septos, vitrines e
expositores para indicar o percurso e formar salas temáticas de forma sequencial. Ao
compartimentar o ambiente, os elementos apresentavam-se como barreiras à visão impedindo
a compreensão clara da planta e da totalidade do salão. Esta decisão também estava relacionada
com o partido adotado, que a não separação dos trechos com conteúdos diferentes justapostos
poderia prejudicar a imersão no conteúdo.
Apesar do conceito da exposição defender a autonomia do visitante na criação de
conceitos e interpretações, o circuito com sua estrutura sequencial, forçava-o a atravessar todo
o espaço, em uma única direção. Apenas em alguns momentos o visitante pôde optar por
pequenos desvios do roteiro, reentrâncias nas quais poderia observar as obras sem atrapalhar o
fluxo, em um tipo de circuito do tipo Pente, de acordo com a classificação de Lehmbruck (1974
apud BELCHER, 1994, p. 139).
Na exposição Que Chita Bacana, Janete determinou que os elementos arquitetônicos do
edifício fossem cobertos com a cor preta (Figura 18), conferindo uma sensação de maior
amplitude ao salão. Os módulos e objetos pareciam flutuar no vazio, impressão reforçada pela
iluminação direcionada. Os espaços entre os módulos eram generosos, possibilitando a visada
de vários deles simultaneamente e criando ilhas de interesse. O próprio mobiliário expositor,
apesar de partir dos módulos cúbicos característicos de Janete, eram assimétricos. Em outros
momentos, a arquiteta fez uso de um layout mais regular ao distribuir simetricamente objetos
sob as paredes, conferindo o mesmo peso a cada um.
FIGURA 18 Mobiliário assimétrico da Exposição Que Chita Bacana, SESC/ Belenzinho
(2006)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
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FIGURA 19 Distribuição dos objetos na Exposição Uma Vida, MEPE (2007)
Fonte: Francisco Baccaro.
No caso da Uma Vida, os objetos foram distribuídos sobre as paredes e ao centro das
salas. Os artigos centrais foram separados uns dos outros permitindo a passagem entre eles,
garantindo, assim, a apreciação das peças por diversos ângulos (Figura 19). Nesta exposição, a
utilização de cores com tons terrosos e escuros em praticamente todos os pedestais, vitrines,
suportes e paredes criou uma atmosfera intimista, entretanto transmitiu a sensação de
diminuição do ambiente e confinamento, sobretudo pelo fato de o espaço estar densamente
ocupado por objetos. Com várias coleções ocupando os mesmos salões, a distribuição de
objetos deu-se sob forma de fileiras ou agrupamentos, para facilitar o reconhecimento da
unidade de cada coleção. Sob as paredes, os objetos foram alinhados na altura da visão, e
distribuídos livremente sem relação entre os espaçamentos. Janete aliou ordem e dissonância
para evitar monotonia e assim conseguiu minimizar a interferência na leitura dos objetos.
No MHNE, o corredor configurado pelos septos, vitrines e expositores tinha focos de
interesse em ambos os lados. Tons de cores fechadas ou abertas, iluminação direcionada e
grandes objetos foram utilizados como pontos focais na exposição Nordeste, configurando certa
dramaticidade na apresentação e hierarquização dos espaços. Em geral, cada sala possuía um
grande objeto de destaque. Os objetos foram distribuídos sobre os suportes, criando pequenas
ilhas em composições assimétricas. Quando o desenho dos suportes era menos expressivo, as
composições eram assimétricas. quando os elementos eram diferenciados, o posicionamento
era mais regular. Mesmo em composições assimétricas, a arquiteta sempre procura equilibrar o
peso visual para conferir harmonia ao conjunto. Nesta exposição, ampliações fotográficas
aplicadas ao fundo das salas foram utilizadas para reforçar o tema exposto.
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ILUMINAÇÃO
Como a exposição Que Chita Bacana foi realizada em um galpão sem iluminação
natural (a luz natural foi barrada por um septo curva na entrada), apenas iluminação artificial
foi utilizada. Em um ambiente escuro, os objetos foram destacados por uma iluminação dirigida
quente ou fria (Figura 20). Em um ou outro momento foram utilizadas também lâmpadas
coloridas.
FIGURA 20 Iluminação dirigida quente e fria. Exposição Que Chita Bacana, SESC/
Belenzinho (2006)
Fonte: Borsoi Arquitetura Ltda.
FIGURA 21 Exposição Uma Vida. Salão central com iluminação natural
Fonte: Francisco Baccaro.
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o edifício que abriga a exposição Uma Vida tem seus ambientes com farta iluminação
natural (Figura 21) através do átrio central (sala dedicada a Burle-Marx), atingindo também os
corredores do pavimento superior. No rreo e no grande corredor do primeiro pavimento,
ambientes mais abertos, a iluminação é branca e geral. nas demais salas do pavimento
superior foi criado um ambiente de penumbra, quebrada por uma iluminação quente dirigida
sob os objetos. Nestas salas, em geral, a iluminação era externa e superior ao objeto, mas em
alguns momentos, como comentado, era inferior e interna às vitrines (Figura 8). A iluminação
foi responsável pela criação de um clima de introspecção e mistério, possibilitando a imersão
na experiência e no conteúdo do objeto exposto.
A exposição Nordeste, por ter caráter permanente, destaca-se das demais por dar mais
atenção ao tratamento de seus elementos. No forro branco rebaixado foram embutidas
luminárias, minimizando sua interferência visual. A iluminação foi bastante utilizada para
destacar painéis e septos, aparecendo por trás e nas laterais destes (Figura 9). A iluminação
focal quando apontada para um fundo de cor forte gerou um efeito degradé, com uma escala de
vários tons da mesma cor, variando do mais claro no foco central e mais escuro nas margens.
