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DOI: 10.20888/ridpher.v7i00.15788
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Rev. Iberoam. Patrim. Histórico-Educativo, Campinas (SP), v. 7, p. 1-33, e021022, 2021.
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DO ARCO MUSICAL PRIMITIVO AO BERIMBAU DE BARRIGA:
A TRAJETÓRIA DO INSTRUMENTO MOR DA CAPOEIRA
José Luiz Cirqueira Falcão
Universidade Federal de Goiás
joseluizfalcao@hotmail.com
Marcos Duarte de Oliveira
Força Aérea Brasileira, Brasil
mkgunganago@gmail.com
RESUMO
Esse estudo tem por objetivo analisar a trajetória do milenar arco musical até a sua configuração
brasileira como o conhecemos. O berimbau de barriga é hoje considerado, mundialmente, o
principal instrumento da capoeira em todas as suas vertentes. Para atender aos objetivos dessa
investigação, apresentaremos algumas lutas que utilizam instrumentos musicais para a sua
prática, destacando o fato de que nenhuma delas utiliza o arco musical como acompanhamento,
tal como ocorre com a capoeira. Apresentaremos ainda dados alusivos a alguns arcos musicais
antecessores ao berimbau de barriga, conhecidos e divulgados pela humanidade, bem como, os
primeiros registros que evidenciam a presença desse instrumento na capoeira. Defendemos a
ideia de que o berimbau de barriga é uma ressignificação do arco musical africano, ocorrida no
Brasil, no início do século XX.
Palavras-chave: Arco musical. Berimbau de barriga. Capoeira.
DEL ARCO MUSICAL PRIMITIVO AL BERIMBAU DE BARRIGA:
TRAYECTORIA DEL INSTRUMENTO PRIMORDIAL DE LA CAPOEIRA
RESÚMEN
Este estudio tiene por objetivo analizar la trayectoria del milenario arco musical hasta su configuración
brasileña como la conocemos en nuestros días. El berimbau de barriga es hoy considerado,
mundialmente, el principal instrumento de la capoeira en todas sus vertientes. Para atender a los
objetivos de esta investigación, presentaremos algunas luchas que utilizan instrumentos musicales para
sus prácticas, destacando el hecho de que ninguna de ellas usa el arco musical como acompañamiento,
tal como ocurre con la capoeira. Presentaremos incluso datos alusivos a algunos arcos musicales
anteriores al berimbau de barriga, conocidos y divulgados a lo largo de toda la humanidad, así como los
primeros registros que evidencian la presencia de este instrumento en la capoeira. Defendemos la idea
de que el berimbau de barriga es una resignificación del arco musical africano ocurrida en Brasil a
principios del siglo XX.
Palabras clave: Arco musical. Berimbau de barriga. Capoeira.
FROM THE PRIMITIVE MUSICAL ARCH TO THE BELLY BERIMBAU:
THE PATH OF CAPOEIRA'S MAIN INSTRUMENT
ABSTRACT
This study aims to analyze the trajectory of the millenary musical arch until its Brazilian
configuration as we know it. The belly berimbau is today considered, worldwide, the main
instrument of capoeira in all its aspects. For the purpose of this investigation, we present some
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fights that use musical instruments for their practice, highlighting the fact that none of them use
the musical bow as accompaniment, as it occurs in capoeira. We also present data alluding to
some musical arches that preceded the belly berimbau, known and disseminated by humanity,
as well as the first records that show the presence of this instrument in capoeira. We argue that
the belly berimbau is a new meaning given to the African musical arch, done in Brazil, at the
beginning of the 20th century.
Keywords: Musical bow, belly berimbau, capoeira.
DE L'ARC MUSICAL PRIMITIF AU BERIMBAU DE BELLY:
LE CHEMIN DE L'INSTRUMENT « MOR DA CAPOEIRA »
RÉSUMÉ
L´objectif de cette étude est d´analyser la trajectoire du millénaire arc musical jusqu´à sa configuration
brésilienne comme nous la connaissons. Le “berimbau ventral est considéré, mondialement, comme
principal instrument de tout genre de capoeira. Pour arriver aux objectifs de cette recherche, nous
présenterons quelques luttes qui utilisent des instruments musicaux pour leur pratique, ressortant le fait
qu´aucune d’elles utilise l´arc musical comme accompagnement, tel comme il se passe avec la capoeira.
