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CENTRO DE CULTURA SOCIAL: HISTÓRIA E PERSPECTIVAS ATUAIS
Lucia Silva Parra
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Brasil
lucia.parra@usp.br
Nelson Schapochnik
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Brasil
nschapo@uol.com.br
RESUMO
Este artigo pretende analisar a história e as perspectivas atuais do Centro de Cultura Social
(CCS), em suas três fases: de 1933 a 1937, de 1945 a 1969 e de 1985 aos dias atuais, através de
jornais que noticiaram suas atividades, como A Plebe e Dealbar e documentos do antigo
Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP). Para as atividades
realizadas a partir de 1985, foi consultado o site do Centro de Cultura Social. Desde 1933, a
entidade oferece atividades que favorecem o aprendizado de seus participantes, como palestras,
teatro, debates e acesso à biblioteca. Além disso, o Centro de Cultura Social é um espaço de
resistência e combate aos autoritarismos. Esta entidade é um local de formação de gerações de
anarquistas e uma referência no meio libertário.
Palavras-chave: Centro de Cultura Social. Anarquismo. Educação.
CENTRO DE CULTURA SOCIAL: HISTORIA Y PERSPECTIVAS ACTUALES
RESUMEN
Este artículo pretende analizar la historia y las perspectivas actuales del Centro de Cultura
Social (CCS), en sus tres fases: de 1933 a 1937, de 1945 a 1969 y de 1985 a la actualidad, a
través de los periódicos que informaron de sus actividades, como A Plebe y Dealbar y de los
documentos del antiguo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP).
Para las actividades realizadas después de 1985, se consultó el sitio web del Centro de Cultura
Social. Desde 1933, la entidad ofrece actividades que favorecen el aprendizaje de sus
participantes, como conferencias, teatro, debates y acceso a la biblioteca. Además, el Centro de
Cultura Social es un espacio de resistencia y lucha contra el autoritarismo. Esta entidad es un
lugar de formación para generaciones de anarquistas y una referencia en el entorno libertario.
Palabras clave: Centro de Cultura Social. Anarquismo. Educación.
CENTRO DE CULTURA SOCIAL: HISTORY AND CURRENT PERSPECTIVES
ABSTRACT
This article intends to analyze the history and current perspectives of the Centro de Cultura
Social (CCS), in its three phases: from 1933 to 1937, from 1945 to 1969 and from 1985 to the
present day, through newspapers that reported its activities, such as Plebe and Dealbar and
documents from the former Department of Political and Social Order of São Paulo
(DEOPS/SP). For activities carried out from 1985 onwards, the website of the Centro de Cultura
Social was consulted. Since 1933, the entity has offered activities that favor the learning of its
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participants, such as lectures, theater, debates and access to the library. In addition, the Centro
de Cultura Social is a space for resistance and combating authoritarianism. This entity is a
training place for generations of anarchists and a reference in the anarchist environment.
Keywords: Centro de Cultura Social. Anarchism. Education.
CENTRO DE CULTURA SOCIAL: HISTOIRE ET PERSPECTIVES ACTUELLES
RÉSUMÉ
Présent article vise à analyser l'histoire et les perspectives actuelles du Centro de Cultura Social
(CCS), dans ses trois étapes: de 1933 à 1937, de 1945 à 1969 et de 1985 à nos jours, à travers
les journaux qui ont rendu compte de ses activités, tels comme Plebe et Dealbar et des
documents de l'ancien Département de l'ordre Politique et Social de São Paulo (DEOPS/SP).
Pour les activités effectuées à partir de 1985, le site Internet du Centro de Cultura Social a été
consulté. Depuis 1933, l'entité propose des activités qui favorisent l'apprentissage de ses
participants, telles que des conférences, du théâtre, des débats et l'accès à la bibliothèque.
Également, le Centro de Cultura Social est un espace de résistance et de lutte contre
l'autoritarisme. Cette entiest un lieu de formation pour des générations d'anarchistes et une
référence dans le milieu libertaire.
Mots-clés: Centro de Cultura Social. Anarchisme. Éducation.
INTRODUÇÃO
Os estudos sobre o movimento anarquista no Brasil privilegiaram, até a década de 1990,
majoritariamente, a atuação libertária no meio sindical. Em parte, por esta razão, havia a ideia
de um declínio das atividades anarquistas após a fundação do Partido Comunista, em 1922.