Efeito oposto foi alcançado quando a iluminação era utilizada por trás do painel, os tons
variavam do mais claro nas margens para o mais escuro no centro.
PERCEPÇÃO E IMAGEM
Como já referido, a grande dificuldade na análise destas expografias foi o fato de duas
delas não mais existirem e a do MHNE ter sido alterada, mas a partir das imagens e informações
a que tivemos acesso, nos propusemos a imaginar (identificar) quais seriam as intenções de
Janete com o uso de cada elemento.
A exposição Que Chita Bacana propôs um passeio lúdico pelos diversos universos e
contextos que a Chita permeia em nosso país e cultura. Mesmo tendo como partido a criação
de penumbra e de um ambiente neutro, a mostra apresentou-se exuberante e alegre. Para tal,
contribuíram os diferentes tons de iluminação e o protagonismo das cores e estampas da Chita.
Além dos tradicionais suportes, foram criadas cenografias para ambientes e espaços que
contrastavam com o fundo neutro. Para envolver o visitante, não foram utilizados apenas os
estímulos visuais, mas também sonoros. Os visitantes deveriam ser tomados pelo entusiasmo
ao serem convidados para dançar com bonecos, manipular os objetos, assistir aos espetáculos
de mamulengos ou percorrer o labirinto protegido pelo septo curvo.
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A mostra Uma Vida, mesmo utilizando-se de recursos similares para neutralizar o
ambiente com cores escuras, alcançou resultado bem diferente. A neutralidade do espaço
pareceu definir um clima de introspecção. Mesmo em salas repletas de coleções, a iluminação
focada convidava a contemplar um objeto por vez. O layout que permitia várias vistas do
mesmo objeto, indicava que a exposição deveria ser contemplada com calma e atenção aos
detalhes. Os suportes e formas de apresentação da arte popular foram tratados da mesma forma
que os das demais coleções. Mesmo com cores diferentes entre as salas, a utilização de tons
terrosos e o tratamento similar dos objetos, conferiu às salas a leitura de unidade.
Uma estratégia completamente diferente foi empregada na exposição Nordeste:
Territórios Plurais. No MHNE, a multiplicidade de temas em um espaço pequeno poderia
dificultar a clareza no reconhecimento dos módulos. Para caracterizá-los, foram utilizadas
cores, fotografias e formas de exposição específicas. Cada módulo temático era encerrado em
um espaço que pretendia transportar o visitante para outra época ou local. Os alto-falantes em
cada sala emitiam sons que contribuíram para caracterizar cada espaço e, à medida em que se
avançava na exposição, e para criar a sensação de já não estar mais no mesmo lugar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Janete encontrou nas exposições veículos para portar suas mensagens que tinham o
propósito de educar o público a valorizar a cultura popular. Aproximou-se da expografia
justamente em um momento no qual os museus buscaram se aproximar da população, destacar
o aspecto educativo e sua função social.
Mesmo com as dificuldades de analisar estas exposições, devido ao caráter efêmero e à
perda de documentação, foi possível destacar algumas características comuns no trabalho de
Janete na área expográfica. Ela parece sempre ter alternado ordem e dissonância, simetria e
assimetria, para manter o ritmo durante todo o percurso, afastando a monotonia. Quando o
desenho dos suportes é menos expressivo, as composições são assimétricas. Já quando os estes
são elementos diferenciados, o posicionamento é mais regular. Os elementos por ela criados,
mesmo quando neutros ou robustos, sempre apresentam algum tipo de contraste e/ou
movimento. São planos que se sobrepõem, se cruzam ou alturas, criam profundidades e tornam
o ambiente mais dinâmico. É clara sua filiação com a arte e a arquitetura modernas que
privilegiaram uma estética abstrata de planos desenvolvendo-se no espaço. Ela propôs a
construção dos suportes, septos, pedestais, nichos e vitrines a partir de módulos cúbicos.
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Mesmo possuindo alguns aspectos recorrentes em seu trabalho, Janete criou projetos e
partidos completamente diferentes de acordo com a especificidade dos temas, locais, público,
conteúdo e recursos. Em alguns momentos inclusive utilizou técnicas parecidas para alcançar
resultados opostos, como no caso da utilização do fundo neutro e iluminação dirigida em Uma
Vida e Que Chita Bacana, criando atmosferas respectivamente introspectiva e extrovertida.
Como Gisela Magalhães e Lina Bo Bardi, Janete elevou arte popular e objetos do
cotidiano popular à categoria de objeto de arte. Em suas exposições sobre arte popular, Janete
aproxima-se mais de Magalhães, pois ambas recusaram o espaço neutro e propuseram formas
mais envolventes de exposição, manipulando o espaço e explorando as sensações como forma
de emocionar o visitante.
Ao lado de Bardi e Magalhães, a atuação de Janete Costa na área expográfica foi uma
contribuição fundamental para o reconhecimento da arte popular enquanto patrimônio no
Brasil. Além do seu papel como colecionadora de obras de arte e artesanato e do seu trabalho
junto aos artesãos buscando inseri-los no mercado, suas formas de expor a arte popular
contribuíram para a divulgação da arte popular e a preservação de valores ancestrais,
transmitido entre as gerações.
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Recebido em: 09 de janeiro de 2023
Aceito em: 02 de novembro de 2023