Nous présenterons également des données faisant allusion à certains arcs musicaux qui ont précédé le
berimbau ventral, connus et diffusés par l'humanité, ainsi que les premiers enregistrements qui montrent
la présence de cet instrument dans la capoeira. Nous défendons l'idée que le berimbau ventral est une
redéfinition de l'arc musical africain, qui a eu lieu au Brésil, au début du 20ème siècle.
Mots clés: Arc musical. Berimbau ventral. Capoeira.
INTRODUÇÃO
“Berimbau, berimbau, berimbau,
uma cabaça, um arame, um pedaço de pau”
(Domínio Público)
O berimbau de barriga, tal como conhecemos hoje (Figura 1), consiste num arco musical
com uma cabaça acoplada e toca-se percutindo o arame com uma baqueta e um dobrão,
encostando e afastando a cabaça do abdômen.
FIGURA 1- berimbau de barriga
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Entretanto, pairam muitas dúvidas sobre a sua história, sua composição e suas diversas
configurações. Afinal, quando se deu a associação do berimbau de barriga à capoeira? Qual é a
matéria prima utilizada para a confecção do berimbau de barriga? Em qual categoria de
instrumento musical o berimbau de barriga se insere? Quais são os componentes de um
berimbau de barriga? Essas e outras questões constituem o mote das nossas investigações e
procuramos respondê-las utilizando fontes históricas, resultados de pesquisas e depoimentos de
mestres de capoeira antigos que se interessam pela história desse instrumento.
Em uma de suas inúmeras obras, o filósofo catalão, Josef Pieper, que viveu entre 1904
e 1997, sabiamente destacou: “a música é um secreto filosofar da alma, ao se encontrar tão
próxima com os fundamentos da existência humana” (PIEPER, 2015).
Essa magnífica síntese expressa, de pronto, o valor que a música angaria em
praticamente todas as diferentes culturas.
Algumas manifestações de luta, especialmente na África, tais como: Ladja (ou
Danmyé), Bombosa, Moringue, Mousondi e o Borey, são acompanhadas de instrumentos
musicais.
A música, embora possa ser executada apenas pela entonação harmônica da voz, pode
vir acompanhada por uma infinidade de instrumentos. Muitos desses instrumentos são
altamente complexos e difíceis de serem operados.
A capoeira, (em sua gênese) herança dos negros africanos escravizados no Brasil,
inicialmente perseguida e criminalizada pelo Estado no início da República, foi registrada pelo
Iphan
1
, como patrimônio cultural imaterial do Brasil em 2008, e, posteriormente, em 2014,
reconhecida pela Unesco
2
, como patrimônio cultural imaterial da humanidade. Essa
manifestação cultural tem na música um de seus principais fundamentos. Podemos dizer que a
música está para a capoeira assim como a reza está para a missa.
Se, em suas primeiras gingas, a capoeira era tida como “doença moral”, “ginástica
degenerativa”, “uma verdadeira praga”, e seus praticantes considerados “desordeiros”,
“selvagens” e “ingovernáveis” pelas elites da época (SOARES, 1994), com o paulatino
1
No dia 21 de outubro de 2008, o IPHAN, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura, responsável por
zelar pelo patrimônio cultural brasileiro, fez o registro da Roda de Capoeira como patrimônio imaterial da cultura
brasileira, cumprindo a decisão proferida pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural na 57ª reunião
realizada em 15 de julho de 2008 (IPHAN, 2008).
2
Em sua Sessão, realizada no dia 26 de novembro de 2014, em Paris, o Comitê Intergovernamental para a
Salvaguarda da UNESCO reconheceu a capoeira como patrimônio cultural imaterial da humanidade (IPHAN,
2014).
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processo de democratização da sociedade brasileira e a progressiva queda do seu véu colonial,
essa manifestação cultural vem se configurando como um exuberante patrimônio imaterial da
cultura brasileira consubstanciado por uma profusão de ações articuladas que passam pela
identificação, documentação, investigação, proteção, promoção, valorização e transmissão
desse saber (IPHAN, 2017) que, por sua vez, agrega, de forma inextrincável, numa mesma
prática sistematizada, diversos elementos culturais estruturantes da condição humana, como a
luta, o canto, a dança, o jogo e a brincadeira.
Ressaltamos que, para que a roda de capoeira, hoje oficialmente registrada como
patrimônio cultural imaterial, possa ser plenamente exercitada, ela necessita de certa
materialidade, como, por exemplo, a produção do berimbau, que implica na extração e no
preparo da madeira, na colheita e no aprontamento da cabaça para o seu uso como caixa de
ressonância, na retirada do arame de pneu de automóvel, na confecção do caxixi, na feitura do
dobrão e na produção da baqueta de madeira, conforme detalharemos posteriormente.