Estudando documentos produzidos pelos anarquistas como jornais, livros, panfletos e
documentos produzidos pela polícia política, percebemos a continuidade da atuação dos
anarquistas no meio sindical, nas décadas de 1920 e 1930. Ao analisar outros campos de
atividades dos libertários como a educação e a cultura, percebemos que o movimento anarquista
continua atuante até o presente momento.
Este artigo pretende analisar a história e as perspectivas atuais do Centro de Cultura
Social (CCS), em suas três fases: de 1933 a 1937, de 1945 a 1969 e de 1985 aos dias atuais,
através de jornais que noticiaram suas atividades, como A Plebe e Dealbar e documentos do
antigo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo. Para as atividades realizadas a
partir de 1985, foi consultado o site do Centro de Cultura Social.
O Centro de Cultura Social está inserido em uma longa tradição de fundação de
bibliotecas populares, ateneus e centros de cultura, pelo movimento anarquista. Estes espaços
contaram, com frequência, com cursos de alfabetização para trabalhadores, leituras comentadas
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e palestras, servindo como complemento para educação formal, local de acesso à leitura de
livros, jornais e discussão de ideias (HARDMAN, 2002).
O CCS ocupou papel de destaque na formação de gerações de libertários. Entre eles,
Maurício Tragtenberg (1929-1998), historiador, sociólogo e professor que teve formação
autodidata. Frequentou a Biblioteca Mário de Andrade e o Centro de Cultura Social, onde
conheceu Edgard Leuenroth, Pedro Catallo, Anita Carrijo e Mário Ferreira dos Santos.
Atualmente, a livraria do CCS leva o nome Maurício Tragtenberg como uma homenagem. A
organização de bibliotecas populares, ateneus, centros de cultura e escolas demonstraram
preocupação com a educação do operariado e foram estratégias para a propagação do discurso
anarquista. De acordo com Valverde, os anarquistas no Brasil, sempre encontraram formas de
disseminar suas ideias:
Mesmo com todas as vicissitudes e a violência da história brasileira, neste e
noutros séculos, os anarquistas, sempre extremamente associativos, jamais
deixaram de lado sua militância, divulgando e espalhando as suas ideias por
meio de jornais, campanhas públicas, palestras ou peças teatrais - às vezes
com a própria vida. Exemplo vivo disso é o Centro de Cultura Social, no Brás,
no município de São Paulo, que resiste incólume até os dias atuais, como
sucedâneo de outros tantos existentes anteriormente. (VALVERDE, 2008).
O Centro de Cultura Social, ao longo de seus quase noventa anos de existência, passou
por diversos endereços, incluindo o bairro do Brás, e atualmente está localizado na rua General
Jardim, n. 253, em São Paulo, na região central da capital.
FASE 1: 1933- 1937
Durante as primeiras décadas do século XX, o movimento anarquista atuou nas
Associações de Classe e Sindicatos, lutando ao lado de outros trabalhadores por melhores
condições, redução de jornadas de trabalho e aumentos salariais. Muitos de seus militantes
destacaram-se na organização de greves, como a de 1917 que parou a cidade de São Paulo.
(BIONDI; TOLEDO, 2018). A atuação dos anarquistas gerou uma intensa reação por parte do
Estado, com a criação de Leis como a Lei Adolfo Gordo, de 1907 que permitia a expulsão de
estrangeiros considerados “perturbadores da ordem social” e do Departamento de Ordem
Política e Social, criado em 1924. Diversos militantes anarquistas ou “suspeitos de anarquismo”
foram vigiados, perseguidos, presos e expulsos do território brasileiro.
Na década de 1930, o movimento anarquista atravessou um período de refluxo nos
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sindicatos, em grande parte devido à intensa repressão policial, aos conflitos com integrantes
do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922 e à Lei de Sindicalização como forma
de controle estatal das atividades sindicais autônomas.
O Centro de Cultura Social (CCS) foi fundado em 1933, por um grupo de militantes
anarquistas. Funcionava na rua Quintino Bocaiúva, n. 80, na capital de São Paulo. Neste período
ocupou o mesmo espaço da Federação Operária de São Paulo e da redação do jornal A Plebe.
