Resumo
A compreensão da ciência que reveste a prova judiciária está atrelada, sobretudo, aos paradigmas culturais presentes nas cosmovisões que a determinam, sendo tais normalmente insculpidos de maneira distinta entre as sociedades. O estabelecimento de um meio válido – e eficaz – para resolução de conflitos culturalmente condicionados enfrenta relevantes questões na seara penal e processual penal. Partindo-se de uma breve abordagem histórica e doutrinária, a presente pesquisa tem como objetivo traçar a relevância constitucional da (efetiva) implementação da perícia antropológica no processo penal como meio de prova e, em especial, quais são os embates práticos e jurídicos para sua adoção como base epistêmica à responsabilização criminal de réus indígenas. Dentre os enfrentamentos estudados, menciona-se a qualificação e inserção do antropólogo como perito na produção de provas em ações penais que envolvem acusados indígenas; a influência do “índio arquetípico” na valoração do estudo antropológico procedida pelo julgador, um expert em Direito, bem como a redução da “verdade” processual em laudo; e, por fim, a compreensão dos pontos que envolvem a frequente dispensa da perícia antropológica pelo Poder Judiciário.
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