Ademais, desde os anos 1930, alguns intelectuais, como Mário de Andrade, Di
Cavalcanti e Graça Aranha, interessados na discussão sobre o conceito de patrimônio cultural,
alertavam que não um bem cultural essencialmente imaterial, uma vez que para produzir
bens culturais de qualquer natureza, as pessoas precisam necessariamente de lugares,
equipamentos, instalações, artefatos etc. Há, portanto, um dinamismo nesse processo
(FONSECA, 2003).
A capoeira tem sido pródiga ao incorporar esse dinamismo cultural em sua própria
estrutura configuracional. Inicialmente, aquele aparentemente dissimulado e inocente jogo de
corpo foi se entrelaçando dinamicamente com outros elementos culturais como as lutas, os
rituais de passagem, as indumentárias, os instrumentos musicais e as cantigas.
A pesquisadora Emília Biancardi, em sua obra: “Raízes Musicais da Bahia”, afirma que
as cantigas passaram a fazer parte das rodas de capoeira somente na década de 1930. Em suas
palavras:
A música cantada, conforme pude aprender junto ao saudoso Mestre Pastinha,
durante as longas conversas que com ele mantive, só começou a ter sequência
(ladainha e corrido) e a adquirir importância na década de [19]30 e começos
dos anos [19]40. Antes disso, o que predominava era a música instrumental,
sobretudo o berimbau e, depois deste, o pandeiro. Mestre João Grande
concorda com a opinião do referido Mestre, afirmando que, nas rodas feitas
aos domingos, nos bairros da Liberdade, Pau Miúdo e Lapinha, em Salvador,
a música era pouco cantada, predominando nela a parte instrumental. [...]
Outro prestigiado capoeirista, Mestre João Pequeno, confirmou esse fato, ao
dizer que, na época em que começou a lutar Capoeira, nos anos [19]40, as
cantigas eram pouco usadas, prevalecendo no jogo a parte Instrumental
(BIANCARDI, 2006, p. 108).
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Para a referida pesquisadora, as cantigas começaram a ser executadas nas rodas de
capoeira com o aparecimento das academias. Essa afirmação nos leva a inferir que o berimbau
se insere na capoeira anteriormente às cantigas. Estas, por sua vez, são provenientes de diversas
fontes, dentre elas, das cantigas de trabalho dos negros de ganho, dos cantos dos repentistas,
dos cordéis das feiras de largo, de manifestações religiosas, assim como do samba de roda e
dos cantos dos pescadores de puxada de rede de arrastão. Enfatizamos que essas distintas fontes
são também provenientes de diferentes contextos culturais que, ao se encontrarem no ambiente
da capoeiragem, contribuíram para a diversificada formatação das musicalidades da capoeira.
Esse artigo tem, portanto, como objetivo, analisar a trajetória do berimbau de barriga,
levando em consideração a sua historicidade, suas diferentes configurações e suas
ressignificações, evidenciando com isso a sua condição de instrumento mor da capoeira.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada para atingir os objetivos desta investigação consistiu em uma
pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa.
Além da utilização de fontes bibliográficas e documentais convencionais (livros e
artigos) adquiridas por intermédio de referências primárias e secundárias, recorremos a
documentos em hipermídia, articulando, assim, a pesquisa acadêmica tradicional com fontes
imagéticas, orais e escritas disponibilizadas em sites eletrônicos na internet.
Além de imagens e de vídeos, depoimentos de mestres e pesquisadores, disponibilizados
no Youtube, também foram consultados e permitiram maior flexibilidade, desterritorialização
e rapidez no processo de levantamento e análise de informações.
Por meio de tais fontes, foi possível acessar, virtualmente, registros fílmicos fidedignos
de manifestações culturais que até bem pouco tempo eram de difícil acesso e só eram vistas ou
conhecidas por meio de pesquisas de campo, in loco, que, por sua vez, exigem investimentos
vultuosos.