Entre os organizadores do Centro de Cultura Social estavam destacados integrantes do
movimento anarquista como Edgard Leuenroth (1881-1968), Pedro Catallo (1901-1969),
Rodolpho Felippe, Florentino de Carvalho (1883-1947), João Penteado (1877-1965), entre
outros. O público frequentador do CCS era composto principalmente por trabalhadores, mas
também havia a presença de intelectuais e artistas, como a pintora Tarsila do Amaral (1886-
1973) e seu companheiro, o psiquiatra Osório César (1895-1979). (Informes reservados.
Prontuário 1914 - Centro de Cultura Social. DEOPS/SP. AESP)
Nas primeiras décadas do século XX, as associações, sindicatos, uniões e ligas
operárias, buscavam criar seus próprios ateneus ou centros de cultura, em um interesse pela
educação e pela cultura (literatura, teatro ou leituras dramáticas): “criou-se uma vasta rede de
entidades culturais entre os trabalhadores, com suas bibliotecas, publicações, elencos teatrais,
etc.” (CUBERO, 2017, p. 25). Segundo um de seus fundadores, Edgard Leuenroth, em palestra
proferida na sede do CCS, em 1965:
Este aqui [o Centro de Cultura Social] surgiu da Federação Operária [de São
Paulo] que tinha sede num prédio que ainda existe na rua Quintino Bocaiúva
e toda a atividade que ela desenvolvia realizando as conferências na sua sede,
daí surgiu a necessidade de formar um centro que pudesse se dedicar
inteiramente à divulgação da cultura, chamando oradores de todos os centros,
de todos os meios sociais, de todas as classes, de todo e qualquer princípio
para realizar suas conferências. (LEUENROTH, 2016, p. 25).
No Centro de Cultura Social eram apresentadas palestras com temáticas sociais,
anticlericalismo, fascismo, música, sindicalismo, Revolução Espanhola e outros. Este período
foi marcado pelas campanhas antifascistas e anti-integralistas, com debates, publicação de
panfletos e realização de manifestações públicas que muitas vezes culminaram em confrontos
com fascistas e integralistas na praça da Sé. O CCS contava também com uma biblioteca. É
difícil afirmar com precisão qual era o acervo da biblioteca das fases iniciais do Centro de
Cultura Social, mas, provavelmente, ao menos em parte, constitui o fundo inicial do Arquivo
Edgard Leuenroth, da Unicamp. Este fundo é constituído por livros, coleções de jornais,
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panfletos, manuscritos, fotos e outros materiais, adquirido pela Unicamp em 1974. Sabe-se que
este acervo reúne obras pessoais de Edgard Leuenroth, materiais oriundos dos jornais A
Lanterna, A Plebe, de outros militantes e de outras bibliotecas anarquistas, como pode ser
percebido através de marcas como carimbos e dedicatórias. O conjunto de livros é composto
por cerca de 700 obras sobre anarquismo, ciências sociais, história, literatura, espiritismo e
outros temas. Os idiomas mais frequentes são o português, italiano e espanhol. Entre os autores
mais presentes estão Jean Grave, Piotr Kropotkin, Pietro Gori, Ricardo Flores Magón e Maria
Lacerda de Moura. Entre os livros, há alguns que pertenciam a Antônio Piccarolo (1863-1947),
professor, advogado, jornalista, fundador do Partido Socialista Italiano, editor do jornal Avanti,
em São Paulo. Piccarolo foi frequentador e conferencista no Centro de Cultura Social.
O propósito do Centro de Cultura Social era oferecer um espaço de cultura e educação
para os trabalhadores, como um instrumento para a transformação social. De acordo com
Endrica Geraldo:
O objetivo desses militantes era, ainda, atingir um público operário (já que
estes seriam os responsáveis, de acordo com os princípios anarquistas, pela
revolução social e libertária), através das palestras, das reuniões de
propaganda e da ação direta, vale dizer, da organização e de manifestações de
protesto e greves, entre outros, na tentativa de difundir os princípios
anarquistas, de educar para o movimento libertário. (GERALDO, 1998, p.
176).
O Centro de Cultura Social era (e ainda é) mantido pela contribuição mensal de seus
associados, doações de sócios ou simpatizantes e verbas eventualmente recebidas. Sua
organização interna era constituída por Comissão Administrativa, que, em suas duas primeiras
fases era composta por: secretário-geral, secretário de expediente, secretário de atas,
bibliotecário, primeiro e segundo tesoureiros. Atualmente, a Comissão Administrativa é
composta por primeiro secretário, segundo secretário, primeiro tesoureiro e segundo tesoureiro.
