TY - JOUR AU - Lagrou, Els PY - 2010/12/01 Y2 - 2024/03/29 TI - Arte ou artefato? Agência e significado nas artes indígenas JF - Proa: Revista de Antropologia e Arte JA - Proa: Rev. de Antrop. e Arte VL - 2 IS - SE - Debate DO - 10.20396/proa.v2i.16419 UR - https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/proa/article/view/16419 SP - AB - <p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">Os instigantes textos de Els Lagrou e Shirley Campbell publicados nessa sessão dialogam, em maior ou menor grau, com uma polêmica sobre o mesmo tema que ocorreu há quase 20 anos, na Inglaterra, e cuja transcrição se tornou um clássico para quem se aventura pela antropologia da arte. Em 1993, houve uma série de debates envolvendo questões controversas na antropologia, posteriormente publicados na coletânea </span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;"><em>Key Debates in Anthropology</em></span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">, editada por Tim Ingold. Dentre os debates, um chamou especial atenção, sobretudo para os antropólogos que, pouco a pouco, voltavam a lidar com a produção de cultura material e também com performances, tanto em contextos ocidentais, quanto em realidades “não-ocidentais”. Trata-se da discussão travada entre Joana Overing, Peter Gow, Jeremy Coote e Howard Morphy acerca da possibilidade do uso transcultural da noção de estética.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">O acalorado debate não mobilizou apenas esses quatro intelectuais. Além deles, uma série de outros nomes importantíssimos para os estudos da interface entre a antropologia e as artes fizeram-se ouvir: da platéia, pronunciaram-se, entre outros, Alfred Gell e Robert Layton. Howard Morphy e Jeremy Coote, dois pesquisadores que, naquela época, já produziam avidamente sobre o tema, manifestaram-se a favor do uso da noção de estética como categoria transcultural. Por outro lado, Peter Gow e Joanna Overing assumiram posição contrária à aplicação universal do termo “estética”.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">De importância incontestável para quem trabalha com as artes de uma perspectiva antropológica, esse debate vem sido lido e citado por vários autores. Contudo, nota-se que a questão fundamental </span></span><span style="font-family: Symbol, serif;"><span style="font-size: small;"></span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;"> “pode o termo estética ser usado universalmente?” </span></span><span style="font-family: Symbol, serif;"><span style="font-size: small;"></span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;"> não foi ainda satisfatoriamente respondida e permanece como um dilema a dividir a comunidade acadêmica. Por conta desse impasse, a </span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;"><em>Proa</em></span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">convidou duas pesquisadoras que enfrentam essa questão em seus trabalhos. As antropólogas Els Lagrou e Shirley Campbell aceitaram o desafio de produzir, cada uma, um texto para nossa sessão Debates, retomando a mesma questão.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">De acordo com Anthony Shelton (1992), o grande obstáculo à resolução do impasse advém do fato de não estar devidamente claro o que se julga por “estética”. A definição do termo deveria ser estabelecida de antemão, para que um debate efetivo sobre o conceito pudesse ser realizado. Segundo o autor, a polissemia do termo “estética” nos textos produzidos pelas ciências humanas é tão grande, que seria preciso todo autor se situar, de antemão, sobre a acepção do termo que está utilizando.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">De fato, esse parece ter sido o nó do debate de 1993, em Manchester. Howard Morphy e Jeremy Coote advogavam que a categoria é, sim, aplicável a todas as sociedades, partindo do pressuposto de que todas as pessoas possuem uma sensibilidade estética (ligada à percepção sensorial e aos julgamentos dela decorrentes), embora sempre culturalmente moldada. Já Peter Gow e Joanna Overing se diziam contrários ao uso generalizado do conceito, com base no argumento de que se trata de uma área de conhecimento específica, cujo surgimento e desenvolvimento se deram no interior da história das artes no Ocidente.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">Vemos, portanto, que as concepções de estética que estavam sendo discutidas eram bastante diferentes entre si. Ninguém duvidaria que a sensibilidade estética faz parte da “natureza” humana, como professaram Morphy e Coote. Ao mesmo tempo, poucos discordariam de que, se tomarmos a Estética como uma vertente da Filosofia consolidada no século XVIII, seu uso como categoria universal não será plausível.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">Ao contrário do que ocorreu no primeiro debate, ambos os textos que foram escritos especialmente para a </span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;"><em>Proa</em></span></span><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;"> partem de uma mesma idéia de estética. Como resultado, os dois textos têm muito mais semelhanças do que oposições entre si. Els Lagrou, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Shirley Campbell, professora visitante do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Australia National University, em Canberra, advogam, ambas, a necessidade de percebemos que termos como estética e arte podem ser aplicados a vários contextos sociais, desde que ambos sejam usados de forma menos “dura” e etnocêntrica.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">O consenso das autoras em relação à transculturalidade da noção de estética deve-se, em parte, ao desenvolvimento recente de estudos que têm a cultura material e as performances de várias sociedades como objetos de reflexão. Por outro lado, a redefinição dessas noções por parte do próprio campo artístico ocidental auxiliou a perceber que, nem mesmo no seu meio de origem, esses conceitos podem ser pensados segundo as definições clássicas, atreladas, por exemplo, à idéia do “belo” ou da genialidade do artista.</span></span></p><p class="western" align="justify"><span style="font-family: Verdana, serif;"><span style="font-size: small;">Um outro aspecto interessante, que sobressai nas duas contribuições, é a inter-relação entre a Antropologia da arte e Antropologia das coisas ou objetos. Pensar práticas e objetos artísticos sob a perspectiva antropológica significa desvendar relações sociais e intencionalidades neles condensados ou por eles transmitidos – ponto que, coincidentemente, está presente em outras seções desse número da Proa, inclusive na Galeria</span></span></p> ER -