LUTAS AFRICANAS E DA DIÁSPORA QUE UTILIZAM ACOMPANHAMENTO DE
INSTRUMENTOS MUSICAIS
Tal como aconteceu com a capoeira, outras lutas de origem africana bem como as que
foram transplantadas para regiões que passaram pelo processo de escravização negra, também
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são acompanhadas de instrumentos musicais. Em geral essas lutas combinam aspectos
relacionados com a religiosidade, a ritualidade e a ancestralidade africana. A título de exemplo,
tomando como referência os estudos de Stotz (2010), podemos citar:
Borey - luta do povo mandinga do Senegal e da Gâmbia. Praticada em arenas de areia,
acompanhada pelo som de tambores. Os lutadores se confrontam tentando atirar o adversário
ao chão, nesse meio tempo os tocadores se movimentam entre os espectadores com o objetivo
de coletar dinheiro.
Mousondi - praticada no Congo, se caracteriza como um combate com a utilização de
varas e é acompanhada por dois percussionistas tocadores de tambores e um terceiro que percute
uma tábua de bambu com baquetas. Essa luta foi disseminada pelo Caribe, onde recebeu outras
denominações, como Kalenda e Calinda.
Moringue - luta praticada no norte de Madagascar em que os contendores utilizam os
punhos. É acompanhada de três tambores chamados de Ngoma, que podem ser tocados em pé
ou entre as pernas dos tocadores quando estão sentados sobre eles.
Ladja (ou Danmyé) luta praticada na Martinica proveniente das regiões do Benin e
do Zaire que guarda várias semelhanças com a capoeira é acompanhada de tambores percutidos
em posição horizontal com seus tocadores sentados sobre eles. Além desses, outro tocador
que percute duas baquetas na parte posterior do tambor.
Bombosa (ou Mani, de Cuba) luta praticada por meio de golpes desferidos com as
mãos, com a cabeça e cotovelos. São também utilizados desequilibrantes e movimentos
gingados de corpo. É acompanhada de canções crioulas em que os tambores de yuka típicos do
Congo, ditam o ritmo.
Essas lutas têm como característica comum a utilização de instrumentos musicais de
percussão e, tal como a capoeira, expressam a cultura de onde são praticadas. Entretanto, a
capoeira tem uma distinção particular que consiste na utilização de um arco musical (o
berimbau de barriga) que, diferentemente das demais lutas citadas, não tem o tambor como o
seu mais importante instrumento. Indiscutivelmente, na capoeira, o berimbau é o instrumento
mor, ou seja, o mais importante entre os que compõem a chamada bateria. É bastante comum,
inclusive, se delegar metaforicamente a ele, a tarefa de “comandar” a roda.
OS PRIMEIROS ARCOS MUSICAIS CONHECIDOS E DIVULGADOS PELA
HUMANIDADE
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Segundo Shafer (1977), o arco musical é um dos instrumentos mais antigos da
humanidade. Originalmente, sua corda era confeccionada de cipó ou tripa de animais.
indícios de que era utilizado cerca de 15.000 anos antes de Cristo. Descreveremos a seguir,
alguns desses arcos musicais encontrados em algumas regiões espalhadas pelo mundo.
MALUNGA
O Malunga (Figuras 2 e 3) é um instrumento utilizado em Gujarat na Índia que foi levado
para mais de 700 anos, por povos africanos, fugidos ou traficados, em decorrência de
guerra. Constitui de uma verga de madeira flexível arcada por uma corda feita de tripa trançada,
uma cabaça, uma baqueta e um chocalho especial chamado "mai misra", que é feito de casca
de coco. As modulações do som são diferenciadas tanto pelo uso do dedo indicador, como pela
percussão alternada da baqueta acima e abaixo do laço que amarra a cabaça. Os mestres
tocadores desse instrumento são chamados de Siddi. Com base na religiosidade muçulmana
sufi, eles realizam apresentações, festivais e rituais espirituais, sincretizando o sagrado e o
profano. Os Siddi sobrevivem da caridade de seus devotos e espalham as crenças sufies tocando
esse arco musical (malunga) pelas ruas das comunidades, abençoando seus moradores.
FIGURA 2 - Tocador do Malunga FIGURA 3 - Tocador do Malunga
CHITENDE
Tipo de arco musical que possui uma cabaça posicionada no meio do instrumento,
cortada numa das extremidades com a sua abertura direcionada para fora. Para tocar esse
instrumento, encosta-se e afasta-se a cabaça junto ao peito, alternando os movimentos para
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diferenciar o som. Com os dedos de uma das mãos o tocador pressiona o fio e com a outra mão
segura uma baqueta que percute alternadamente as duas metades do arame. O Chitende (Figuras
4 e 5) pode ser tocado de forma instrumental ou acompanhado pelo canto. No passado, apenas
os jovens do sexo masculino utilizavam o instrumento como passatempo e por vezes realizavam
competições entre si. Atualmente é possível observar também mulheres tocando esse
instrumento.