De acordo com o Estatuto do Centro de Cultura Social, sua finalidade era, em suas
primeiras fases, incentivar o estudo dos ideais de emancipação humana:
[...] estimular, auxiliar e promover nos meios populares, principalmente entre
os trabalhadores, onde as possibilidades de cultura são limitadas por toda sorte
de empecilhos, o estudo dos ideais de emancipação humana que objetivam o
estabelecimento de uma nova ordem de coisas baseadas em princípios de
justiça e de equidades sociais, que facultem a cada indivíduo e à coletividade,
o gozo de uma situação de liberdade e bem-estar resultantes do esforço comum
e a que todos fazem jus. (CENTRO DE CULTURA SOCIAL, 1945, p. 1).
Desenvolver a educação e a cultura entre os trabalhadores para a vida em uma nova
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sociedade, mais igualitária e livre, estava entre os objetivos do CCS. De acordo com Hardman:
“A moral anarquista esteve sempre preocupada em montar uma fortaleza cultural que resistisse
aos males da ordem dominante e fosse um campo de treinamento para a comunidade do porvir.”
(HARDMAN, 2002, p. 95-96). O CCS representava também um espaço de sociabilidade, onde
libertários e simpatizantes poderiam se encontrar, aprender, discutir ideias e se organizar para
a luta contra patrões e fascistas.
Desde sua primeira fase de existência, o Centro de Cultura Social foi intensamente
vigiado pelo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP). Agentes
policiais infiltraram-se entre os militantes anarquistas e assistiam a conferências realizadas no
Centro de Cultura Social, deste modo, conseguiam informações para relatórios policiais com
detalhes sobre seus organizadores, frequentadores e atividades. Para “provar crimes de
subversão”, os agentes policiais anexaram ao prontuário do CCS panfletos com divulgação de
atividades. Em um dos documentos encontramos a propaganda de conferências sobre o Pacto
de Latrão, que seriam ministradas pelos anarquistas Florentino de Carvalho, Bixio Picciotti e
Francisco Cianci. Em outro panfleto era divulgada a palestra a ser proferida pela escritora
argentina Concepción Fernandez sobre a música como fator de aproximação dos povos. A
presença das mulheres como conferencistas no Centro de Cultura Social era frequente, como
pudemos constatar em outros documentos, como a apresentação proferida pela professora Luísa
Pessanha Branco sobre assuntos sociais e de atualidade. também a divulgação de uma
conferência da anarquista Isabel Cerruti (1886-1970), a respeito da mulher no sindicalismo.
Nos panfletos do CCS era informado que as atividades se dirigiam a “intelectuais, estudiosos
do problema social e trabalhadores”.
Frequentemente, os agentes do DEOPS/SP infiltraram-se nas atividades do Centro de
Cultura Social, vigiando os acontecimentos em detalhes que eram descritos em relatórios no
dia seguinte. Em 26 de junho de 1933, o professor anarquista José Oiticica realizou uma
conferência sobre o anarquismo e suas principais funções. De acordo com o investigador
Guarany: “Nesta exposição, Oiticica provou ser profundo conhecedor dos segredos de seu ideal
e grande propagandista”. (Informe reservado. 27/06/1933. Prontuário 1914 - Centro de Cultura
Social. DEOPS/SP. AESP).
Em informes reservados, o investigador Guarany relata que em março de 1934, os
anarquistas Francisco Valdivia, Gusmão Soler e Napoleão Saldanha, integrantes do Centro de
Cultura Social, realizaram palestras na Liga Anticlerical de Campinas. O evento foi iniciado
pelo presidente da Liga, o anarquista Atílio Pessagno. O último a falar foi Gusmão Soler que
dissertou sobre moral, crença e progresso. Segundo o investigador: “sua oração foi, sem dúvida,
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impressionante, pois que Soler é bastante lido e possui regular cultura. Foi delirantemente
aplaudido”. (Informes reservados. 28/03/1934. Prontuário 1914 - Centro de Cultura Social.
DEOPS/SP. AESP).
A propaganda das ideias libertárias envolvia também o Grupo Teatral do Centro de
Cultura Social, composto por militantes e simpatizantes que se apresentavam em festivais. A
organização de grupos teatrais fazia parte de uma tradição do movimento anarquista, bem como
a apresentação de peças como Primeiro de Maio, de Pietro Gori.
Os grupos teatrais eram bastante disseminados entre os anarquistas, como por exemplo,
da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, fundada em 1909, devido aos protestos contra a
condenação e morte de Francisco Ferrer. Este grupo teatral foi frequentado pela costureira
Elvira Boni, nascida em 1899. Ela residiu no Rio de Janeiro, no início do século XX e chegou
à Liga Anticlerical levada por seus irmãos, que eram anarquistas. Em 1912 apresentou sua
primeira peça: O pecado de simonia, do anarquista português Neno Vasco. (GOMES, 1988, p.
39). Outra peça representada por Elvira, foi Primeiro de Maio de Pietro Gori, traduzida por
Neno Vasco. De acordo com Elvira Boni, a peça era encenada na noite do dia 30 de abril,
seguida de um baile, para os trabalhadores ficarem cansados e não trabalharem no dia seguinte.
(GOMES, 1988, p. 46). A jornada diária de mulheres libertárias como Elvira Boni incluía o
trabalho no ateliê de costura e a atividade artística que não se dissociava da militância.
Para os anarquistas, a atividade artística não deveria ser exercida apenas por poucos
“gênios criadores”, podendo ser realizada por qualquer pessoa, em seu cotidiano. A educação
libertária poderia desenvolver as habilidades artísticas de todos: “De Godwin, de Proudhon, a
Tolstoi os pensadores anarquistas viram em cada indivíduo um artista em potência. Pensavam
que seria possível libertar no homem o criador que a educação e as condições gerais de vida
condenam atualmente a desaparecer.” (RESZLER, s.d., p. 47).
Em 1937, com o golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas, o Centro de Cultura Social
foi fechado.
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IMAGEM 1 - Panfleto do Centro de Cultura Social
Fonte: Prontuário 1914 - Centro de Cultura Social. DEOPS/SP. AESP.
IMAGEM 2 - Panfleto do Centro de Cultura Social.
Fonte: Prontuário 1914 - Centro de Cultura Social. DEOPS/SP. AESP.
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IMAGEM 3 - Panfleto do Centro de Cultura Social.
Fonte: Prontuário 1914 - Centro de Cultura Social. DEOPS/SP. AESP.
IMAGEM 4 - Formulário de pedido de admissão no Centro de Cultura Social.
Fonte: Prontuário 1914 - Centro de Cultura Social. DEOPS/SP. AESP.
FASE 2: 1945-1969
Em junho de 1945, meses antes do fim do governo Vargas, o Centro de Cultura Social
retomou suas atividades. Neste período, o CCS funcionava na rua José Bonifácio, n. 386. Havia
conferências de variadas temáticas, cursos, grupo de teatro e uma biblioteca. O CCS se
declarava “uma coletividade aberta a todas as correntes inovadoras, a todas as inquietudes
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humanas. Tendo por ponto de partida a liberdade, traçou seu desenvolvimento neste postulado
em prol dele, e, trabalha pelo máximo desenvolvimento intelectual e moral de seus
cooperadores.” (A Plebe, ano 31, n.16. jun., 1948)
Neste período, o candidato a associado ao CCS, deveria seguir um protocolo, a saber,
ser apresentado por dois sócios e, quando aceito, deveria contribuir financeiramente para a
manutenção da entidade, com no mínimo cinco cruzeiros. As assembleias gerais eram
realizadas uma vez por mês (CENTRO DE CULTURA SOCIAL, 1945, p. 3-7).
Ao longo dos anos 40, o CCS continuou sendo constantemente vigiado pela polícia
política de São Paulo, através de investigadores infiltrados em suas atividades. Um relatório do
Departamento de Ordem Política e Social, datado de 13 de maio de 1948, informava sobre um
festival promovido pelo CCS, no qual compareceram mais de 300 pessoas. Entre seus
organizadores estavam Amor Salgueiro, Luca Gabriel, Antonio Joaquim Tavares, Sebastian
Gomes, Antonio Borelli e Antônio Coelho. Os investigadores relatam também o envolvimento
do CCS com militantes do Partido Socialista. Neste período, o CCS era frequentado por muitos
anarquistas espanhóis, alguns deles clandestinos (DOSSIÊ 005 - Anarquismo. p. 72.
DEOPS/SP.AESP).