FIGURA 4 - Tocador de Chitende FIGURA 5 - Tocador de Chitende
CHIVOCONVOCO
É um arco musical (Figura 6) de origem angolana proveniente das regiões de Maputo e
Gaza. Constituído por uma verga de madeira arcada por uma corda. Esta verga atravessa, por
meio de dois orifícios, a extremidade de uma cabaça, ou coco, que serve de caixa de
ressonância, cuja abertura é coberta por uma membrana de couro animal. A corda que arqueia
a verga tangencia pelo centro a boca da cabaça ou do coco. Com uma das mãos, o tocador
segura o instrumento e com a outra percute a corda com uma baqueta.
FIGURA 6 - Chivoconvoco
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HUNGO
O Hungo (figura 7) é um instrumento de corda cuja origem remonta Angola, onde povos
humbis, quibundos e khoisan ainda hoje o utilizam. Possivelmente este instrumento se trata de
um dos arcos musicais ancestrais ao berimbau de barriga que foi trazido na memória cultural
daqueles povos que também foram escravizados aqui no Brasil.
Confeccionado com uma vara de madeira forte e de boa flexibilidade, o hungo tem
aproximadamente 1,50 m de comprimento e 1,0 cm a 1,5 cm de diâmetro. Essa vara é arqueada
por um arame de aço preso nas extremidades. Contém uma cabaça de fundo cortado que
funciona como caixa de ressonância e é fixada à cerca de 15 centímetros da extremidade inferior
da vara. Logo abaixo do nó que firma a cabaça, há um pequeno ressalto de madeira, que tem a
função de tencionar o fio de aço.
Para se tocar o hungo usa-se uma das mãos para sustentá-lo e com o movimento de
afastamento e aproximação do abdômen consegue-se a variação do som. No polegar da mesma
mão utiliza-se um gargalo de garrafa de vidro para pressionar o arame variando seu tom. Na
outra mão, segura-se uma varinha que serve para percutir o arame para a obtenção do som e do
ritmo.
Diferentemente do berimbau de barriga, o hungo não é acompanhado de caxixi e do
dobrão.
FIGURA 7 Arco musical Hungo (Mulumba 2019)
BURUMBUMBA
Outro arco musical, ancestral ao nosso berimbau de barriga, é o Burumbumba (Figura
8), existente em Cuba. Ele é confeccionado com um tipo de madeira flexível com cerca de 75
cm a 1 m de comprimento e com uma corda, originalmente de vegetal ou de tripa. Atualmente
é usado com arame de aço. Fixado ao arco ligeiramente abaixo do meio, um ressonador de
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meia cabaça aberta com aproximadamente 15 cm de diâmetro, amarrada à curva externa do
arco oposto à cinta. A abertura da cabaça é afastada e aproximada do abdômen do jogador para
variar o timbre enquanto ele dedilha a corda. Segundo Shaffer (1977) uma suspeita de que
este arco musical possivelmente é derivado da mbulumbumba angolana.
FIGURA 8 - Tocador de Burumbumba (ROOTS, 2021)
COMPARAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE UMA MESMA FAMÍLIA
Como apontamos anteriormente, existem vários tipos de arcos musicais; temos os
friccionados, os percutidos, os beliscados e os dedilhados. Essas diferenciações mudam suas
características e os tornam diferentes instrumentos, mesmo que pertencentes à mesma família.
Outra forma de modificação de um instrumento se pela adição de outros objetos à
sua antiga configuração, o que traz à sua estrutura uma nova conformação. No caso do berimbau
de barriga, além do acréscimo do arame de aço após 1900, com a invenção do pneu de
automóvel, houve também a incorporação do dobrão, bem como a inserção do caxixi.
Exatamente por ter ocorrido tais modificações, foi possível acontecer a transformação do arco
primitivo, que era confeccionado com corda de tripa e/ou cipó, no berimbau de barriga que
conhecemos hoje.
Conforme as figuras 09 e 10 abaixo, a família dos instrumentos de “cordas
friccionadas”, (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos), se caracteriza basicamente pela
semelhança em suas estruturas físicas e em suas funções sonoras. Embora eles produzam
sonoridades distintas, são integrantes da mesma da família. Semelhante ao que acontece com a
família dos instrumentos de sopro em um quarteto de flautim, clarinete, aboé e fagote (soprano,
contralto, tenor e baixo).