O CCS, contava com o Grupo Teatro Social que promovia festivais “recreativos e
educativos”, como a peça Uma mulher diferente que questiona o tabu da virgindade, realizada
em 18 de outubro de 1948, no salão do Grêmio Hispano-americano. A peça era de autoria do
anarquista Pedro Catallo (1901-1969), sapateiro de profissão, autor de diversos textos. Pedro
Catallo foi autor de outras duas peças de temática feminista: A insensata e Coração é um
labirinto. Catallo iniciou suas atividades teatrais, em 1928, fundando o Grupo Teatral da União
dos Artífices em Calçados, em uma iniciativa do companheiro de profissão e de militância,
Afonso Festa. A primeira peça encenada pelo grupo foi Os sem pátria, de Pietro Gori,
apresentada na Federação Espanhola. De acordo com Catallo, na ocasião: “o salão ficou
totalmente tomado, dado que, como disse, a colônia italiana predominava em São Paulo”.
(CATALLO, 2007, p. 29). As apresentações teatrais realizadas por grupos amadores
anarquistas se tornaram populares junto ao público operário, como afirma Pedro Catallo:
De uma feita levamos uma peça, quilométrica, social, onde aparecia também
a figura de Tolstoi, e da qual não lembro quem era o autor. A peça chamava-
se La Libertad Caída. Lembro-me que na noite do espetáculo ficaram na rua
mais de duzentas famílias. O salão regurgitava de gente, e os donos do prédio
ficaram com medo que viesse abaixo. Quando pretendemos dar um novo
espetáculo e os donos se inteiraram que era para o Grupo Aurora, negaram-
me a alugá-lo, lembrando da noite de La Libertad Caída. (CATALLO, 2007,
p. 30).
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Catallo refere-se neste trecho ao Grupo Teatral Aurora, do qual participava desde 1928.
Este grupo de amadores era composto por anarquistas que representavam peças sociais em
língua espanhola. Para Maria Thereza Vargas: “a dramaturgia de Catallo foi sempre um
prolongamento, quando não uma junção a seus afazeres e à sua militância. Como, aliás,
prescreviam os libertários. Era, portanto, uma dramaturgia que não se desvinculava do trabalho
cotidiano, como tiveram ocasião de ressaltar seus companheiros” (VARGAS, 2009, p. xxiii).
Entre as finalidades do CCS estava o patrocínio das atividades do Grupo Teatro Social: “cujo
programa é promover espetáculos em centros populares com programas que constituam, ao
mesmo tempo, elemento recreativo e educacional, artístico e social (CENTRO DE CULTURA
SOCIAL, 1945, p. 3).
Em 1948, foi promovido o curso Popular de “Higiene Mental”, em colaboração com a
Universidade Popular Presidente Roosevelt, realizado no Instituto Educacional Caetano de
Campos. Entre os professores havia médicos do Centro de Estudos Franco da Rocha, Hospital
do Juqueri, como o psiquiatra Osório César e José Ângelo Gaiarsa (A Plebe, ano 32, n. 20, dez.
1948). Esta fase contou com a participação de Lucca Gabriel, Liberto Reis, Edgard Leuenroth,
Germinal Leuenroth, Amor Salgueiro, Francisco Cuberos, Mário dos Santos, entre outros.
IMAGEM 5 - Panfleto do Centro de Cultura Social, 1948.
Fonte: Dossiê 005 Anarquismo. DEOPS/SP. AESP.
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IMAGEM 6 - Panfleto do Centro de Cultura Social, 1948.
Fonte: Dossiê 005 Anarquismo. DEOPS/SP. AESP.
Em 1950, o Centro de Cultura Social promovia cursos de esperanto, português e
literatura com o objetivo de “incrementar no seio das classes trabalhadoras o desejo de aprender,
pondo ao seu alcance as possibilidades de elevação do nível intelectual”. (A Plebe, ano 33, n.
27, maio, 1950). Foram oferecidas conferências, leituras comentadas e ensaios de oratória.
O Centro de Cultura Social, ao longo de sua história, despertou suspeitas das autoridades
sobre suas atividades. Em 1955, Francisco Cuberos, então secretário-geral do CCS, fez uma
requisição de alvará anual de autorização para funcionamento junto à Secretaria de Segurança
Pública. Na ocasião, o investigador, sr. Manoel Deodoro Pinheiro Machado, realizou uma
verificação na sede do CCS, a pedido da Divisão de Diversões Públicas da Secretaria de
Segurança Pública. Ele o conseguiu entrar na sala, pois não estavam sendo realizadas
atividades na ocasião, no entanto, realizou um relatório a partir das algumas poucas declarações
de funcionários de uma “agência de colocações”, de um escritório da região. Provavelmente, o
investigador usou também sua criatividade e imaginação para descrever o CCS, pois não
conseguiu sequer entrar na sala e seus informantes não foram muito “colaborativos”:
Intitula-se a sociedade de que se ocupa neste processo Centro de Cultura
Social. Centro Cultural: que desfaçatez! Pelo local em que diz funcionar,
apropriado seria chamar-se “centro cultural de pulgas, baratas, percevejos e
ratos”... Vamos às informações obtidas na agência de colocações e no
escritório já referidos. O homem da agência informou que se reúnem na sede
do Centro, esporadicamente, várias pessoas, na maioria espanhóis. Não soube
ou não quis dizer o assunto, ou assuntos ventilados nas reuniões. [...] a
mocinha do escritório não deu maiores detalhes, informando somente que as
ISSN 2447-746X
DOI: https://doi.org/10.20888/ridpher.v8i00.16979
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 8, p. 1-22, e022009, 2022.
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reuniões realizam-se uma ou duas vezes por semana, digo, por mês, sem dia
certo. Para mim, são suspeitas as atividades da sociedade. Num local daquele
não se instalaria jamais uma instituição de fins culturais. A constituição de sua
diretoria, comissão administrativa, como eles denominam o corpo diretivo,
salvo engano, cheira a comunismo… Intitula-se secretário geral o dirigente
principal e não presidente como nas sociedades burguesas. Assim, data vênia,
sugeriria o encaminhamento do assunto à Ordem Política para o
esclarecimento da dúvida que subsiste das verdadeiras atividades e finalidades
do misterioso centro. Porque no ambiente em que se reúnem os seus membros,
sadias é que não devem ser… (CÓPIA de Informação 1695 da Divisão de
Diversões Públicas, Secretaria de Segurança Pública. 02/05/1955. Prontuário
1914 - Centro de Cultura Social DEOPS/SP. Arquivo do Estado de São Paulo).
No documento, o investigador tenta desqualificar o CCS, pela suposta sujeira e
infestação de pragas. Afirma que as atividades são “suspeitas”, pois a estrutura administrativa
da entidade não é a mesma de organizações burguesas. Formas de hierarquia menos rígida de
se organizar e relacionar despertam o temor das autoridades.
A partir de 1965, as atividades do Centro de Cultura Social e da Associação Naturista
Amigos da Nossa Chácara, passam a ser divulgadas pelo jornal Dealbar, dirigido por Pedro
Catallo, sua redação ficava na rua Rubino de Oliveira, n.85, mesmo endereço do CCS. Trazia
textos de Edgard Leuenroth, Pedro Catallo, Ester Redes, integrantes do Centro de Cultura
Social.
Em 1966, surgiu no Centro de Cultura Social, o Laboratório de Ensaios, com um grupo
de militantes que encenavam peças teatrais (TITO, 2010, p. 32). No ano seguinte, o jornal
Dealbar relatava uma série de atividades realizadas na associação, que incluíam aulas de teatro,
debates sobre dramaturgia e cinema, exposições de arte e palestras (Dealbar, ano 1, n. 7, set.
1967).
Ainda no ano de 1967, o Centro de Cultura Social apresentou a Semana Antifranquista,
com debates sobre a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), incluindo conferência proferida pelo
exilado Antônio Gomes (Dealbar, ano 1, n. 7, set. 1967). Este evento contou com a participação
do Centro Democrático Espanhol e teve como objetivo debater o levante de 1936 contra o
general Franco.
Neste mesmo ano, foi realizada a exposição de artes plásticas: “Arte de Laboratório”,
organizada por Francisco Cuberos, Kopezky e Germinal. Contou com jovens artistas plásticos.
Foi aberta ao público e foi visitada por mais de 200 pessoas, incluindo críticos de arte como
Arnaldo Pedroso D’Horta, do Jornal da Tarde. A exposição foi noticiada pelos jornais City
News, Notícias Populares, Jornal Última Hora, Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde (Dealbar,
ano 1, n. 6, jul. 1967).